Cos'è?



venerdì 14 agosto 2009

Lembranças de outono*

Eram meados de outono. Um dia triste e sombrio, onde a vida tentava precaver-se do rigoroso inverno que estava por vir. Dentro de mim, esse frio intenso já se fazia presente há tempos: ventos de insatisfação eram constantes; míseras garoas de infelicidade que se transformavam nas mais sólidas geleiras de vis sentimentos.
Laura estava contente naquele momento. Seus olhos negros- que muito me lembravam as trevas, por transparecerem solidão e profundidade- corriam cada detalhe daquele lugar. Este ainda era uma de suas últimas alegrias, desde o acidente. Lembro-me que quando éramos crianças costumávamos brincar por entre as delicadas e coloridas flores daquela serra. O cinza de um pequeno pedaço do mar, logo a diante, muito nos instigava e tentávamos juntas, descobrir os seus mistérios, enquanto observávamos os rochedos lá em baixo.
Penso que fomos felizes naqueles tempos. Talvez, eu nem tanto, mas Laura, creio que sim. Por ser adotiva, pequena e frágil, ela sempre conseguia de nossos pais um maior cuidado e atenção. Eu, ao contrário, era sempre deixada de lado e por ser três anos mais velha, ainda era obrigada a também fazer-lhe desvelos. A revolta, aliada ao ciúme e à indignação crescia em meu interior dia após dia.
Foi voltando de um passeio em uma cidade próxima, que o acidente aconteceu. Papai, sempre afobado para chegarmos logo em casa, fez mal uma curva, perdendo desta forma, o controle do carro. O acidente foi fatal para ele e mamãe e deixou Laura paraplégica. Eu, nada sofri de grave.
Condenada eternamente à cadeira de rodas, Laura tornou-se ainda mais dependente de mim. Dois anos já havia passado desde o desastre e eu não mais suportava cuidar-lhe do corpo e de suas longas crises depressivas.
Sempre que estava melhor de seus abalos emocionais, eu a levava para aquele lugar. Ali passávamos horas ininterruptas, a brisa soprando nossos rostos e eu olhando para os rochedos, sem mais pensar em descobrir os mistérios do mar, mas sim, em uma maneira de dar fim àquela criatura que por toda a vida chamou-me de irmã.
Laura mostrou-me os fracos raios de sol que teimavam em esconder-se por entre os galhos das árvores. Lembro-me bem daquele fim de tarde: estávamos paradas à beira da serra, sempre entretidas em nossos pensamentos. O frio tranquilo do outono ajudava-nos a resgatar recordações e a planejar, no meu caso, uma infeliz idéia de homicídio.
Foi em um momento desses, de viagem ao imaginário, que por um simples descuido, vi minha irmã adotiva despencar sobre os rochedos. Meu corpo empurrou instantaneamente sua cadeira de rodas e Laura foi arremessada ao lugar que por tantas vezes foi-nos fonte de reflexões. A negritude de seus olhos invadiu-me por completo e Laura passou a habitar, desde então, as mais longínquas profundezas.

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O que eu tanto desejara acontecera finalmente. Fiquei estarrecida nos primeiros instantes, diante de tal acontecimento inesperado; o olhar perdido no céu róseo-avermelhado daquele fim de tarde, naquele fim de Laura.
Uma brisa fria embebedou-me a tal ponto, que em um ato de inclemência, virei-me e retornei de maneira calma e lúcida para a casa.
Chuvas vieram e se foram; marcas de expressão surgiram em meu rosto, indicando a passagem do tempo. E eu nunca mais retornara àquele lugar.
Apesar de tudo, aquele pedaço de serra ainda vivia em mim.Fazia-se presente em meus sonhos, pensamentos e lembranças. Constantemente uma voz distante soava suavemente em meus ouvidos. E a cada dia essa voz entoava de maneira mais fremente, até tornar-se um grito.
Era um grito de súplica, algo como um chamado desesperado. A voz penetrava com tamanha intensidade em meus ouvidos que ia roubando-me as forças, até dominar-me completamente.
Estava hipnotizada por aquele grito deprimente e seu poder atrativo levou-me até ele. Era outono novamente. O uivo do vento confundia-me com o som daquela intensa voz. Cada passo dado aproximava-me mais daquele mistério. E lá, na beira da serra, finalmente encontrei o que andava a me atormentar. Laura olhava-me serenamente com seus olhos de trevas. Havia angústia em suas palavras, que a brisa carregava docemente.
Eu me sentia completamente subjugada a minha irmã. Sua imagem abatida atraía-me ainda mais a ela. Vi Laura com os braços estendidos, pela segunda vez, despencar das alturas da serra. Mas desta vez, tentei impedir e num ato súbito, fui ajudá-la. Atirei-me daquele abismo.
Laura caía levemente como uma folha que se desprende da árvore. O seu balanço era suave e ao mesmo tempo envolvente. Um tímido sorriso brotava de seus lábios. Com o passar da queda afundava-me gradativamente em seus olhos, até a negritude cercar-me por completo. Pronto. Estava infiltrada nos olhos de Laura. Agora, ela e eu estávamos unidas por todo o sempre; éramos uma só solidão. Seus olhos eram espelho e eu a imagem perdida em suas trevas.

*Texto escrito em 2005, para mais uma "aula" do professor "Pipoca". Objetivo: matar alguém!!!
**texto sem edições!