Cos'è?



venerdì 17 dicembre 2010

Vento traz Érico Veríssimo à noite de hoje


Diz-se por aí, que quando o vento sopra forte à noite, é porque os mortos estão em visita à Terra. Nesta noite, Érico Veríssimo (1905-1975) deve vir com o vento à percorrer lugares distantes de uma vida acabada. O escritor, morto há 35 anos, vem redescobrir o mundo nos 105 anos de seu nascimento.
A ideia de se receber tais almas, pode ser resumida na frase "noites de vento, noite dos mortos", pertencente à trilogia "O Tempo e o Vento", uma de suas maiores obras.
Érico, que transpassa sentimentos, contextos e lugares, é um dos destaques da Literatura Brasileira. Sua obra é extensa e abrange romances, contos, novelas, ensaios, além de textos voltados ao público infanto-juvenil e de inúmeras traduções. Gaúcho de Cruz Alta, tem seu Estado natal como palco de muitas de suas histórias.
"É preciso agarrar o touro com as duas mãos", diz um de seus personagens ao aconselhar outro, aspirante a escritor. Este "outro", Floriano Cambará, componente dos últimos tomos de "O Tempo e o Vento", nada mais é que o alter-ego de Érico: tímido, fechado em pensamentos, sensato, completamente avesso à violência e apaixonado por palavras.
Homem de seu tempo, o autor reflete sobre a 2° Guerra Mundial (1939-1945), a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e o "Stalinismo" (1924-1953). Também presenciou o Estado Novo (1937-1945) e outras tantas situações conturbadas no Brasil e no mundo. Alguns de seus livros, como "México" (1957), "O Senhor Embaixador" (1965), "O Prisioneiro" (1967), isto sem falar no já citado "O Tempo e o Vento" (1949-1962), abordam marcos históricos e paradigmas, mesclando, em alguns casos, ficção com realidade. É a maneira de Érico registrar sua visão dos fatos, colocando em personagens suas dualidades internas.
Pela importância de seus escritos e por seu talento, ganhou muitos prêmios no cenário literário, dentre eles "Prêmio Machado de Assis" (1934, 1954), "Prêmio Jabuti" (1965) e "Prêmio Intelectual do Ano" (1968). Seus textos não ficaram apenas trancafiados em livros, já que muitos foram adaptados ao cinema e à televisão.
Vítima de um infarto fulminante, Érico deixou dentre seus órfãos, seu filho e também escritor, Luís Fernando Veríssimo, seus leitores e apreciadores, suas criações, textos inacabados (a segunda parte de sua autobiografia e esboços do livro "A Hora do Sétimo Anjo"), além de incontáveis ideias.

O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) homenageia Érico após sua morte:

A falta de Erico Verissimo*

Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta.

*extraído do site www.releituras.com.br

martedì 30 novembre 2010

O encontro dos eus- 75 anos da morte de Fernando Pessoa


"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus."
Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Poemas Inconjuntos; Escrito entre 1913-15; Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925.



A morte é igual para todos. Em um dia como outro qualquer, tal como qualquer ser humano que chega ao fim, morria Fernando Pessoa, um dos maiores nomes da literatura portuguesa e mundial. O poeta e escritor português Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) não resistiu a uma cirrose hepática.
Até então, Pessoa não passava de "gente comum" no mundo em que vivia. Sua obra bilíngue (português e inglês) não tinha destaques significativos dentro do cenário literário. O tempo passou, porém, os escritos de Pessoa ficaram e a partir de 1940 o público passou a apreciar sua maneira poética.
Com 1,73m e dotado de uma personalidade excêntrica, Pessoa transpunha um pouco do seu "eu" múltiplo em seus poemas. Gostava de escrever por pseudônimos e de dar-lhes características próprias. Assim, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos são três homens em um só. Como em um jogo de palavras, suas condutas se interpõem e se complementam em interconexões; seus pseudônimos revelam-se aos poucos: “Eu.../ Imperfeito? Incógnito? Divino?/ Não sei.../ Eu...” (Álvaro de Campos, em “Eu, Eu Mesmo”); “E menos ao instante/ Choro, que a mim futuro,/Súbdito ausente e nulo/Do universal destino” (Ricardo Reis, em “Olho”); Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... / Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,/ Mas porque a amo, e amo-a por isso, (...)/Amar é a eterna inocência,/E a única inocência não pensar...” (Alberto Caeiro, em “II-O Meu Olhar”).
Místico por natureza, Pessoa faltou a um encontro com a poeta brasileira Cecília Meirelles, que visitava Portugal e ansiava muito por conhecê-lo. Mais uma vez o tempo age e Cecília o espera por cerca de duas horas. Ao retornar ao hotel, qual a sua surpresa ao deparar-se com um livro e um bilhete enviados por Pessoa? Ele escrevera que os astros não permitiam tal encontro aquele dia. E assim, Cecília conheceu de outra forma o seu poeta.
Criado na África do Sul, a língua inglesa foi muito utilizada por Pessoa na composição de sua obra. A multiplicidade também ronda o poeta em seu modo de viver, pois entre suas atuações estão o jornalismo, a crítica, a tradução, a edição e a publicidade.
A profundidade de seu ser é esmiuçada em cada frase por ele criada. O famoso poema “Tabacaria” expressa bem esta sua complexidade interior: “Não sou nada./Nunca serei nada./Não posso querer ser nada./À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.
E os sonhos de Pessoa não terminaram com sua morte. Em seus últimos instantes, ele disse: “I don’t know what tomorrow will bring...” (“Eu não sei o que o amanhã trará...”)

sabato 27 novembre 2010

Hoje o sol nasceu branco...


Hoje o sol nasceu branco e o dia ficou sem cor.
Hoje o sol nasceu branco e a vida se ofuscou.
O sol branco simplesmente paira no céu. É um grande círculo luminoso, tal qual uma coroa em chamas e irradia preocupação.
Teria a chuva lavado o ouro de seu dia? Teria a chuva lavado o vermelho-tijolo de sua tarde? Ou teria o próprio sol secado as suas cores?
O sol branco brilha nos olhos de quem o vê, infiltrando-se nas mais profundas pupilas. É o sol dos cegos, o sol dos loucos, o sol dos desesperados.Também
é o sol dos esperançosos e fanáticos que rezam por um novo amanhecer.
Hoje o sol está branco, o céu está parado e a vida dorme.
Hoje o sol está branco e não queima, congela. Congela almas que vagam pelos umbrais, corpos perdidos em abismos, pessoas no meio da multidão. Seus raios rasgam a pele e perfuram a carne em maldição.
Hoje o sol está branco e suas sombras são invisíveis; sombras pálidas de um não-amanhecer, sombras que deslizam sem pressa entre os mortais, agarrando-lhes as pernas, apertando-lhes as mãos.São sombras da noite em pleno dia.
Hoje o sol nasceu branco e não haverá anoitecer. Seu crepúsculo será tal como anjos da morte que sobem ao céu em busca de piedade, flutuando em um não-tempo que não tem fim. Não haverá badalos de sino às seis da tarde, nem tímidas estrelas, nem pressa, nem nada. Quem olha o sol branco ouve frias melodias e sente brisas de calor; transpira por compaixão e suspira pela vida.
Hoje o sol nasceu branco e eu nada sou além de um seu observador.

