Cos'è?



venerdì 21 agosto 2009

Diálogos de uma mente em transe



Papel e caneta na mão e alguma ideia na cabeça, se possível. Lá está a caneta a rabiscar o papel, deixando nele sua tinta em formato de palavras. Mas o que são as palavras, a não ser um monte de letras, porventura tortas, que ora sobem, ora descem e que muitas vezes são incompreendidas?
Os pensamentos fluem constantemente e por inúmeras vezes aquele famoso símbolo de uma lâmpada acesa bem acima da cabeça de seu pensador, aparece. Às vezes, a ‘lampadazinha’ permanece acesa por um período de tempo maior, o que dá a entender, que desta vez a caneta que desliza sobre o papel não terá suas palavras arremessadas para dentro da lixeira. Mas que nada! Lá vai mais uma bolinha branca com riscos azuis a misturar-se com as demais.
A lixeira ao lado da escrivaninha está transbordando de ideias mal estruturadas. São bolos e bolos de uma papelada que invade até mesmo o chão. Já não há mais limite para manter as pequenas frases ali escritas. É como se houvesse um grande vulcão, a vomitar com fúria sua lava de papel-palavras. Ainda que deformadas pelo amassamento do papel, tais frases insistem em se mostrar. É possível ver construções quase inteiras, pensamentos quase completos jogados ali. Anotações de uma mente em transe.Quem foi que disse que escrever é fácil?
-Você poderia ter a delicadeza de não me descartar com tanta frequência?- surge uma voz de repente.
-Quem está aí?-pergunta a pessoa que escreve, a caneta a ergue-se na mão.
-Ora, esta! Quem sou eu? Quem mais poderia ser? Sou o seu lado mais criativo e inovador, aquele que te garante prêmios, satisfações e elogios, às vezes, até mesmo uma promoção no emprego também. Não percebe quem sou eu?­
- Não!- responde a pessoa enquanto passa a mão pelos cabelos.
-Veja, sem você eu não poderia existir, assim como, sem mim, você não poderia ter feito muitas coisas. Sou a Ideia!
-Muito prazer, dona Ideia. Mas me diga, por que este tom de repreensão?
- Porque você simplesmente não está me dando o devido valor. Olhe para aquela lixeira, sim, esta mesma! O que você vê?
-Vários papéis amassados dentro e fora dela. Ou seja, nada mais do que lixo.
-Lixo???- responde a Ideia com grande indignação. Você está me chamando de lixo?
-Não a senhora, mas os papéis.
- E o que são os papéis a não ser uma prova documental da minha existência? Eles são a forma que você achou para me materializar. Palavras escritas, pensamentos concretos, isto nada te diz?
Dona Ideia estava realmente brava, ao passo que a pessoa responde:
-Eu não queria ofender a senhora, aliás, nem sabia que fosse possível nos encontrarmos aqui. Eu apenas descartei folhas de um caderno onde cri não ter achado a melhor maneira de começar o meu texto.
-Pois saiba, que ideia alguma deve ser descartada! Todas são válidas como forma de experiências, de melhorar a criatividade e de, portanto, originar novas outras ideias. Se para o momento alguma não foi útil, no futuro bem poderá ser utilizada.
Um silêncio toma conta do lugar. A pessoa que escreve está a pensar. Olha para o papel e para a caneta, que também lhe lançam olhares.
- E então, o que me diz?- fala a Ideia.
A pessoa que escreve está com um ar confuso. Apenas responde:
-Você me disse quem você é, mas não o quê você é...
-Pelo visto, muito preciso explicar a você... Eu sou o que você quer que eu seja. Digamos que sou como o vento a bater nas rochas: através de pequenas inserções, ações e insistências, vou modelando a “rocha”. Depois de um período bem prolongado, ela se torna diferente e única. Entende?
-Acho que sim.
-Mas se você me repreende, me atira e me minimiza, como posso me chamar Ideia?
A pessoa que escreve apenas assente com a cabeça. No final de tudo, o vulcão de papel-palavras parou de ebulir e a lâmpada na cabeça de seu pensador não parou mais de brilhar. Estava a iluminar seus pensamentos e dar cada vez mais luz às suas ideias. Assim, Pessoa e Ideia continuaram a dialogar. Falaram tanto, que inúmeras outras Ideias se juntaram à prosa. Conversaram até extinguirem todas as palavras que pudessem ser ditas.

martedì 18 agosto 2009

A vida de Norma - JP de Azevedo*

Norma sempre foi considerada uma garota normal dentro de seu pequeno círculo de conhecidos. Alguns atributos e características de sua personalidade, porém, mostravam-na como uma menina um tanto quanto incomum para sua idade.

Aos dezessete anos terminou o colegial. Gostava de ir a teatros, tinha profunda admiração por peças de Shakespeare (talvez o único autor que realmente lhe interessava), gostava de assistir a filmes cults e que normalmente estão fora do circuito comercial. Aliás, detestava tudo que carregava este rótulo de “comercial”, “pop” ou mesmo “teen”, na medida em que tudo lhe parecia vulgar e banal.

Há pouco tempo resolvera entrar em um curso de Teatro, o que acabou por se tornar uma grande decepção: seus professores ignoravam os clássicos e preocupavam-se somente em propor textos de autores contemporâneos, altamente pedantes e que em si não tinham graça nenhuma. Sem contar no tempo que se perdia com exercícios infantis que não serviam para absolutamente nada.

