Cos'è?



venerdì 16 aprile 2010

A árvore de corações



Ainda era muito cedo no topo da mais distante colina quando o Homem-Azul levantou-se. Lavou o rosto, tomou uma xícara de chá de folhas de violetas e saiu a arrastar os pés para fora de sua moradia. Há mais de 3000 anos era assim: sua primeira atividade do dia era regar a árvore-de-corações. O regador já cheio desde a última noite fazia escorrer a água que dava vitalidade à árvore mais importante do mundo.
E como ele se satisfazia em ser o seu guardião! Cada gota que caía sobre as grossas raízes da árvore-de-corações era por ele admiradas! O Homem-Azul aspirava o perfume que saía daquela terra molhada e imaginava o trabalho de sugar aquele líquido que a sua linda árvore começava a fazer e que passava pelo caule, pelos galhos, pelos ramos, pelas folhas até chegar aos corações. Estes palpitavam com a água recebida e se avermelhavam ainda mais. Então, as folhas balançavam e sacudiam o vento e os cabelos do Homem-Azul, que sentia uma enorme felicidade.
Era de seu agrado sentar-se debaixo daquela sombra e escutar os corações da árvore que ainda batiam com a água. Eles faziam um tum-tum-tum suave e confortador, que não significava nada mais do que vida. Outras vezes, o Homem-Azul varria todas as pequenas folhas para longe das raízes, também afastando os corações que tinham parado de bater e que agora jaziam murchos no chão.
Um dia, estava o guardião da árvore-de-corações a tirar um cochilo, quando foi despertado por um forte aroma. Abriu primeiro um olho, depois o outro, as narinas a se dilatarem cada vez mais. “Conheço este cheiro”, pensava ele e se ergueu. Passou a vista ao redor, deu alguns passos, o cheiro a ficar cada vez mais forte e por trás de uma moita encontra um pequeno garotinho mortal.
-Quem é você? O que faz aqui? Não sabe que é proibido e perigoso vir aqui? Não sabe o que eu posso fazer com quem se aventura a vir espiar a árvore?- dizia furiosamente o Homem-Azul.
O garotinho o olhava com olhos arregalados e cílios trêmulos. Sua altura estava longe de atingir os joelhos do grande Homem-Azul, que de seus muitos centímetros acima o observava.
-Quantas perguntas juntas!- balbuciou o menino- Assim não saberei responder nenhuma delas.
O Homem-Azul pareceu irritar-se ainda mais. Agachou o quanto pode, tentando se equiparar ao tamanho do garoto e abriu bem a boca para falar:
-Quem é... você?!
-Sou uma criança- respondeu o garotinho.
-E o que uma criança faz?
-Brinca e também aprende.
Então, o Homem-Azul portou-se novamente em pé e não se dando muito por satisfeito, ainda perguntou:
-Só isto?
-Penso que sim- falou a criança.
-E o que significa brincar e aprender?
O pequeno menino, ainda muito assustado, contorceu um pouco os lábios e dentro de sua pequena sabedoria tentou explicar:
-Brincar significa explorar e aprender significa perguntar. Todas as crianças brincam e aprendem.
Muitas reflexões tomaram conta da mente do Homem-Azul. Ele se debruçou sobre o rastelo que usava para separar as folhas e os corações secos e seu olhar parou por alguns instantes. Subitamente, voltou a fitar o menino e a indagar:
-Se você é uma criança que brinca e aprende, como posso eu também aprender, se não sou uma criança, mas sim, um guardião da árvore-de-corações?
-Devem existir crianças grandes no mundo e você deve ser uma delas- disse prontamente o garotinho.
A partir daí, a criança explicou ao Homem-Azul que brincava de explorar o riacho perto de sua casa quando um som estranho chegou aos seus ouvidos e o levou a acompanhá-lo. A melodia ainda estava em sua cabeça e era como uma música leve e doce, que o embalou totalmente.
-Eu apenas segui o tum-tum-tum que o vento trazia e nada mais- disse ele.
O Homem-Azul não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Era difícil para ele aceitar que as palpitações dos corações de sua árvore, no topo de tão alta colina, tão distante da vida mortal lá embaixo, pudessem ter chegado a algum lugar. A árvore-de-corações era o maior segredo de toda a humanidade e ele, o Homem-Azul, era o seu protetor. Era seu dever cuidar da mais perfeita planta da Terra e de preservar a sua essência.
-Agora que você está aqui, me diga, o que quer?
O menino já estava bem menos assustado com o Homem-Azul e sua voz infantil formou as seguintes palavras:
-Por que você só me pergunta? Aprender é divertido, mas brincar também é. Quero fazer isto, agora.
-Não sei como brincam as crianças mortais do lugar de onde você veio. Só sei que você não poderá explorar a árvore-de-corações. Esta é a minha tarefa!- respondeu o Homem-Azul e começou a varrer mais algumas folhas e a amontoar alguns corações.
O garotinho olhava o aspecto de cada coração caído ali no chão. Notou que eram em sua maioria bem pequenos, tão minúsculos quanto a palma de sua mão. Também observou a vivacidade dos que ainda se prendiam à árvore e de como batiam na mesma frequência. Uma forte vontade de subir por aqueles galhos tomou-lhe conta da mente. Devia ser muito bom poder apanhar um coração vermelho tal como ele fazia com as maçãs vermelhas do jardim de sua casa e tê-lo entre os dedos para depois prová-lo. Também devia ser bom se ali tivesse algum balanço, porque só assim ele poderia continuar ouvindo aquela melodia ao mesmo tempo em que voasse alto, alto.
As folhas da árvore-de-corações iam e vinham com o sopro da brisa. O Homem-Azul já não se importava tanto com a presença da criança e por isto, resolveu explicar-lhe:
-Cada um dos corações que estão nesta árvore refere-se a algum habitante do planeta. Os corações maiores são dos mais novos, que ainda têm a pureza em sua alma, enquanto que os menores são dos que viveram um pouco mais e que portanto, já tiveram a sua essência contaminada por mal-dizeres. Os corações no chão estão tão secos e sem vida quanto os velhos seus portadores: muito já viveram e muito já bateram e, de tanto viver e bater, se tornaram viciados em suas próprias atitudes, esquecendo-se de quão grandes e perfeitos um dia foram. A fraqueza e o cansaço tomaram conta deles. Assim acontecerá também com os corações agarrados aos galhos.
-No final, todos vão mesmo parar de bater e vão ao chão?- custava a acreditar o menino.
-Sim, este é o ciclo da árvore. Sem árvore não há corações e sem corações não há vida em outros lugares.
Pegou um coração morto e deu ao garoto. Este ficou a imaginar que estivesse segurando o seu próprio coração em um futuro muito distante. Era triste saber que lá de onde vinha, não havia sequer nenhuma árvore-de-corações. Por um instante pensou em um jardim de tais árvores e em quão maravilhosa música soaria dos tum-tum-tums de seus frutos. Apertou levemente o pobre coração sem vida e o guardou no bolso da calça.
O Homem-Azul o observava e também se entristeceu por só ele, o Homem-Azul, poder contemplar tão perfeita formosura em longuíssimos anos.
-Só um coração grande e forte pode bater por um velho. Talvez seja tempo de se dar uma nova chance aos antigos. Quem sabe não haverá um recomeço? Quem sabe não se possa ser criança e brincar e aprender?
Foi então que o menininho sentiu uma pontada no peito, uma dorzinha no seu grande coração. Eram saudades de sua casa, de seus pais e amigos, de seu riacho e de suas flores e animais. Uma canção distante e triste começou a soar de repente e estava longe, longe. Era um novo tum-tum-tum, só que desta vez, vindo de corações mais profundos e distantes. Decidiu que era hora de ir embora e despediu-se do Homem-Azul. Olhou a árvore-de-corações pela última vez e começou a seguir o novo som que o atraía. O Homem-Azul, ainda com o rastelo nas mãos, via aquele pequeno ser ir sumindo no horizonte, até desaparecer por completo. Ficou esperançoso que o menino jogasse o velho coração dentro de um amontoado de terra e o regasse com carinho, para que, quem sabe, uma nova árvore pudesse surgir e novos corações pudessem vibrar. Só assim, a batida que o garoto escutava, pararia.