venerdì 5 novembre 2010

O jardim do telhado


O jardim do telhado nasceu das correntes do vento e das enchentes da chuva. É por isto, puro e belo e suas flores embalam sonhos, pensamentos e poesias.
O jardim do telhado olha a cidade lá embaixo e suspira por estar tão só.
As flores do jardim do telhado beijam o céu, sentem as nuvens e levam o seu perfume até o olfato das brilhantes estrelas. Também trocam segredos de ouvido com a lua, causando inveja no grande sol.
O jardim do telhado brinca de voar pelo mundo, quando suas pétalas esgorregam pelas telhas e voam pela primeira vez por outros mundos.
O jardim do telhado pensa que é o horizonte: sempre deitado, é sempre apreciado e sua beleza é o limite de tudo.
As flores do jardim do telhado choram orvalhos de silêncio, caladas na altitude não almejada.
As flores do jardim do telhado amam secretamente. Amam as borboletas e joaninhas que visitam suas folhas e poléns. Amam os gatos que miam em seu telhado durante à noite, sem se importar com elas.
Mas o jardim do telhado é amado por uma menina, que contempla suas flores e sua simplicidade por horas a fio. Ela quer a sua beleza, ela quer a sua pureza, ela quer a amizade com os seres do céu. A menina quer simplesmente virar uma flor.

martedì 5 ottobre 2010

Auto-Retrato


Olho o meu retrato. Como pode uma máquina me retratar assim? Não são meus estes cabelos brancos e finos; não são minhas estas rugas que sugam a minha juventude. Também não possuo estes olhos sem brilho e nem esta boca murcha.
Olho o meu retrato. Quem me deu este ar de doente e acabada? Quem fez com que minhas mãos se tornassem frias e sem vida? O xale que me envolve cobre a nudez acabada de meu colo. Como que esta pode ser eu?
Olho o meu retrato mais uma vez. Um choro silencioso lava o meu ser. Quem sabe lavando-me e mandando para bem distante esses detalhes que me cobrem, eu torne a me reconhecer?
Onde ficou a minha juventude? Onde está o brilho que iluminava a minha pele e os meus olhos? Onde está a maciez de minhas mãos e a frescura do meu corpo? Onde está?
Reviro outros álbuns fotográficos e neles encontro o que queria. Esta sim, sou eu, linda e jovem. Perfeitamente perfeita.
Olho o meu retrato uma, duas, três vezes e me reconheço. Como pode uma máquina me retratar assim?

venerdì 1 ottobre 2010

Tremo e T'Amo


O sopro cruel do destino levou para longe cada um daqueles dois corações. Era uma noite escura e fria e sem estrelas, que dava espaço apenas para as nuvens no céu. Nuvens carregadas de tempestade. Ele, ainda com o chapéu em uma das mãos, saiu sem nada dizer e nem mesmo olhou para trás. Ela, com grossas lágrimas no olhar, sufocava-se em soluços. Não quis observá-lo partir pela última vez.

Foi em uma tarde quente de fevereiro que aquela carta chegou. Escrita com letras grandes e trêmulas e lida com olhos arregalados e hipnóticos, ficou manchada com a tinta borradeira da caneta e com o choro que caia no papel. Quem a escreveu, lembrou-se somente da amada no momento do fuzilamento. Quem a leu, morreu de desgosto oito meses depois.

As horas insistiam em passar e ela não chegava. Seu companheiro, um rapaz de 22 anos, chacoalhava a perna direita de ansiedade, sentado em uma cadeira na confeitaria. Namoravam há quase dois anos e fazia dez dias que não a via, devido a uma curta viagem que ela fazia. Ela é linda, inteligente e sexy, dizia ele ao amigo mais chegado. Ele tem bom papo, um bom carro e será engenheiro em breve, contava ela às amigas. Naquele dia ela não apareceu. E nem no outro. O rapaz nunca mais a viu. Soube, anos mais tarde, que ela casara-se com um outro rapaz que conheceu durante aquela viagem.

O casamento durou exatamente 48 anos, 7 meses, 3 semanas e 4 dias. Foram muitas as horas felizes, foram muitos os segundos de satisfação. Mas agora, como em um passe de mágica, tudo acabara. Ele jazia em seu caixão preto e florido, as mãos cruzadas, a pele pálida e serena. Ela o contemplava como quem contempla uma flor: os olhos parados, meigos e transbordantes. Como seria acordar sem tê-lo ao lado? Como seria respirar sem a sua companhia? Como seria caminhar na praia sozinha? E à noite, quando as estrelas saíssem, como seria olhar para aquele céu sem que ele dissesse que ela era a estrela mais brilhante? Como seria?

A garota de vestido vermelho observava assustadamente o garoto de camisa verde beijar a garota de saia amarela. Pareciam estar felizes e aquele parecia ser o mais doce dos beijos. O sangue fluía quente dentro da garota de vestido vermelho, que tornava-se cada vez mais branca. “Ele não tinha este direito”, seu coração gritava! Chorou em seu quarto por longas semanas, até que um dia, acordou animada e decidiu passear.

Palavras eram digitadas diariamente. Palavras que não tinham fim. Sentimentos que se acoplavam a elas, formando uma delicada corrente de paixão. O computador era o lugar de encontro deles e seu teclado e câmera o meio de expressão. Nunca tinham se visto antes, a não ser por ali. Mares e montanhas separavam seus corpos. Mares e montanhas não impediam aquele amor. Até quando o destino prolongaria aquela esperança de um possível encontro real?

O sangue manchava a neve. O sangue tirava-lhe a vida. Não havia quem pudesse ajudá-lo ali, naquele lugar. Só havia ele, a neve e agora, a escuridão. O inimigo o atingira e vencera. A medida que o sangue ia esvaindo-se, perdia também tudo o que conquistara até aquele momento: sua saúde, sua família e amigos, seus troféus na natação, suas risadas, seus sonhos, seu grande amor. Muitos quilômetros além de onde ele jazia, ela pensava nele. Olhava pela janela a paisagem lá fora com suas pessoas e movimentos, na esperança de que ele pudesse surgir no meio delas.


Tremo e T’Amo(T. Ferro/G. Servillo)

T’amo e tremo
Disse la donna
Al suo soldato
Che non tornava
La sua voce
Nel vento correva
Sopra la neve
Dove lui combatteva

Tremo e t’amo
Disse e piangeva
Nel buio della sala
Qualcuno rideva
Per far torto alla paura
A questo amore che già finiva

Il ricordo tradisce la mente
Il soldato non sente più niente

D’improvviso
Fu preso alle spalle
Dal suo nemico
Che strano parlava
Delle rose, del vino e di cose
Che un’altra vita gli prometteva
Ma quante spose
La guerra taglieva
Dalle braccia della prima sera

Tremo e ho freddo
Disse il soldato
Al suo nemico che lo guardava
La sua voce nel vento restava
Sulla platea che muta ascoltava.