A única coisa que tirou de proveitoso do curso de teatro foi um namorado. Frederico, um rapaz rico, estudante de direito de uma caríssima universidade privada, despertara-lhe o interesse devido à sua visão crítica quanto a problemas realmente relevantes que iam desde questões que envolviam meio ambiente até a estética predominante nas obras de Picasso. Norma ficava encantada quando seu jovem namorado discorria horas a fio sobre seus conhecimentos de botânica, física quântica, Fenomenologia hegeliana... Tinha sensações que equivaliam a verdadeiros orgasmos quando Frederico pronunciava alguma palavra à qual desconhecia o significado “Ontologicamente falando...”

Era essa a vida de Norma: não se considerava uma garota alienada, tinha senso crítico, sabia o que era bom, não tinha problemas com os pais (o que era muito incomum para as demais moças de sua idade), namorava um bom rapaz, estava se preparando para o vestibular...

Contudo, havia algo que sempre lhe importunava. Um sentimento estranho que lhe abatia e que a fazia hora ou outra sentir-se como uma pessoa vazia, desencarnada do mundo real. Parecia que tinha uma existência inútil e que, apesar do que lhe diziam seus pais, ou até mesmo Frederico (quando encontrava tempo para ouvir o que Norma dizia), fazia com que tivesse a impressão de que estava à parte do mundo: ela não o percebia, assim como, ele, o mundo, também não se dava conta de sua existência.

O dia 25 de agosto foi um dia marcante para a história de Norma.

Ela saiu em procura de uma loja de cds em um Shopping qualquer da cidade com apenas uma coisa em mente: Comprar um cd de Tchaikovsky. Era o único compositor erudito que ainda não tinha ouvido e, como Frederico havia lhe alertado sobre as singularidades do repertório deste extraordinário compositor, não teve dúvidas.

Na loja de cds
Norma:
– Bom dia, tem alguma coisa aí de Tchaikovsky?

O vendedor torceu o nariz para a pergunta de Norma:
–Tchaikovsky? Hum... acho que não tenho nada dele aqui não...

Vendedor:
– Mas você pode ficar à vontade, deve haver algo que lhe interesse...

Norma com desânimo começa a circular pela loja, até o momento em que se depara com uma prateleira de cds de rock.

Uma capa lhe chama a atenção: quatro rapazes estranhos com cabelos longos cobrindo os olhos, sob uma inscrição em vermelho R.A.M.O.N.E.S

Norma vira-se para o vendedor e pergunta:
– O que é isso aqui: R.A.M.O.N.E.S ?

Vendedor:
–Você não conhece? É uma dessas bandas punks...

Punk... Norma já havia ouvido essa palavra, mas nunca soube bem o que significava. Uma curiosidade mórbida a impulsionou até ao balcão do vendedor fazendo-a comprar de imediato o estranho cd.

Chegou em casa com a camisa molhada de suor. Não se lembrava de ter em algum momento corrido tanto por alguma coisa. Só o que queria era chegar em casa o mais rápido possível para poder ouvir aquele estranho cd.

Pegou-o com as mãos trêmulas e, antes de colocá-lo no aparelho de som, deu mais uma rápida olhada para a capa. Havia algo ali que a intrigava, talvez o fato de o olhar de peixe morto de um dos integrantes da banda passar a impressão de querer lhe dizer alguma coisa.

Sem mais hesitações colocou o cd no aparelho de som, deitou-se na cama e apertou o play do controle remoto.

Riffs infernais de guitarra começaram a soar entre as paredes do até então tranqüilo quarto de Norma. E como se alguma força estranha agisse sobre seu corpo, começou a levitar sobre a cama até o momento em que se viu de pé agitando freneticamente a cabeça, para cima e para baixo e cantando em línguas estranhas (já que não compreendia o inglês cantado pela banda).

Pela primeira vez Norma sentia o sangue correr em suas veias. Tinha a certeza de que aquele era um momento especial que iria determinar novos rumos em sua vida.

Sem dúvida encontrara o remédio para suas crises de identidade. Depressão nunca mais, pois só uma coisa importava: O Rock’n’roll e, acima de tudo, ser Punk.

Inexplicavelmente sentiu uma vontade danada de se rebelar, por isso, a primeira coisa que fez foi pintar uma mexa de seus longos cabelos negros com a cor vermelha. Isso era uma atitude Punk, isso é que é chocar a sociedade. “Essa hipocrisia de merda! Pro diabo vocês todos!” E, num acesso de revolta e ira, pegou do telefone e discou o número de Frederico:

Norma:
– Alô, Frederico?

Frederico:
– Oi, meu bem.

Norma:
– Meu bem o cacete, VAI SE FODER!!!

Frederico era retrógrado em demasia para que ela continuasse a perder seu tempo.

Numa crise de riso histérico ela deita-se novamente sobre a cama e continua a ouvir o cd.
A música que tocava era “Sheena is a punk rocker”, porém, o som que ecoava em sua mente dizia: “Norma is a punk rocker Now!”.



