Cos'è?



mercoledì 14 luglio 2010

O silêncio que toca



Naquele momento, o rádio estava ligado e tocava silêncio. Notas flutuavam por toda aquela sala e rodeavam cada móvel, onde acabavam caindo dentro do vaso com margaridas secas de Dona Eulália, ou pousando no aparador do canto ou ainda, sentando-se na poltrona de Seu Alberto. As notas mais ousadas não se contentavam em permanecer por ali e seguiam em frente, rumo ao quarto de Pedrinho, à cozinha de Marieta, à garagem de Heitor; até mesmo a almofada da gata Lilás era tomada por elas! Quando chegavam o mais distante que podiam, as notas da música silêncio finalmente bailavam sossegadas ao se darem as mãos, deixando soar suavemente sua fina melodia.
Esta era de uma delicadeza extrema que podia ser sentida por todos os sentidos. Era de seu costume cutucar os ouvidos dos presentes, perfumar o olfato dos sensíveis, dar cores aos olhos curiosos e beliscar a pele dos que nela, porventura, esbarravam. O silêncio que ali tocava era melancólico e harmônico e todos paravam para escutá-lo. A música trazia pensamentos e estes, por sua vez, traziam sensações que nem sempre eram compartilhadas. Dona Eulália jogará fora suas margaridas secas com notas penduradas nos ramos, ao se lembrar, em breve, que flores novas deviam ser postas no vaso; Seu Alberto sentia que sua poltrona deixava de ser confortável e achou que o motivo devia-se ao seu uso constante; Pedrinho brincava com uma fila de carrinhos e não se deu conta de que não estava só; já Marieta, que fritava batatas para Pedrinho, sentiu de repente um arrepio e achou que fosse porque maio se aproximava, enquanto Heitor, deitado debaixo do carro, aspirava poeira e solidão. A gata Lilás era feliz naquele instante com todo aquele silêncio: sua almofada era um palco e ela, uma grande artista, que acompanhava nota por nota ao cantar com o seu ronrom.
E o rádio não parava de funcionar: uma, duas, três, quatro músicas. Cada silêncio tocado era único, com sinfonias próprias. Seus respectivos compositores eram grandes artistas e nunca desapontavam o público. A originalidade da música silêncio estava em sua letra, cantada como bem se entendesse. Os instrumentos variavam e seus interpretadores também. Não havia quem não soubesse cantá-la, não havia quem não soubesse tocá-la, não havia quem não a memorizasse.
Mas, algumas horas depois, o rádio da sala parou de tocar. Assim, de repente. Só um disco vazio ficou a dar voltas ininterruptas, a arranhar-se sozinho. Como a música havia acabado, as notas haviam todas se recolhido. Pouco a pouco, os moradores daquela casa deram-se conta disto e foram buscar outras atividades para preencher o dia. Agora, apenas um silêncio surdo-mudo pairava por ali.

lunedì 12 luglio 2010

A brevidade de um eterno adeus



Seis anos separaram aquele adeus, um adeus que nunca foi dado. Seis anos afastaram um encontro, um encontro que nunca aconteceu. Seis anos distanciaram uma existência, uma existência de contextos opostos e múltiplos paradoxos. Seis anos...
Um dia, seis anos após a partida dele, ela nasceu. E cresceu. E apaixonou-se por ele. Seis anos no tempo não impediram aquele amor, semeado com palavras, nutrido em versos. A poesia sobrevive ao tempo, sobrevive aos temporais, sobrevive ao corpo que a escreve. Não há lugar no mundo onde não possa estar, para assim, permanecer. Diante de tamanho atributo, a poesia dele permaneceu em estrofes escritas e versos cantados, em frases do avesso, que atingem o coração de moças enamoradas. Um galanteador, ele foi...
Surgiu décadas atrás nesta mesma pátria onde ela hoje habita, em uma época onde o mundo ainda era retratado em preto-e-branco. O poetinha de seu coração realizou para si muito do que ela sonha ainda em conquistar: escrever aqui, escrever ali, escrever, escrever, fazendo das palavras um instrumento de conquistas, de críticas, de vitórias, de desabafos... Seja em prosa ou em verso, na música ou no teatro, a palavra é o detalhe essencial e quando bem utilizada deixa de ser dita, para ser repetida. Repetida uma, duas, três vezes... “Vinícius, Vinícius”, ela o chama. Ele, lá do fim do infinito, responde em um pensamento:

Se você quer ser minha namorada
Ai, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarzinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porquê
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.


São 30 anos passados desde que ele se foi e deste período, pouco mais da metade é o tempo em que ela se fez cair de amores pela sua maneira tão peculiar de tratar o amor. Vinícius e seu coração tão sábio, tão cheio de paixão, ainda atinge a alma das moças, causando suspiros inclusive nas mais modernas, enchendo de boas lembranças as mais antigas, fervendo o sangue das mais ousadas. Vinícius, um romântico de todos os tempos, em que tudo passa, restando apenas o amor. E ela o espera na eternidade de suas palavras tão lindas.

O VELHO E A FLOR
(Vinícius de Moraes)

Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.



*Vinícius de Moraes (1913-1980)