A Transição da Loucura


Estepe, como bem explicam os geógrafos, é um tipo de vegetação rasteira, com uma coloração entre o verde-claro e o amarelo, onde não se encontram árvores e cujo clima é frio e seco. Assim como em todos os outros lugares da Terra, este tipo de paisagem também tem animais e homens entre os seus habitantes, como os “homens-homens”, os “lobos-animais”, os “homens-animais” e os “homens-lobos”. Uma gama de espécies, variações de estilos, limitações de apenas existir; um espaço de transição entre a savana e o deserto.
É comum observar que o ‘interespaço’ de lugares e de situações normalmente são deixados de lado em muitas análises. Tende-se sempre a realçar o fato de forma geral, o que pode dar a ele uma caracterização por vezes enfadonha; as citações e enumerações de seus elementos também são maneiras clássicas de abordagem do objeto. Com tais atitudes, encerra-se uma respeitosa pesquisa de algo, em que apenas mencionam-se o passado, o presente e o futuro. Já as entrelinhas, como de costume, são deixadas de lado, mais uma vez.
Mas com toda a certeza, esta não é a opinião do escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962) e do seu clássico e mais consagrado livro “O Lobo da Estepe*”, escrito em 1927. É na transição de um clima- que aí, não se refere apenas ao geográfico, mas também às situações, principalmente às de humor- que o autor desenha seu personagem. Harry Haller é o nome dele, um alemão em torno dos 50 anos, com boa aparência, boa cultura e o que mais se pode chamar de “bom” perante à pequena e grande burguesias, mas de hábitos internos condenáveis. Um ser que desdenha muitas coisas (a começar pela própria burguesia), um total anti-social, um aquariano não lunático, um rebelde em opiniões, um agressor de simpatias. Afinal, o que mais esperar de alguém que abriga um dos lobos da estepe em seu próprio interior? Corpo de homem, alma de lobo, melhor dizendo.
O livro possui duas partes bem curiosas: o prefácio e o posfácio. O primeiro não foi escrito por algum tradutor que leu Hesse, mas sim, pelo próprio. Ou melhor, por um personagem. É uma visão de alguém que conviveu de perto com o Lobo da Estepe, conhecedor de muitos de seus hábitos (reservados, diga-se de passagem), de sua personalidade introvertida. O sobrinho da dona da pensão onde Haller mora tece comentários pertinentes sobre ele: indaga seu comportamento por vezes arredio, aponta detalhes de sua aparência, e por fim, mostra-se simpático por este ex-inquilino da pensão.
Já no posfácio, o próprio Hesse ele mesmo é quem aborda, de fato, o seu próprio livro. Há sinais de indignação em suas frases ali escritas. Não se trata, com toda a certeza, de uma indignação contra ele mesmo ou contra algum de seus personagens, mas sim, contra alguns que leram a obra. Nesta parte, ele tenta melhor explicar sua história, apontar interpretações. Tamanha é a paixão dos leitores pelo homem-lobo (há os que digam terem um lobo da estepe morando dentro de si também), que muitos se esquecem de outros temas abordados na obra, como a questão do contexto de um mundo pós-Primeira Guerra (1914-1918)- em que todos os alemães sentem-se frustrados por a terem perdido, com exceção de Harry Haller-, além dos hábitos da vida burguesa e dos medos e anseios que envolvem qualquer ser humano. Obviamente o autor não condena por todo o seu público, já que a interpretação é algo muito pessoal de cada um. Porém, esta sua pequena “queixa” faz repassar e reforçar pela mente muitas das situações vividas pelo personagem.
O Teatro Mágico: quem não gostaria de ir a um, onde portas são constantemente abertas e um profundo mundo de fantasias é colocado à disposição? Só que para frequentar este lugar é preciso antes de tudo, ser ‘raro’, ou melhor, ser ‘louco’. A inscrição no papel do homem que caminha por sobre as poças de água é clara: “Teatro Mágico- só para raros, só para loucos”. Um lugar perfeito para testar a “insanidade” do Lobo da Estepe. Seus amigos Hermínia, Paulo e Maria também se encontram por lá. A cada porta aberta, uma enorme surpresa paira em frente aos olhos do homem-lobo, do lobo-homem. Homem e seu lobo encontram-se livres, soltos a percorrem as mais estranhas experiências. São milhares de Harrys com seus lobos a correrem pelo lugar, são antigas paixões a serem vivenciadas novamente, são momentos de tensão e crueldade, onde apenas a sobrevivência importa. “Só para l-o-u-c-o-s”, de fato.
Hermínia, Paulo e Maria são fabulosos em suas personalidades, completamente opostas a do Lobo da Estepe. E é justamente quando Hesse confronta este modo de agir e de pensar de suas criaturas que o livro adquire a “hiper-interpretação” dos leitores por Harry Haller. É evidente o choque que este frente-a-frente de posturas crie uma atmosfera de cumplicidade pelo Lobo da Estepe. Talvez este seja o ponto crucial não notado pelo escritor em seu posfácio.
Um livro diferente em termos de enredo e cativante em termos literários, mas que não foi escrito para qualquer leitor. Tal como o Teatro Mágico, foi feito “só para raros, só para loucos.” Só sendo realmente “louco” para compreendê-lo em sua totalidade.

*Tradução de: Barroso, Ivo. Record. São Paulo. 2000.

giovedì 30 settembre 2010

Rabiscos


Estou perdidamente apaixonada. É uma emoção tão forte que invade meu peito, que domina minha mente e que me faz ficar em nostalgia por horas a fio. Oh, paixão, como te arrancar do meu peito?
O nome dele é Louis. Um belo rapaz com pouco mais de 200 anos de vida. Parece muito, não é? Pois saiba que o meu Louis é o tipo mais lindo da beleza masculina eternizada em um corpo de 24 anos. Pele branca como uma rosa incolor, olhos verdes de lago, sugador de sangue.
Ah, mas é claro que o vampiro de que vos falo não é o meu único amante platônico. Divido meus pensamentos também, com tantas outras formosuras literárias. São tantos heróis, vilões (sim!), aventureiros, personagens comuns. Todos se acoplam a minha pessoa e passam a me constituir. Eu sonho, recordo, viajo, brigo, perdoo, rio, choro, amo e odeio juntamente com eles por tantas vezes...
Ainda tenho esperanças de achar rastros de Maurício Babilônia por aí. E lembro-me muito bem de como fazer: basta seguir as borboletas! Tudo bem que ele é um rústico e como toda pessoa rude, não pensa, apenas faz! Pelo menos restam de suas ações as tão delicadas e coloridas borboletas...
Senti uma pontada no coração quando soube de Vanda, uma cadelinha vira-lata que teve em seu destino uma tão forte sensação. Vanda-Valentina, Valentina-Vanda. Animais tão humanamente vividos, tão marcantes e sensíveis em suas existências e que hoje deixam apenas saudades. Talvez, se eu tivesse um pouco de Ana, a grande matriarca da família Terra, a lacuna aqui dentro fosse um pouco menor.
Mas uma coisa tenho que confessar: eu também vi um chapéu! É tão triste saber que a infância ficou para trás e que aquela inocência já não existe mais. Bom, pelo menos eu me esforço para ver um elefante dentro de uma jibóia, mas não sei se “está valendo”... (está Pequeno Príncipe?)
Ah! E como adorei pegar carona com o hilário Sal Paradise e percorrer os Estados Unidos de leste a oeste e de norte a sul!!! É claro que também rodei meio mundo com o sr Fogg e Passepartout, além de ter embarcado também na companhia da “Menina Má”.
É, com toda certeza amar faz bem. Como adoro estes meus amantes e companheiros! É tão bom ir visitá-los...


Para quem quiser ir também ao encontro deles, basta abrir as páginas de:

-"Entrevista com o vampiro"/"O vampiro Lestat"/"A história do ladrão de corpos"/"O vampiro Armand"/"Merrick"- Anne Rice
Louis du Point du Lac

-"Cem anos de solidão"- Gabriel García Márquez
Maurício Babilônia

- "Tristano morre"- Antonio Tabucchi
Vanda

-" O tempo e o vento- 1° livro de "O Continente"/"Ana Terra"- Érico Veríssimo
Ana Terra

-"O pequeno príncipe"- Antoine de Saint-Exupéry
O Pequeno Príncipe

-"On the road"- Jack Kerouac
Sal Paradise

-"A volta ao mundo em oitenta dias"-Julio Verne
Mr.Fogg e Passepartout

-"Travessuras da menina má"- Mario Vargas Llosa
Menina Má

mercoledì 29 settembre 2010

As Fronteiras do Infinito (e a Internet no meio delas)