*Biografia: Amigo "emailístico" da "Bruníssima", filósofo nada lunático, que curte Led Zeppelin e Cat Power. Acha a "Lara" de Dr.Jivago muito mais bonita que a "Tonia" (e ai de quem discordar!!!); para ele "PG" é “País de Gales” e tem uma gatinha que usa um capacete de casca de laranja na cabeça.
É claro que tem a total simpatia de sua amiga Bruna, com quem partilha ideias, alucinações, desabafos e (por que não) xingamentos

venerdì 14 agosto 2009

Lembranças de outono*

Eram meados de outono. Um dia triste e sombrio, onde a vida tentava precaver-se do rigoroso inverno que estava por vir. Dentro de mim, esse frio intenso já se fazia presente há tempos: ventos de insatisfação eram constantes; míseras garoas de infelicidade que se transformavam nas mais sólidas geleiras de vis sentimentos.
Laura estava contente naquele momento. Seus olhos negros- que muito me lembravam as trevas, por transparecerem solidão e profundidade- corriam cada detalhe daquele lugar. Este ainda era uma de suas últimas alegrias, desde o acidente. Lembro-me que quando éramos crianças costumávamos brincar por entre as delicadas e coloridas flores daquela serra. O cinza de um pequeno pedaço do mar, logo a diante, muito nos instigava e tentávamos juntas, descobrir os seus mistérios, enquanto observávamos os rochedos lá em baixo.
Penso que fomos felizes naqueles tempos. Talvez, eu nem tanto, mas Laura, creio que sim. Por ser adotiva, pequena e frágil, ela sempre conseguia de nossos pais um maior cuidado e atenção. Eu, ao contrário, era sempre deixada de lado e por ser três anos mais velha, ainda era obrigada a também fazer-lhe desvelos. A revolta, aliada ao ciúme e à indignação crescia em meu interior dia após dia.
Foi voltando de um passeio em uma cidade próxima, que o acidente aconteceu. Papai, sempre afobado para chegarmos logo em casa, fez mal uma curva, perdendo desta forma, o controle do carro. O acidente foi fatal para ele e mamãe e deixou Laura paraplégica. Eu, nada sofri de grave.
Condenada eternamente à cadeira de rodas, Laura tornou-se ainda mais dependente de mim. Dois anos já havia passado desde o desastre e eu não mais suportava cuidar-lhe do corpo e de suas longas crises depressivas.
Sempre que estava melhor de seus abalos emocionais, eu a levava para aquele lugar. Ali passávamos horas ininterruptas, a brisa soprando nossos rostos e eu olhando para os rochedos, sem mais pensar em descobrir os mistérios do mar, mas sim, em uma maneira de dar fim àquela criatura que por toda a vida chamou-me de irmã.
Laura mostrou-me os fracos raios de sol que teimavam em esconder-se por entre os galhos das árvores. Lembro-me bem daquele fim de tarde: estávamos paradas à beira da serra, sempre entretidas em nossos pensamentos. O frio tranquilo do outono ajudava-nos a resgatar recordações e a planejar, no meu caso, uma infeliz idéia de homicídio.
Foi em um momento desses, de viagem ao imaginário, que por um simples descuido, vi minha irmã adotiva despencar sobre os rochedos. Meu corpo empurrou instantaneamente sua cadeira de rodas e Laura foi arremessada ao lugar que por tantas vezes foi-nos fonte de reflexões. A negritude de seus olhos invadiu-me por completo e Laura passou a habitar, desde então, as mais longínquas profundezas.

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O que eu tanto desejara acontecera finalmente. Fiquei estarrecida nos primeiros instantes, diante de tal acontecimento inesperado; o olhar perdido no céu róseo-avermelhado daquele fim de tarde, naquele fim de Laura.
Uma brisa fria embebedou-me a tal ponto, que em um ato de inclemência, virei-me e retornei de maneira calma e lúcida para a casa.
Chuvas vieram e se foram; marcas de expressão surgiram em meu rosto, indicando a passagem do tempo. E eu nunca mais retornara àquele lugar.
Apesar de tudo, aquele pedaço de serra ainda vivia em mim.Fazia-se presente em meus sonhos, pensamentos e lembranças. Constantemente uma voz distante soava suavemente em meus ouvidos. E a cada dia essa voz entoava de maneira mais fremente, até tornar-se um grito.
Era um grito de súplica, algo como um chamado desesperado. A voz penetrava com tamanha intensidade em meus ouvidos que ia roubando-me as forças, até dominar-me completamente.
Estava hipnotizada por aquele grito deprimente e seu poder atrativo levou-me até ele. Era outono novamente. O uivo do vento confundia-me com o som daquela intensa voz. Cada passo dado aproximava-me mais daquele mistério. E lá, na beira da serra, finalmente encontrei o que andava a me atormentar. Laura olhava-me serenamente com seus olhos de trevas. Havia angústia em suas palavras, que a brisa carregava docemente.
Eu me sentia completamente subjugada a minha irmã. Sua imagem abatida atraía-me ainda mais a ela. Vi Laura com os braços estendidos, pela segunda vez, despencar das alturas da serra. Mas desta vez, tentei impedir e num ato súbito, fui ajudá-la. Atirei-me daquele abismo.
Laura caía levemente como uma folha que se desprende da árvore. O seu balanço era suave e ao mesmo tempo envolvente. Um tímido sorriso brotava de seus lábios. Com o passar da queda afundava-me gradativamente em seus olhos, até a negritude cercar-me por completo. Pronto. Estava infiltrada nos olhos de Laura. Agora, ela e eu estávamos unidas por todo o sempre; éramos uma só solidão. Seus olhos eram espelho e eu a imagem perdida em suas trevas.