venerdì 9 aprile 2010

Canção Outonal


Canção Outonal

Federico García Lorca


Hoje sinto no coração

um vago tremor de estrelas,

mas minha senda se perde

na alma da névoa.

A luz me quebra as asas

e a dor de minha tristeza

vai molhando as recordações

na fonte da ideia.

Todas as rosas são brancas,

tão brancas como minha pena,

e não são as rosas brancas

porque nevou sobre elas.

Antes tiveram o íris.

Também sobre a alma neva.

A neve da alma tem

copos de beijos e cenas

que se fundiram na sombra

ou na luz de quem as pensa.

A neve cai das rosas,

mas a da alma fica,

e a garra dos anos

faz um sudário com elas.

Desfazer-se-á a neve

quando a morte nos levar?

Ou depois haverá outra neve

e outras rosas mais perfeitas?

Haverá paz entre nós

como Cristo nos ensina?

Ou nunca será possível

a solução do problema?

E se o amor nos engana?

Quem a vida nos alenta

se o crepúsculo nos funde

na verdadeira ciência

do Bem que quiçá não exista,

e do mal que palpita perto?

Se a esperança se apaga

e a Babel começa,

que tocha iluminará

os caminhos da Terra?

Se o azul é um sonho,

que será da inocência?

Que será do coração

se o amor não tem flechas?

Se a morte é a morte,

que será dos poetas

e das coisas adormecidas

que já ninguém delas se recorda?

Oh! sol das esperanças!

Água clara! Lua nova!

Corações dos meninos!

Almas rudes das pedras!

Hoje sinto no coração um vago tremor de estrelas

e todas as coisas são

tão brancas como minha pena.



Passo a vida a perguntar. Pergunto aos outros, pergunto a mim, pergunto à noite. No final, nem sempre tenho todas as respostas que queria. Penso que nem todas as coisas têm suas respostas, assim como nem todas têm suas perguntas. O mistério existe e existirá. Resta a mim, mesmo assim, continuar indagando e refletindo; buscar outros caminhos que me levem a novos questionamentos. Ainda bem que existe a poesia. Ainda bem que existe o outono. Minha alma consegue sossego perante tais detalhes da vida.