Grande parte da população vive atualmente em dois mundos: o real e o virtual. O primeiro refere-se aos lugares sociais por ela frequentados em pessoa física, como ambientes familiares, de trabalho, de estudos, de lazer entre outros. O segundo, deve-se a tudo isto e ao que mais proporcionar a internet, acoplados a uma presença não tão “presencial” assim. Isto quer dizer que qualquer pessoa pode estar na Rússia, na Indonésia ou na França ao mesmo tempo, mas sem nunca ter saído do Brasil. Eu mesma, que escrevo este artigo, em quantos lugares distantes estou neste momento? Onde estão vocês, meus leitores? Quem sabe nos Monte Urais, ou nas Ilhas Malvinas ou ainda no Sítio do Cabral? Eu estou em Pindamonhangaba e juro que não saí daqui em nenhum momento!
Os usuários de internet (que no Brasil chegaram a quase 38 milhões de pessoas em março) que navegam por lugares nunca antes navegados, possuem uma ampla variedade de ferramentas que possibilitam o acesso ilimitado, muitas vezes, à pessoas, lugares e fatos. Escrever uma carta, selá-la, colocá-la no correio e esperar o tempo em que será recebida e lida é algo raro praticado por aqueles que vivem na virtualidade: manda-se logo um e-mail, o chamado “correio eletrônico virtual”. É engraçado falar, mas na minha época (nem faz tanto tempo assim, só tenho 24 anos) os diários eram completamente confidenciais e ai daqueles que os lessem! Hoje, com a popularização da internet e com a criação de sites de cunho cada vez mais expositivos, como blogs e Twitter, a moda é justamente ser lido e expor-se! Contar como foi o seu dia, que você está agora almoçando, que o seu cachorro está doente e que logo mais você sairá com o seu novo namorado é algo cada vez mais comum nos sites sociais. Isto sem falar nos de relacionamento, como Orkut (febre no Brasil, com mais de 25 milhões de usuários no país), Facebook (líder nos Estados Unidos), Sonico, My Space entre tantos outros, com seus perfis que possibilitam colocar vários tipos de informações pessoais sobre o usuário, com seus espaços para fotos, suas páginas de recado simultânea, suas comunidades que agregam interesses e opiniões semelhantes. É uma nova forma de se mostrar, de dizer quem é e até onde vai.
E o que não falar dos chats, salas de bate-papo on-line, onde as pessoas encontram-se em uma tela de computador e ali conversam sobre o que bem entenderem (há os que afirmam que esta é a maneira mais fácil de se dizer “certas coisas”)? Muitos namoram por este meio e até se apaixonam, mas um casamento virtual, eu confesso que deve ser meio estranho: a noiva em um computador, o noivo em outro, cada convidado com o seu e então, faz-se do casório uma video-conferência? Há loucos para isto?
Se para unir os trapos, eu nunca vi algo de fato, no mundo virtual, uma coisa eu garanto: é possível trabalhar e estudar apenas com um computador conectado à rede. Esta é uma das mais recentes novidades do mundo moderno (real ou virtual?): assistir aulas universitárias (e formar-se em um curso desta maneira), dar aulas à milhares de alunos simultaneamente espalhados por todo o país, fazer reuniões de trabalho, trocar informações. Até mesmo viver uma vida que não é a sua é possível e não me refiro às mentirinhas que os internautas contam em seus perfis para amenizar alguma característica sua que não lhes agrada. Falo em relação aos mais diversos tipos de jogos, onde os usuários criam personagens, fazem seus comportamentos e decidem cada um de seus passos. Quem jogou (ou ainda joga) The Sims sabe do que estou falando. É realmente ser o que quiser.
No meio de toda esta gama de informações e pessoas que não param de chegar, eu até me confundo: onde estou agora, no mundo real, em que pessoas, sons e objetos me cercam, mas não conseguem prender por completo a minha atenção, ou estou no mundo virtual, onde estas palavras ficarão presas e um número incontável de seres com seus sons e objetos, irá apreendê-las para tentarem captar um pouco de mim? Existem fronteiras entre o real e o virtual?

martedì 14 settembre 2010

Metamorfose


Todos sabemos o que acontecerá com certas borboletas que se aventuram a voar por onde não devem. Se voam sobre algum rio, viram lambaris; se sobre o mar, tornam-se camarões.
Não é por acaso que quando encontramos alguém que costuma ser muito distraído e sonhador, e que sempre se arrisca em algo completamente sem fundamento, logo o chamamos de "cabeça de borboleta".
De fato, as borboletas possuem cabeças de borboleta já que saem a bater livremente suas asinhas coloridas por onde bem entenderem. E se infiltram por entre jardins, e fazem piruetas em vasos nas janelas,e rodopiam nas florestas e bosques...No meio de tudo isto, encontram o perigo de um predador, de um caçador ou de um feiticeiro.
Faz muitos anos, quando as borboletas eram apenas uma das muitas espécies de animais existentes no planeta, uma delas, de coloração preta e amarela, estava a voar próximo de um garotinho que brincava de contar formigas. Sabendo que era encantadora, começou a assanhar suas asas aveludadas ao redor da criança. Ao ver tanta beleza em um ser tão delicado, o pequeno menino decidiu abandonar as feias formigas e acompanhar a borboleta. Sem dúvida, aquele era o ser mais belo dentre toda a floresta e ele queria muito poder pegá-la e guardá-la consigo, para que um dia, quando fosse o maior feiticeiro do mundo, tal como o seu pai era naquele momento, poder transformá-la na mais bela princesa que os povos já viram.
Foi andando e andando, atravessando corredores e corredores de árvores, filas e filas de flores, deparando-se com diversos animais no caminho. Mas nada daquilo o garotinho via. Seus olhos estavam grudados na tonalidade negro-amarela da borboleta e em seus movimentos, que insistiam em voar para cada vez mais longe, até atingir o fim da mata e encontrar-se com o mar.
Sempre seguindo em frente, a linda borboleta sacudia, agora, suas asas acima das ondas. Estas iam e vinham e o menino, ainda a contemplar tamanha formosura, nem se deu conta de que adentrava o grande e misterioso mar. Foi caminhando cada vez mais fundo, os olhos fixos na borboleta lá em cima, olhos que se inundavam de uma água pesada e salgada. Quando o olhar da criança inundou-se por completo e ele não pode mais retornar, a enigmática borboleta preta e amarela mudou o bater de suas asas e resolveu modificar o seu percurso.
Mas o poderoso feiticeiro, pai do garotinho, que àquelas alturas já descobrira o paradeiro de seu filho desaparecido há horas, resolveu se vingar. Reuniu os maiores ingredientes que possuía e aliados à sua ira, repetiu 88 vezes: "Ó,forças da natureza tirem a malícia das borboletas! Forças da natureza,aprisionem as borboletas nas profundezas!".
A linda borboleta que ainda tentava se afastar das ondas do mar, subitamente foi perdendo forças e começou a cair. Atingiu as mesmas águas que agora cobriam o garotinho e com ele lá ficou. Mas perdeu também a sua beleza e no lugar de suas fascinantes asas cresceu uma grossa casca de aspecto repugnante. Suas belas antenas tornaram-se barbatanas e aquela que um dia foi uma borboleta, agora não passava de um desajeitado camarão.
Desde então, todas as borboletas que são atraídas pela força das águas e por elas se apaixonam, acabam tornando-se reféns de suas próprias ingenuidades.