*Texto escrito em 2005, para mais uma "aula" do professor "Pipoca". Objetivo: matar alguém!!!
**texto sem edições!

giovedì 13 agosto 2009

A menina que morava no retrato


Era uma menina como qualquer outra, nem mais alta e nem mais baixa, nem mais velha e nem mais nova. Tinha longos cabelos de mel amarrados como as mães normalmente costumam amarrar os cabelos das filhas: sempre um pouco para cada lado do rosto e com dois grandes laçarotes.
Pensa-se que ela fosse feliz, porque seus lábios esboçavam aquilo que deveria ser o início de um longo sorriso. Um leve repuxar do contorno da boca em suas extremidades dão este ar de uma possível alegria. Não, ela não é a Monalisa de DaVinci, mas bem que poderia ser filha dela, se isto fosse possível. Lábios que brincam com os sorrisos deveriam ser uma característica genética. Afinal, não são todas as pessoas que conseguem manipular um riso e fazer dele algo totalmente duvidoso.
Só que ela esteve ali, o tempo todo presa no interior de quatro linhas retas. Um quadrado muito bem apessoado, como qualquer quadrado, diga-se de passagem, com todas as suas medidas tão simetricamente simétricas que seria impossível notar qualquer milímetro de assimetria. E neste mundo de medidas tão perfeitas morava a menina não-Monalisa de cabelos de mel. O lugar, apesar de rodeado de quatro traços que lembravam horizontes, não possuía nenhum rastro de céu, azul ou vermelho, cinza ou coberto de nuvens brancas. Também não havia ali nem sol, nem chuva ou vento, quem dirá então, um lindo arco-íris! Só uma coisa havia: verde! Obviamente que não era o verde de nenhuma mata ou de uma simples plantinha que fosse... não! Era o verde desbotado de uma velha cortina... E ele ocupava todo o espaço que o corpo da menina deixava vago. Ficava atrás dela, como um guarda-costas, como um segundo observador a olhar constantemente a garotinha.
Com toda a certeza, não devia ser muito aconchegante morar naquele lugar. Afinal, a menina do retrato não brincava de pular corda, nem de correr, nem de amarelinha, nem de nada. Por mais que segurasse uma boneca de cabelos cor-de-rosa no braço direito, nenhuma aventura as duas poderiam viver. Como ser livre quando os horizontes são tão quadrados e tudo é tão verde-desbotado? Como ir para muito além quando o além é logo ali? O que restava fazer, então, a não ser esboçar um pequeno sorriso e olhar somente para frente? Seus olhos melancólicos e castanhos conseguiam enxergar um outro mundo em uma outra dimensão, muito, muito distante de sua realidade. Eram olhos de súplica, que mesclavam curiosidade e atrevimento. A menina não queria que apenas a espiassem em seu pequeno universo; queria também, que dirigissem à palavra a ela. Mas isto, ninguém ousava fazer. Ninguém jamais perguntou a ela o por quê daquela intrigante expressão facial, nem o nome de sua boneca, nem o por quê daquele estranho sorriso. Também não se importaram em saber se ela gostava mais de balas ou chocolates, gatos ou cachorros ou se a cor de sua cortina de fundo a agradava. Apenas a olhavam e cochichavam coisas entre si que ela não conseguia entender. Depois, colocavam a menina e seu retrato novamente em cima da cômoda do quarto. E assim se sucedeu por um longo tempo. Até que um dia, cansada de tudo aquilo, a menina do retrato resolveu-se vingar. Pegou boneca, cortina e quatro horizontes e sumiu. Não acharam mais nada disto na cômoda nem em outro lugar. Nunca mais se soube do retrato da menina e nem da menina do retrato. Espera-se que pelo menos, ainda esteja tentando sorrir.

martedì 11 agosto 2009

(Des)encontros

As horas passaram-se, os dias e os meses também. No final de tudo, chegou-se ao total de 42 anos, cinco meses e quatro dias. E aqui, nesta rua escura, estou. Não que todo este tempo tenha sido como um fardo, para mim. Pelo contrário, vivi momentos com muita intensidade. Conheci, esqueci, reconheci, reencontrei e perdi pessoas. Mas todas com a sua parcela de importância no meu caminho. Mas e agora, o que o futuro ainda me reserva nestes 20 e tantos anos que ainda me faltam até a velhice? Quantos seres ainda hei de encontrar? Quantos serão momentâneos, quantos serão especiais, quantos serão inesquecíveis e quantos eu daria de tudo para não os ter encontrado?
São exatas 11 pessoas que estão aqui, ao meu redor. Todas com o mesmo objetivo: pegar o ônibus que as conduzirá a algum destino. O destino de cada uma delas pode estar na próxima parada, ou não. O senhor de camisa listrada olha-me com olhos impacientes. Está com um ar abatido, provavelmente passou o dia atrás de algum balcão de loja. Basta apenas uma simples pergunta, para que um acaso aconteça. Não, ele não me disse nada. Apenas o estar presente não importa para que conheçamos pessoas. É preciso diálogo, simpatia, afinidade. Nestas minhas quatro décadas de vida, quantas vezes fui abordado para responder as horas, para informar lugares, ou simplesmente, para concordar que irá chover. Foi assim que conheci a Carolina, uma menina que em nossos tempos de juventude, costumava sentar-se ao meu lado na cantina da escola. Bons tempos aqueles...
Á alguns passos de mim, está uma moça de óculos escuro, muito elegante com seus sapatos vermelhos de saltos altos. Ela se oferece para segurar algumas sacolas de uma senhora já de idade. Os olhos da mulher mostram um certo brilho ao aceitarem tamanha gentileza. Um pequeno bate-papo inicia-se. Falam sobre a demora do ônibus, que está sete minutos atrasado. “Deve ter sido a chuva que inundou a marginal”, repete a senhora, com certa freqüência. De repente, a moça, como que impaciente com aquele diálogo que não a levará a lugar algum, abre a bolsa e retira um celular. A conversa agora, muda de interlocutor; passa a ser onipresente. A mulher com mais idade, cala-se. Parece que o destino não quer agir neste ponto de ônibus. Nenhum dos presentes mostram-se simpáticos uns com os outros. Ninguém se atrai, ninguém se repele. Apenas um lugar em comum, em um tempo em comum.
O silêncio toma conta do lugar, o que faz da rua, torna-se ainda mais escura. Penso que, quantas destas pessoas aqui presentes poderiam ser minhas amigas... Seriam tantos os assuntos a serem discutidos, trocados, tantas confissões a serem feitas, tantas risadas, choros e apoios a serem compartilhados... Quem sabe não encontraria no senhor de camisa listrada um bom companheiro para as minhas pescarias de domingo? Quem sabe, a mulher com a criança no colo ao meu lado, não poderia ter sido a mãe dos meus filhos? Ou, quem sabe ainda, os dois adolescentes que tanto se olham, não acabaram de encontrar um grande amor um com o outro?
Oportunidades... É disto que a vida é feita. Oportunidades. Hoje estou aqui, parado neste ponto de ônibus, após um dia inteiro de trabalho. Conversei com muitos clientes, deparei-me com os mais diversos tipos de gente nas ruas. E agora, meu dia quase termina aqui. Não tive nenhuma grande oportunidade hoje. Nenhuma quis concretizar-se até o momento. É mais fácil não conhecer alguém, do que conhecer. O acontecer do destino acontece nos mais variados momentos e lugares. Até, mesmo, em um simples ponto de ônibus em uma rua escura.

lunedì 10 agosto 2009

Ataquem, soldados!


1943, Segunda Guerra Mundial. São duas horas da tarde. O céu está nublado em Berlim. O inimigo se aproxima. Meu coração está disparado. Ele ainda não percebeu que eu estou entre os escombros. Minha arma está mirada em sua cabeça. Estouro seus miolos. Maldito inglês!

1965, Guerra do Vietnã. Estou em meu alojamento tentando dormir um pouco. Lá fora bombas, tiros e gritos de meus colegas e dos inimigos. Fecho os olhos. O que será que Laura estará fazendo agora? Tomara que ainda pense em mim. Uma tarde que passamos sob as folhas de um carvalho vem à minha mente... E pensar que há dois anos eu era tão feliz... Um grande estrondo me desperta de meu estado de sonolência. Uma bomba atingiu um outro alojamento há poucos metros do meu. Meu instinto me leva a pegar minha arma e a correr. Uma sombra por detrás das ruínas de um prédio me alerta. É um asiático, eu sei. Não penso duas vezes em atirar. Tomba a minha frente o corpo de um pequeno vietnamita de cerca de cinco anos.

1982, Guerra das Malvinas (Falklands). “É agora, Steve!”... E então eu e o meu companheiro pulamos no pescoço daquele argentino nojento. Você não imagina a satisfação que sentimos ao pegá-lo. É como se ganhássemos mais uns instantes de vida e, de fato, era isso mesmo. O capitão argentino não mostrava resistência, até porque, éramos dois contra um. Dois soldados britânicos tinham nas mãos o líder daqueles desgraçados. “Vamos mantê-lo aqui por uns dias, John, vai ser valioso para nós”, disse-me Steve. “Sim, ainda não temos pressa em matá-lo”, respondi. O capitão engoliu em seco.

1994, Guerra dos Bálcãs. Kosovo está em ruínas. São destroços de máquinas, gigantes entulhos de prédios, pedaços de corpos por todo lugar. Apesar de ter consciência da minha missão – da missão que me fora dada de defender a minha pátria e o meu povo-, eu me pergunto: “Valerá a pena matar e morrer por isso?”. Em quase três anos, já perdi alguns familiares e muitos amigos. Serei eu o próximo a perder a vida? Aqui neste galpão abandonado já não resta mais nada do que fora em outros tempos. Mesmo assim, gosto de me refugiar aqui. Fujo por breves instantes do mundo cruel lá fora. Fujo brevemente de mim mesmo. Mas eu sou um sérvio. Meu povo depende da minha bravura em combate. Então digo a mim mesmo: “Coragem, soldado Petrov! Vá lá e acabe de uma vez com eles!”