sabato 11 settembre 2010

Os pássaros de Maciel



“Quem eu me vejo no espelho?”, pergunta uma voz saída das páginas de “Retornar Com Os Pássaros” (Ed. Leya, 72 páginas, 2010), novo romance de Pedro Maciel. “(...) Às vezes, penso que sou o máximo de mim quando sou você”, comenta a voz, para em seguida, indagar mais uma vez: “Você me entende?”.
Para compreender esta obra é necessário que o leitor venha munido basicamente de duas coisas: um baú e um espelho. O primeiro, para retirar lembranças, livros, anotações, fotografias e sensações dadas por perdidas e colocá-las todas em cima da cama, fazendo com que revivam por alguns segundos, para depois substituí-las no baú por objetos e momentos presentes. O segundo, para contemplar-se com o narrador. Juntos, suas imagens refletem detalhes, imperfeições e um “eu” que não necessariamente corresponde a eles próprios: “Quem eu me olho no espelho?” é o questionamento feito o tempo todo e de todas as formas.
Aliás, a palavra ‘tempo’ é uma das mais frisadas pelo autor. Em “Como Deixei de Ser Deus” (Topbooks, 2009), o narrador situa-se em um tempo de todos os tempos, em que os anos são relativos e as datas sem cronologia. Na obra atual, o contexto segue novamente a linha de uma universalidade atemporal, porém mais situacional, porque Maciel relembra à personagem do início da formação do Universo, da Terra, do Sol e das estrelas, abordando conceitos de áreas como Física, Religião e Biologia, sem se esquecer da própria História e Filosofia. Isto cria uma atmosfera de climas diversos, em que o leitor, ao divagar por cada uma delas, depara-se com a base de um conhecimento em eterna construção.
O narrador é somente um elemento entre todos os habitantes do planeta. Sua singularidade não permite com que seja o representante ideal da espécie humana (haverá um representante ideal?), mas sua pluralidade de “eus” faz com que pertença a este grupo. “Mudam-se os personagens, mas não a trama que tece a história. A História vem sendo reescrita a ponto de tornar-se paródia”, comenta aquele que narra. Fruto de histórias de tempos passados e futuros (“Um dia vou retornar com os pássaros”), de fatos e causos, de ciência e de mitos, de verdades e de mentiras, o narrador-ser humano também é o narrador-autor. Maciel confirma sua presença atrás da personagem, quando justifica a sua obra: “Eu me propus a escrever um livro enciclopédico, mitológico e cosmogônico. Um romance do Universo, escrito por alguém que não é astrofísico. (...) O que narro encontra-se entre o que poderia ter sido dito e não foi, entre o que é dito e o que não é dito”.
Essa presença inesperada do escritor-ele mesmo, para em seguida prosseguir o relato da personagem remete a um tipo de paradoxo irreverente na literatura: até que ponto a história fictícia é real?; até que ponto o narrador fala por si mesmo? Exemplos não faltam de obras em que alguma personagem é o alterego de quem a escreve (como é caso da personagem Henry Chinaski, criada pelo escritor americano Charles Bukowski (1920-1994)) e Maciel reforça esta ideia ao questionar momentos que podem ter sido seus. Encontra-se aí a maneira mais simples de cumplicidade entre quem escreve e quem lê: compartilhar indiretamente o que se é; aceitar o que se recebe e incorporar um pouco daquilo a si próprio.
Há também a quebra de parâmetros ao se escrever um romance de 72 páginas, em que apenas as folhas do lado direito são preenchidas por textos. Estes, por sua vez, contém toda a profundidade necessárias para alguém que tece comentários sobre a sua espécie, seu mundo e sua vida. Os títulos de cada capítulo são frases retiradas do capítulo anterior, como se cada pequeno texto ali presente fosse uma parte de um todo universal e que precisasse ser costurado um a um para estar completo. Maciel, mais uma vez justifica-se: “(...) é bom ressaltar que a minha ideia é instaurar inovações formais para questionar a estrutura do romance. (...) Penso que não por casualidade a nossa época é a do conto, do romance breve, do testemunho autobiográfico (...).”
Talvez, este seja o livro das antíteses, onde frases e palavras opoem-se naturalmente umas às outras. Porém, há harmonia em suas negações afirmativas e a conclusão nunca é antagônica. A voz que pergunta, afirma e nega é a que sai de um narrador que nem sempre está ali. Estar e não estar presente. Pertencer e não pertencer. ‘Ser ou não ser, eis a questão’, diz o Hamlet de Shakespeare, título de um dos capítulos.

lunedì 9 agosto 2010

Família Medo

A família Medo encontra-se reunida para jantar: pai, mãe e três filhos estão ao redor da mesa, mastigando alimentos enquanto uma enorme fome interior devora-os por dentro. Fome de angústia, fome de cansaço, fome de lutar. A família Medo evita falar o que quer que seja, ali, naquele espaço, mas também quase não diz nada no trabalho, na escola ou na rua.
O pai olha atento para todos os lados, como a procurar algo ou alguém que os pudesse perturbar e só após se certificar de que não há nada estranho ao redor, volta a fazer a sua refeição. A mãe treme toda e sente calafrios por todos os poros do corpo. Faz preces seguidas, mas sem mudar o conteúdo de todas aquelas orações: quer o fim de todo aquele pavor. Quem mais parece ter serenidade naquela mesa são as crianças: comem tentando ignorar que não estão vendo seus pais temerosos. Porém, elas sabem que logo após o jantar, elas deverão ir dormir e os pesadelos virão.
Alguém bate à janela três vezes. Todos se sobressaltam. A mãe ergue os olhos, o pai pula da cadeira, os filhos param de mastigar. A família Medo se agita. Quem será? Provavelmente um assaltante tentando roubar-lhes os bens, ou então, um sequestrador que os fará de refém por dias ininterruptos, quem sabe ainda, um assassino cruel, pronto a degolá-los. Mas não era nada disto, era apenas o vento que esbarrou na janela, na tentativa de circular por aquela sala tensa.
"Minha avó dizia que quando o vento bate em uma casa três vezes, é sinal de que tempos difíceis virão", comentou a mãe Medo. O pai nada disse e mais uma vez, certificou-se de que nada havia para daí, poder voltar a jantar.
Alguns breves minutos se passaram quando o segundo dos três filhos resolve abrir a boca para falar: "E se a comida estiver envenenada?". Instantaneamente ouve-se diversos tilintares de garfos e facas por sobre os pratos. A família Medo troca olhares entre si. A mãe vai com a mão à boca, apavorada. "Meus filhos, meus filhos", ela pensa. O pai acha inadmissível que até aquele momento, ele, o responsável pela proteção de todos os Medos ali presentes, não tenha pensado naquela possibilidade. As crianças, um pouco pálidas pelo susto, olham para os pais, esperando a decisão que eles irão tomar.
"Infelizmente, não há mais nada a se fazer", lamenta o pai Medo e começa a derramar grossas lágrimas. Então, todos se levantam e se abraçam e caminham juntos para o sofá mais próximo. Medos entrelaçados e ali, a expectativa de que o pior aconteça.

mercoledì 14 luglio 2010

O silêncio que toca



Naquele momento, o rádio estava ligado e tocava silêncio. Notas flutuavam por toda aquela sala e rodeavam cada móvel, onde acabavam caindo dentro do vaso com margaridas secas de Dona Eulália, ou pousando no aparador do canto ou ainda, sentando-se na poltrona de Seu Alberto. As notas mais ousadas não se contentavam em permanecer por ali e seguiam em frente, rumo ao quarto de Pedrinho, à cozinha de Marieta, à garagem de Heitor; até mesmo a almofada da gata Lilás era tomada por elas! Quando chegavam o mais distante que podiam, as notas da música silêncio finalmente bailavam sossegadas ao se darem as mãos, deixando soar suavemente sua fina melodia.
Esta era de uma delicadeza extrema que podia ser sentida por todos os sentidos. Era de seu costume cutucar os ouvidos dos presentes, perfumar o olfato dos sensíveis, dar cores aos olhos curiosos e beliscar a pele dos que nela, porventura, esbarravam. O silêncio que ali tocava era melancólico e harmônico e todos paravam para escutá-lo. A música trazia pensamentos e estes, por sua vez, traziam sensações que nem sempre eram compartilhadas. Dona Eulália jogará fora suas margaridas secas com notas penduradas nos ramos, ao se lembrar, em breve, que flores novas deviam ser postas no vaso; Seu Alberto sentia que sua poltrona deixava de ser confortável e achou que o motivo devia-se ao seu uso constante; Pedrinho brincava com uma fila de carrinhos e não se deu conta de que não estava só; já Marieta, que fritava batatas para Pedrinho, sentiu de repente um arrepio e achou que fosse porque maio se aproximava, enquanto Heitor, deitado debaixo do carro, aspirava poeira e solidão. A gata Lilás era feliz naquele instante com todo aquele silêncio: sua almofada era um palco e ela, uma grande artista, que acompanhava nota por nota ao cantar com o seu ronrom.
E o rádio não parava de funcionar: uma, duas, três, quatro músicas. Cada silêncio tocado era único, com sinfonias próprias. Seus respectivos compositores eram grandes artistas e nunca desapontavam o público. A originalidade da música silêncio estava em sua letra, cantada como bem se entendesse. Os instrumentos variavam e seus interpretadores também. Não havia quem não soubesse cantá-la, não havia quem não soubesse tocá-la, não havia quem não a memorizasse.
Mas, algumas horas depois, o rádio da sala parou de tocar. Assim, de repente. Só um disco vazio ficou a dar voltas ininterruptas, a arranhar-se sozinho. Como a música havia acabado, as notas haviam todas se recolhido. Pouco a pouco, os moradores daquela casa deram-se conta disto e foram buscar outras atividades para preencher o dia. Agora, apenas um silêncio surdo-mudo pairava por ali.