2003, Guerra do Iraque. Na lista dos soldados convocados para a guerra estava escrito: Mark McKall. Meu Deus! Sou eu! E foi assim que minha vida mudou de repente... Minha família, meus amigos, meus sonhos e meus anseios foram interrompidos. Grossas lágrimas rolam em meu rosto. Estou em meu quarto e meu olhar corre cada pequeno espaço desse meu pequeno ambiente. Amanhã embarco para uma terra distante. Vou lutar contra algo que nada significa para mim. Nenhum conflito é maior que aquele ocorre agora dentro de mim. Jogo longe meu travesseiro. Droga! Será que vou voltar?

2008, conflito Israel x Palestina. Mais uma noite cai na Faixa de Gaza. Olho para o céu, nada de estrelas. Apenas riscos esverdeados de projéteis cortam o horizonte. Tento levantar, mas não consigo. O ferimento em minha perna foi profundo; não consigo mais senti-la. Se não houver socorro logo, acho que não sobrevivo até o amanhecer. As horas passam, ninguém aparece. Pelo visto, aquela foi a minha última batalha. Uma escuridão invade o meu interior. Agora sou mais um soldado morto.

2009. “Acabem com eles!”, “Te peguei, maldito!”, “O que estou fazendo nessa guerra?”, “É minha última chance”. Diversas frases e pensamentos estão em guerrilhas. O mundo tornou-se cenário de um grande combate. Vidas se perdem diariamente de forma cruel e fútil. Balas, mísseis e bombas destroem a humanidade. Há muito sangue no chão. Somos soldados de uma guerra universal. Entramos em conflito por coisas pequenas. O espírito de sobrevivência nos invade constantemente. Se não acabarmos com o inimigo, ele acabará conosco.

domenica 9 agosto 2009

O jornalista invisível

Não foi há muito tempo que as palavras e as imagens começaram a dizer coisas por si mesmas. Na verdade, não faz muito também, que palavras soltas, textos completos, imagens provocativas e leitores individualizados vem misturando-se em um grande e complexo bolo de idéias e de padrões. Não que isto seja algo totalmente ruim (eu jamais pensaria uma coisa destas), mas a maneira como ocorre é com toda certeza, fascinante! Não sei se pela sua rapidez, ou pela mudança de velhos padrões, só sei que ler hoje em dia é muito mais do que simplesmente abrir uma página de um jornal (ou revista, que seja) e acompanhar com os olhos cada frase ali contida. E olha que muito já li em meus quase 80 anos de vida!
A revista a minha frente é chamativa por si só. Trás na capa a sombra de um jovem cabisbaixo. Mesmo não havendo uma fisionomia ali desenhada, sei que a fotografia remete a um garoto em torno de seus 13 anos. Um rapazinho pobre, violento, para quem a sorte não sorriu até o momento e cuja triste vida, o levou a ser capa da revista que está na minha mesa. A fotografia contrasta com um vermelho-sangue chocante, que escorre por todo o papel. As letras grandes amarelas apenas escrevem: “Infância perdida”. Uma imagem comum, para uma capa comum, com um assunto comum, com um tema comum para um leitor também comum. Será?! Eu, economista aposentado, com exatos 43 anos de carreira (a contar de quando comecei a vender pães na venda de meu avô, aos 10 anos de idade), com Marx, Nietzsche, Malthus, Dostoievski, Drummond, sem contar a minha amada Cecília Meireles na cabeça, não posso ser nunca alguém comum. Tenho minhas vaidades, que aliás, são muitas.
Meu olhar passa novamente pela revista. Vejo que há algo mais nela, algum detalhe importante, uma espécie de “dimensão”. Sei que em quase tudo o que vejo há mensagens subliminares, mas neste caso específico, é mais do que isto. Ainda não sei explicar do que se trata, talvez, dando uma olhada com mais atenção em seu conteúdo, eu venha a saber.
Leio toda a reportagem de capa. Há uma enorme contextualização sobre as crianças que se envolvem em crimes, desde os principais motivos para isto, a rotina de vida de muitas delas, as consequências disto para suas vidas e para a sociedade. Um texto interessante, devo dizer. Vejo minha mente fechar-se em milhões de questionamentos sobre o tema, a relembrar momentos em que me deparei frente-a-frente com crianças pedindo esmolas, a lamentar por tudo isto. Muitas de minhas ansiedades estão respondidas, lançadas e projetadas no texto que acabei de ler. É como se houvesse um diálogo entre eu e mais alguém a respeito do assunto. É isto! Aí está a “dimensão” a que me referi! Ela é o próprio jornalista. É ele quem me chama para esta conversa, quem me conduz, quem dialoga comigo. Quando não concordo com o que ele escreve, o que eu faço? Mando uma carta, um e-mail ou ainda, telefono para a redação e dou a minha opinião dos fatos. Mas é claro que isto também serve para elogiá-lo pelo trabalho feito, para dar ideias, sugestões e porque não, correções?
Quando um jornalista expõe a sombra de uma criança em um fundo vermelho, o que ele me diz? Que jovens estão sendo massacrados em uma sociedade desigual. E o que eu respondo a ele? Sim, jornalista, a sua capa chamativa me acorda para este problema. Quando abro a revista e leio a história de vida do ídolo de uma geração que agora está morto, como retorno tamanha consideração pelos fãs? Com palavras tão escritas quanto as que ali encontrei. É assim que o mundo impresso vem a cada dia se mantendo e se reformulando. É como se houvesse um pouco do jornalista enquanto ser em cada frase, em cada fotografia, desenho e gráfico. Ele dá vida, sentido, forma, conteúdo, interpretação para tais elementos... Escrita e imagens falam e ouvem por si mesmas...
Nesta interação entre eu, leitor, e ele jornalista, não há abismos, nem grandes barreiras; porventura, alguns buracos... Mas este último é fato isolado nos dias de hoje, estou certo disto. O que importa é que ele me vê e eu o vejo. Ele sabe exatamente de meus anseios e necessidades, e na minha individualidade, tenta me enquadrar junto com seres tão “Meireilistas” quanto eu. Também sei onde a mídia atua, sua importância e até mesmo, evoluções. Interagir torna-se sinônimo de compartilhar, testar e aproveitar oportunidades e anseios. Nossa troca de informações é diária e constante e isto nos faz pertencer ao mesmo emaranhado de posturas comuns.
O meu bate-papo nesta tarde com os jornalistas da revista de capa marcante, está me rendendo boas reflexões. Mas que falta de educação a minha! Eu, aqui, a conversar e nem ofereci ainda uma xícara de café para estes meus “caros colegas”. E vejam que mal comecei a ler toda a revista! Acho que não se importam em esperar um pouco no sofá, não é mesmo? Eu volto já.

venerdì 7 agosto 2009

Observação

*Blog ainda em construção!!! Revendo conceitos, refazendo idéias, criando, experimentando...

Monólogos de um momento eternizado


México, 1955. Um fim de dia, talvez. Ou ainda, o início de uma bela manhã. Mas é claro que também pode ser o meio de uma tarde, quando o sol ainda está a pino e a vida apenas vive, sem se preocupar com a noite que tardará a chegar. Múltiplas possibilidades, e apenas uma certeza: tempos de revolução.
A América Latina é toda ela povoada por militares, golpes, vitórias e fracassos... Sangue... Sangue que escorre por diversos motivos, que lava ruas e becos e que coagula nas páginas da história. Líderes surgem por todos os lados, são políticos, são povo, são sonhadores e também, ditadores; podem ser até mesmo, heróis. As canções no rádio ainda são uma novidade que embalam uma geração. A televisão é um eletrodoméstico de luxo, na qual pouquíssimos latino-americanos tem.
E lá está o México, abaixo dos Estados Unidos até no mapa, ou, como diriam muitos, “A casa grande e seu quintal”. Naquele meados dos anos 50, o país é sede da segunda edição dos Jogos Pan-Americanos e obviamente, atletas e jornalistas de todo o continente encontram-se por lá.
No meio de tantos fatos, casos, desatinos, rumos, mesmices e detalhes, uma fotografia surge no cenário. Algo preto-e-branco, como convém para a tecnologia da época, mas cuja maneira incolor de ser, suscita um amplo e colorido leque de probabilidades, tão ressaltada é a imagem estática em sua negritude mesclada na brancura.
Lá está o mar, espremendo-se entre o céu e a praia. E como todo mar, este também não é diferente; gosta de fazer-se notar, de mostrar toda a sua amplitude e força, toda a sua magia e mistério. Suas ondas são fortes e utilizam-se da violência para alcançar a praia solitária. Talvez tão acostumado com o contexto sócio-político da época, o mar também quis mostrar o seu lado traiçoeiro e perturbador. Ele desliza, balança, ameaça e cai... Forma-se então, um grande e sacolejante lençol branco com suas espumas. Ondas de um tempo. Tempo de perseverança. Ondas de um tempo ali eternizadas.
Diante da brutalidade do mar, estão um homem e uma mulher parados, olhando um para o outro a conversar. Ele, metido em um terno que no ao vivo da situação deveria ser bege, marrom ou algo similar, e um chapéu da mesma coloração que repousa em sua cabeça. Ela, mais baixa do que ele, vestido branco a cobrir-lhe as curvas e outros adereços da carne e um lenço a envolver-lhe os cabelos. Um bom observador notaria uma cesta em seu braço esquerdo, enquanto o outro, curva-se na cintura. Sua face parece estar em movimento. Palavras devem sair de sua boca. Mas o homem mantém uma postura séria. Apenas a escuta, enquanto suas mãos estão para trás. Seriam eles um casal, meros amigos ou quem sabe, amantes?
A praia onde se encontram leva a crer que é um local bem movimentado. Uma provável chuva recente deixa à mostra inúmeras pegadas na areia. Mas o homem e a mulher em nada reparam ao que acontecem ao seu redor. Não notam os navios no horizonte, nem a violência do mar, nem a gradativa mudança de tonalidade do céu, nem as marcas de passos na areia, nem nada. Só tem olhos um para o outro.
Alguém se aproxima e percebe a distração do casal. O cenário está perfeito para um bom enquadramento. Esse alguém é Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967), um repórter fotográfico da Agência de Imprensa Argentina, que cobria os Jogos Pan-Americanos. Sim, é ele mesmo, o tão conhecido Che Guevara, revolucionário comunista que sacudiu a América Latina com sua ideologia e ousadia, e um dos nomes expoentes da Revolução Cubana (1959). Apesar de sua formação ser em medicina, Che, nas horas vagas, praticava uma outra sua grande paixão: a fotografia. Um “clique” mistura-se com o som ambiente. Assim, o fotógrafo Che Guevara eterniza aquele momento. Agora, para todo o sempre, o homem e a mulher da praia estariam se fitando.