lunedì 12 luglio 2010

A brevidade de um eterno adeus



Seis anos separaram aquele adeus, um adeus que nunca foi dado. Seis anos afastaram um encontro, um encontro que nunca aconteceu. Seis anos distanciaram uma existência, uma existência de contextos opostos e múltiplos paradoxos. Seis anos...
Um dia, seis anos após a partida dele, ela nasceu. E cresceu. E apaixonou-se por ele. Seis anos no tempo não impediram aquele amor, semeado com palavras, nutrido em versos. A poesia sobrevive ao tempo, sobrevive aos temporais, sobrevive ao corpo que a escreve. Não há lugar no mundo onde não possa estar, para assim, permanecer. Diante de tamanho atributo, a poesia dele permaneceu em estrofes escritas e versos cantados, em frases do avesso, que atingem o coração de moças enamoradas. Um galanteador, ele foi...
Surgiu décadas atrás nesta mesma pátria onde ela hoje habita, em uma época onde o mundo ainda era retratado em preto-e-branco. O poetinha de seu coração realizou para si muito do que ela sonha ainda em conquistar: escrever aqui, escrever ali, escrever, escrever, fazendo das palavras um instrumento de conquistas, de críticas, de vitórias, de desabafos... Seja em prosa ou em verso, na música ou no teatro, a palavra é o detalhe essencial e quando bem utilizada deixa de ser dita, para ser repetida. Repetida uma, duas, três vezes... “Vinícius, Vinícius”, ela o chama. Ele, lá do fim do infinito, responde em um pensamento:

Se você quer ser minha namorada
Ai, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarzinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porquê
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.


São 30 anos passados desde que ele se foi e deste período, pouco mais da metade é o tempo em que ela se fez cair de amores pela sua maneira tão peculiar de tratar o amor. Vinícius e seu coração tão sábio, tão cheio de paixão, ainda atinge a alma das moças, causando suspiros inclusive nas mais modernas, enchendo de boas lembranças as mais antigas, fervendo o sangue das mais ousadas. Vinícius, um romântico de todos os tempos, em que tudo passa, restando apenas o amor. E ela o espera na eternidade de suas palavras tão lindas.

O VELHO E A FLOR
(Vinícius de Moraes)

Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.



*Vinícius de Moraes (1913-1980)

venerdì 25 giugno 2010

A wolf at the door


Quem são os lobos que nos rodeiam? Que matilha é essa e de onde vêm? Estão atrás da porta, estão por cima do telhado, estão dentro do guarda-roupa... prontos para dar um bote, prontos para atacar e rasgar nossas vísceras com seus finos dentes brancos, que apenas mastigam, enquanto seus pequenos olhos negros fitam impiedosamente o que restou de nós.
Mas eles não querem apenas a nossa carne: querem também a nossa alma! Querem cada pequeno detalhe daquilo que nos compõem; e querem as nossas coisas, os nossos familiares, os nossos amigos, os nossos mais profundos sonhos! Querem que fiquemos nus em algum caminho perdido e lá, em nosso abandono, olharão em nossos olhos uma última vez, como a nos dizer secamente: “adeus!”.
Os lobos que nos rodeiam são dóceis e frágeis e nunca nos dizem não. Seus uivos agudos grudam em nossos ouvidos e chegam até nossas cabeças, onde ficam a girar; somos aprisionados por dentro. Por incontáveis momentos eles ousam segurar as nossas mãos e as apertam com ternura e firmeza, enquanto entrelaçam suas finas garras em nossos dedos de pó. Para eles, o consolo é a primeira das armas, que apenas arranha, sem causar cicatrizes, enquanto a confiança, sim, é a maior de todas: está sempre na posição certa, com a mira exata para atirar e nos fazer cair, até estrebucharmos no chão. Nosso sangue tem gosto doce e um perfume suave.
A música dos lobos ainda toca e entre uivos e gemidos eles dançam a passos leves, saltitando de lá para cá. Suas roupas pretas, suas máscaras delicadas e suas longas capas criam um efeito mágico em suas coreografias: o rodopio é tão mais suave, os gestos tão mais precisos e a ocupação do palco tão mais completa e espontânea. Os lobos nos enganam com seus espetáculos e nós, suas presas tão fáceis, nos levantamos para aplaudi-los de pé, para depois sermos devorados no mesmo compasso por tais artistas; fomos ingenuamente derrotados. A cortina se fecha e por trás dela, os lobos continuam a ensaiar sua próxima peça. De onde vem essa matilha? Para onde partirá?

A Wolf at the Door- (Thom Yorke) Radiohead

Drag him out your window
Dragging out the dead
Singing "I miss you"
Snakes and ladders
Flip the lid
Out pops the cracker
Snaps you in the head
Knifes you in the neck
Kicks you in the teeth
Steel toe caps
Takes all your credit cards
Get up, get the gunge
Get the eggs
Get the flan in the face
The flan in the face
The flan in the face
Dance you fucker, dance you fucker
Don't you dare
Don't you dare
Don't you flan in the face
Take it with the love is given
Take it with a pinch of salt
Take it to the taxman
Let me back let me back
I promise to be good
Don't look in the mirror
At the face you don't recognize
Help me call the doctor
Put me inside
Put me inside
Put me inside
Put me inside
Put me inside

I keep the wolf from the door
But he calls me up
Calls me on the phone
Tells me all the ways that he's gonna mess me up
Steal all my children
If I don't pay the ransom
But I'll never see 'em again
If I squeal to the cops

No, no, no...
Walking like giant cranes
Ah, with my X-ray eyes I strip her naked
In a tight little world, why are you on the list?
Stepford wives, who are we to complain?
Investments and dealers, investments and dealers
Cold wives and mistresses
Cold wives and sunday papers
City boys in first class
Don't know we're born little
Someone else is going to come and clean it up
Born and raised for the job
Someone always does, always pick it up
Get over, get up, get over
Turn the tape off

I keep the wolf from the door
But he calls me up
Calls me on the phone
Tells me all the ways that he's gonna mess me up
Steal all my children
If I don't pay the ransom
And I'll never see 'em again
If I squeal to the cops

So I'm just gonna...

lunedì 21 giugno 2010

Crepúsculo


Não lhe restam mais forças para lutar. Se entregar? Talvez. Sentia que ia caindo gradativamente, declinando, declinando, declinando... Mas ainda não se encontrava em uma posição horizontal. Ao seu redor, era como se o céu acompanhasse-lhe o sofrimento e tingisse a sua ferida aberta como carne; vermelho que risca, corta e marca.
Os minutos passam devagar para que se chegue ao final da batalha, mas de forma rápida demais para se possa ter alguma reação contra o inimigo. O silêncio da disputa é insuportável: não há gritos, nem lamentos, nem vibrações. Apenas uma voz calada envolvendo os adversários e cobrindo-lhes de mistério e de agonia. As cores da ferida vão mudando de tonalidade, como se estivessem a ser cozidas: tornam-se amareladas, púrpuras, amarronzadas... E ele continua a cair, a ir flutuando, descendo até onde se possa enxergar e de repente, pesa sobre o horizonte.
É o fim. Ele perdeu. Ficará sepultado no pico de alguma montanha ou no fim de algum mar. Sombras pairam sobre a Terra para carregar-lhe a alma que lhe resta e com ela em mãos, passeiam por entre ruas, becos e labirintos. As sombras usam máscaras e nunca mostram o seu rosto; apenas derrubam o seu inimigo para sentirem-se poderosas por toda uma noite.

venerdì 18 giugno 2010

A Fuga de Pulcinella


por: Gianni Rodari ("Fábulas Ao Telefone")
tradução: Bruna Galvão

Pulcinella era a marionete mais inquieta de todo o velho teatro. Tinha sempre que protestar, seja porque no momento do espetáculo preferira passear, seja porque seu manipulador concedera-lhe uma parte cômica, enquanto ele preferira uma dramática.
-Qualquer dia destes- dizia em segredo a Arlecchino- corto a corda*! E assim fez, mas não durante o dia. Uma noite, ao conseguir tomar posse de uma tesoura esquecida pelo manipulador das marionetes, cortou de um topo ao outro os fios que lhe prendiam a cabeça, as mãos e os pés e propôs a Arlecchino:
-Vem comigo.
Só que Arlecchino não queria saber de separar-se de Colombina e nem Pulcinella tinha a intenção de ir atrás daquela manhosa, que no teatro, tinha-lhe pregado cem mil peças.
–Irei sozinho! - decidiu. Lançou-se corajosamente rua a fora e pernas para que te quero!
“Que beleza -pensava ao correr- não sentir mais os puxões daqueles malditos fios em lugar nenhum. Que beleza meter o pé bem aonde se deseja”.
O mundo, para uma marionete solitária, é grande e terrível e habitado (especialmente à noite) por gatos ferozes, prontos a se confundirem com qualquer coisa que fuja como um rato, a qual se dá a caça. Pulcinella conseguiu convencer os gatos- que se metiam com um bom artista- e lorota após lorota, refugiou-se em um jardim, encostou-se em um pequeno muro e ali adormeceu.
Acordou com o nascer do sol e tinha fome. Porém, ao seu redor, até onde a vista alcançava, não havia mais do que cravos, tulipas, zínias e hortênsias.
-Paciência- falava para si Pulcinella e ao colher um cravo, começou a mastigar-lhe as pétalas com uma certa indiferença. Não era como comer uma bisteca grelhada ou um filé de peixe pérsico: as flores têm muito perfume e pouco sabor. Entretanto, para Pulcinella aquilo parecia o sabor da liberdade e, na segunda bocada, estava seguro de nunca ter provado comida mais deliciosa. Decidiu permanecer para sempre naquele jardim e assim o fez. Dormia sob uma grande magnólia, cujas duras folhas não temiam nem mesmo às fortes chuvas, e se nutria das flores: hoje um cravo, amanhã uma rosa. Pulcinella sonhava com montanhas de espaguetes e planícies de muçarelas, mas não se rendia. Tornava-se seco, seco, mas tão perfumado, que a todo instante abelhas pousavam em seu corpo para sugar-lhe o néctar e logo afastavam-se frustradas, pois não conseguiam afundar o ferrão na sua cabeça de madeira.
Veio o inverno. O jardim, agora sem flores, esperava a primeira nevasca e a pobre marionete não tinha mais nada para comer. Sem dedos que pudessem recomeçar a viagem: as suas pobres pernas de madeira não suportariam levá-lo para longe.
“Paciência,- falava para si Pulcinella- morrerei aqui. Não é um lugar feio para se morrer. Além do mais, morrerei livre: ninguém poderá prender um fio à minha cabeça, para me fazer dizer sim ou não.”
A primeira nevasca o sepultou abaixo de uma mórbida coberta branca.
Na primavera, naquele exato lugar, nasceu um cravo. Soterrado, calmo e feliz, Pulcinella pensava: “ Eis que acima da minha cabeça cresceu uma flor. Existe alguém mais feliz do que eu?”.
Porém, não estava morto, porque as marionetes de madeira não podem morrer. Ainda continua soterrado, só que ninguém sabe disto. Se vocês pretendem encontrá-lo, não amarrem nenhum fio em sua cabeça: aos reis e rainhas do teatro, este fio não incomoda, mas a ele, pode fazê-lo sofrer.


*cortar a corda: 'tagliare la corda'(no original) é uma expressão idiomática que significa “ir-se embora”. No texto é utilizada em forma de trocadilho, devido ao fato de Pulcinella ser uma marionete (consequentemente, presa por cordas).