A hora do eu


Mais uma vez um livro foi aberto e suas palavras consumidas. Palavras novas e velhas, desta e de outras leituras, que misturadas irão em breve parar em algum papel. Mas não pense você que sou uma devoradora de palavras. Não! Devorar é pouco. É apenas engolir de forma desesperadora, sem apreciar o seu sabor. Sou mais detalhista. Gosto do degustar, que me vai envolvendo em cada letra, em cada ponto, em cada sentido. Assim, tomo para mim as palavras e suas idéias. Sinto-me, então, saciada.
Se as horas e dias passam, minha “bagagem de conhecimento” passa com eles. Aquilo que possuo já não é suficiente. Já não bastam os mesmos autores e nem suas obras. Já não bastam as mesmas perguntas. Senso comum? Nem pensar! Abomino o clichê. A renovação caminha junto comigo, porque acredito na “metamorfose ambulante” de que já falava Raul Seixas em sua obra. Uma música, um filme, uma peça teatral ou ainda um bom bate papo são alguns elementos que constantemente ajudam a modificar o meu ser. Tento sempre absorver o melhor das coisas e das pessoas; estou sempre em fase de aprendizado. Acredito que boas fontes de conhecimento também podem ser encontradas nos mais simples seres, basta saber indagá-los. Perguntar, saber ouvir e observar atentamente são minhas armas preferidas para conseguir boas respostas às minhas questões.
Curiosidade, palavras, interrogações... Tantos pensamentos percorrem minha mente minuto a minuto. É como se houvesse um rio dentro de mim, onde minha cabeça fosse a nascente, que escoa a “água-pensamento” para as demais partes do corpo, os afluentes. E isto alimenta todo um complexo sistema constantemente. Nada há em mim que não seja fruto desse pensar. Pensar e agir... Jamais agir e pensar!
A noite se aproxima e eu aqui falando de um certo “eu”. Eu, pronome reto que corresponde à primeira pessoa. Mas que pessoa é esta? Nunca vi sua face, a não ser em fotografias. Nunca olhei diretamente em seus olhos. Tentei encontrá-la em muitos lugares, mas não achei. Lembro-me que uma vez vi sua fisionomia em um espelho, mas foi de forma tão indireta que nem sequer nos demos “oi”. Acho que não conheço a pessoa de que se fala porque muitos “eus” habitam seu interior. Conheço apenas aquilo que é visível, não a sua totalidade. Cada vez que a vejo, seja em fotografias, seja em espelhos, ela já não é mais a mesma da vez anterior. Não sei o que acontece, o que anda se passando. Só sei que vejo mudanças a longo prazo e espero que isto seja algo bom. Não estou certa de muitos de seus detalhes, mas de uma coisa tenho certeza: esse corpo que habita muitas pessoas chama-se “eu”.
Olho o relógio, são quase oito horas da noite. Mais uma vez, cá estou eu escrevendo enquanto o tempo passa. Papéis e canetas sempre foram parte constituinte daquilo que possuo. Sempre estiveram comigo nesta caminha de um pouco mais de 20 anos -e quero que assim continue. Somos bons amigos. Juntos, já compartilhamos segredos, dados, histórias de vida e até mesmo, frases banais. Em qualquer lugar que vou, lá estão eles dispostos a me ajudar. Papel e caneta nas mãos e muitas anotações a se fazer.
Se abro ou fecho livros, se escrevo ou se pergunto, não importa. O que importa é que algo, no início ainda sem nome, foi tomando conta de minha vida lentamente, foi se apropriando de mim. Sempre foi mais forte do que eu e, por mais que eu ainda não o enxergasse, lá estava ele ao meu redor. Estava na minha maneira de ler, estava em meus cadernos, estava presente em meu comportamento e na minha forma de ver o mundo. Até que um dia, quando eu estava deixando a minha infância para trás, ele apareceu de fato. Foi uma surpresa instantânea para mim, que disse comigo mesma: “Quero ser jornalista!”
Hoje, ao escrever estas palavras, percebo que o jornalismo não foi para mim uma escolha, mas sim, um fato. O que mais poderá fazer alguém que não consegue separar-se de seus papéis e canetas, que degusta livros e que vive por questionar? Identificação? Creio que não. É mais além. Só se escolhe aquilo que se quer ser, quando nada se tem a princípio. E quando eu nada tinha, pensava em ser engenheira, veterinária, astrônoma... Mas as palavras estavam em mim e eu sempre as deixei sair livremente, assim que as adquiria. Não, eu não escolhi ser jornalista. Foi o Jornalismo que me escolheu.

Fiori!!!


O outono já se foi há alguns meses, mas o seu vento frio e suave ainda lambe minha alma. Nela há sementes de esperança, de dores, de amores e de anseios; flores que desabrocham até mesmo nas mais inusitadas estações. Não importa se o azul da cor de gelo, o cor-de-rosa fraco, o laranja desbotado ou o vermelho-sangue pintem suas pétalas: as flores de outono constantemente estarão nos meus jardins, colorindo o meu ser. Palavras atrevidamente consequentes regam todos os ramos verdes que conduzem às delicadas pétalas e assim, por todo o sempre há sempre flores... Bem-vindos ao Fiori di Autunno!