Gianni Rodari, "Favole al telefono",Einaudi, 1962

venerdì 16 aprile 2010

A árvore de corações



Ainda era muito cedo no topo da mais distante colina quando o Homem-Azul levantou-se. Lavou o rosto, tomou uma xícara de chá de folhas de violetas e saiu a arrastar os pés para fora de sua moradia. Há mais de 3000 anos era assim: sua primeira atividade do dia era regar a árvore-de-corações. O regador já cheio desde a última noite fazia escorrer a água que dava vitalidade à árvore mais importante do mundo.
E como ele se satisfazia em ser o seu guardião! Cada gota que caía sobre as grossas raízes da árvore-de-corações era por ele admiradas! O Homem-Azul aspirava o perfume que saía daquela terra molhada e imaginava o trabalho de sugar aquele líquido que a sua linda árvore começava a fazer e que passava pelo caule, pelos galhos, pelos ramos, pelas folhas até chegar aos corações. Estes palpitavam com a água recebida e se avermelhavam ainda mais. Então, as folhas balançavam e sacudiam o vento e os cabelos do Homem-Azul, que sentia uma enorme felicidade.
Era de seu agrado sentar-se debaixo daquela sombra e escutar os corações da árvore que ainda batiam com a água. Eles faziam um tum-tum-tum suave e confortador, que não significava nada mais do que vida. Outras vezes, o Homem-Azul varria todas as pequenas folhas para longe das raízes, também afastando os corações que tinham parado de bater e que agora jaziam murchos no chão.
Um dia, estava o guardião da árvore-de-corações a tirar um cochilo, quando foi despertado por um forte aroma. Abriu primeiro um olho, depois o outro, as narinas a se dilatarem cada vez mais. “Conheço este cheiro”, pensava ele e se ergueu. Passou a vista ao redor, deu alguns passos, o cheiro a ficar cada vez mais forte e por trás de uma moita encontra um pequeno garotinho mortal.
-Quem é você? O que faz aqui? Não sabe que é proibido e perigoso vir aqui? Não sabe o que eu posso fazer com quem se aventura a vir espiar a árvore?- dizia furiosamente o Homem-Azul.
O garotinho o olhava com olhos arregalados e cílios trêmulos. Sua altura estava longe de atingir os joelhos do grande Homem-Azul, que de seus muitos centímetros acima o observava.
-Quantas perguntas juntas!- balbuciou o menino- Assim não saberei responder nenhuma delas.
O Homem-Azul pareceu irritar-se ainda mais. Agachou o quanto pode, tentando se equiparar ao tamanho do garoto e abriu bem a boca para falar:
-Quem é... você?!
-Sou uma criança- respondeu o garotinho.
-E o que uma criança faz?
-Brinca e também aprende.
Então, o Homem-Azul portou-se novamente em pé e não se dando muito por satisfeito, ainda perguntou:
-Só isto?
-Penso que sim- falou a criança.
-E o que significa brincar e aprender?
O pequeno menino, ainda muito assustado, contorceu um pouco os lábios e dentro de sua pequena sabedoria tentou explicar:
-Brincar significa explorar e aprender significa perguntar. Todas as crianças brincam e aprendem.
Muitas reflexões tomaram conta da mente do Homem-Azul. Ele se debruçou sobre o rastelo que usava para separar as folhas e os corações secos e seu olhar parou por alguns instantes. Subitamente, voltou a fitar o menino e a indagar:
-Se você é uma criança que brinca e aprende, como posso eu também aprender, se não sou uma criança, mas sim, um guardião da árvore-de-corações?
-Devem existir crianças grandes no mundo e você deve ser uma delas- disse prontamente o garotinho.
A partir daí, a criança explicou ao Homem-Azul que brincava de explorar o riacho perto de sua casa quando um som estranho chegou aos seus ouvidos e o levou a acompanhá-lo. A melodia ainda estava em sua cabeça e era como uma música leve e doce, que o embalou totalmente.
-Eu apenas segui o tum-tum-tum que o vento trazia e nada mais- disse ele.
O Homem-Azul não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Era difícil para ele aceitar que as palpitações dos corações de sua árvore, no topo de tão alta colina, tão distante da vida mortal lá embaixo, pudessem ter chegado a algum lugar. A árvore-de-corações era o maior segredo de toda a humanidade e ele, o Homem-Azul, era o seu protetor. Era seu dever cuidar da mais perfeita planta da Terra e de preservar a sua essência.
-Agora que você está aqui, me diga, o que quer?
O menino já estava bem menos assustado com o Homem-Azul e sua voz infantil formou as seguintes palavras:
-Por que você só me pergunta? Aprender é divertido, mas brincar também é. Quero fazer isto, agora.
-Não sei como brincam as crianças mortais do lugar de onde você veio. Só sei que você não poderá explorar a árvore-de-corações. Esta é a minha tarefa!- respondeu o Homem-Azul e começou a varrer mais algumas folhas e a amontoar alguns corações.
O garotinho olhava o aspecto de cada coração caído ali no chão. Notou que eram em sua maioria bem pequenos, tão minúsculos quanto a palma de sua mão. Também observou a vivacidade dos que ainda se prendiam à árvore e de como batiam na mesma frequência. Uma forte vontade de subir por aqueles galhos tomou-lhe conta da mente. Devia ser muito bom poder apanhar um coração vermelho tal como ele fazia com as maçãs vermelhas do jardim de sua casa e tê-lo entre os dedos para depois prová-lo. Também devia ser bom se ali tivesse algum balanço, porque só assim ele poderia continuar ouvindo aquela melodia ao mesmo tempo em que voasse alto, alto.
As folhas da árvore-de-corações iam e vinham com o sopro da brisa. O Homem-Azul já não se importava tanto com a presença da criança e por isto, resolveu explicar-lhe:
-Cada um dos corações que estão nesta árvore refere-se a algum habitante do planeta. Os corações maiores são dos mais novos, que ainda têm a pureza em sua alma, enquanto que os menores são dos que viveram um pouco mais e que portanto, já tiveram a sua essência contaminada por mal-dizeres. Os corações no chão estão tão secos e sem vida quanto os velhos seus portadores: muito já viveram e muito já bateram e, de tanto viver e bater, se tornaram viciados em suas próprias atitudes, esquecendo-se de quão grandes e perfeitos um dia foram. A fraqueza e o cansaço tomaram conta deles. Assim acontecerá também com os corações agarrados aos galhos.
-No final, todos vão mesmo parar de bater e vão ao chão?- custava a acreditar o menino.
-Sim, este é o ciclo da árvore. Sem árvore não há corações e sem corações não há vida em outros lugares.
Pegou um coração morto e deu ao garoto. Este ficou a imaginar que estivesse segurando o seu próprio coração em um futuro muito distante. Era triste saber que lá de onde vinha, não havia sequer nenhuma árvore-de-corações. Por um instante pensou em um jardim de tais árvores e em quão maravilhosa música soaria dos tum-tum-tums de seus frutos. Apertou levemente o pobre coração sem vida e o guardou no bolso da calça.
O Homem-Azul o observava e também se entristeceu por só ele, o Homem-Azul, poder contemplar tão perfeita formosura em longuíssimos anos.
-Só um coração grande e forte pode bater por um velho. Talvez seja tempo de se dar uma nova chance aos antigos. Quem sabe não haverá um recomeço? Quem sabe não se possa ser criança e brincar e aprender?
Foi então que o menininho sentiu uma pontada no peito, uma dorzinha no seu grande coração. Eram saudades de sua casa, de seus pais e amigos, de seu riacho e de suas flores e animais. Uma canção distante e triste começou a soar de repente e estava longe, longe. Era um novo tum-tum-tum, só que desta vez, vindo de corações mais profundos e distantes. Decidiu que era hora de ir embora e despediu-se do Homem-Azul. Olhou a árvore-de-corações pela última vez e começou a seguir o novo som que o atraía. O Homem-Azul, ainda com o rastelo nas mãos, via aquele pequeno ser ir sumindo no horizonte, até desaparecer por completo. Ficou esperançoso que o menino jogasse o velho coração dentro de um amontoado de terra e o regasse com carinho, para que, quem sabe, uma nova árvore pudesse surgir e novos corações pudessem vibrar. Só assim, a batida que o garoto escutava, pararia.

venerdì 9 aprile 2010

Canção Outonal


Canção Outonal

Federico García Lorca


Hoje sinto no coração

um vago tremor de estrelas,

mas minha senda se perde

na alma da névoa.

A luz me quebra as asas

e a dor de minha tristeza

vai molhando as recordações

na fonte da ideia.

Todas as rosas são brancas,

tão brancas como minha pena,

e não são as rosas brancas

porque nevou sobre elas.

Antes tiveram o íris.

Também sobre a alma neva.

A neve da alma tem

copos de beijos e cenas

que se fundiram na sombra

ou na luz de quem as pensa.

A neve cai das rosas,

mas a da alma fica,

e a garra dos anos

faz um sudário com elas.

Desfazer-se-á a neve

quando a morte nos levar?

Ou depois haverá outra neve

e outras rosas mais perfeitas?

Haverá paz entre nós

como Cristo nos ensina?

Ou nunca será possível

a solução do problema?

E se o amor nos engana?

Quem a vida nos alenta

se o crepúsculo nos funde

na verdadeira ciência

do Bem que quiçá não exista,

e do mal que palpita perto?

Se a esperança se apaga

e a Babel começa,

que tocha iluminará

os caminhos da Terra?

Se o azul é um sonho,

que será da inocência?

Que será do coração

se o amor não tem flechas?

Se a morte é a morte,

que será dos poetas

e das coisas adormecidas

que já ninguém delas se recorda?

Oh! sol das esperanças!

Água clara! Lua nova!

Corações dos meninos!

Almas rudes das pedras!

Hoje sinto no coração um vago tremor de estrelas

e todas as coisas são

tão brancas como minha pena.



Passo a vida a perguntar. Pergunto aos outros, pergunto a mim, pergunto à noite. No final, nem sempre tenho todas as respostas que queria. Penso que nem todas as coisas têm suas respostas, assim como nem todas têm suas perguntas. O mistério existe e existirá. Resta a mim, mesmo assim, continuar indagando e refletindo; buscar outros caminhos que me levem a novos questionamentos. Ainda bem que existe a poesia. Ainda bem que existe o outono. Minha alma consegue sossego perante tais detalhes da vida.