Cos'è?



lunedì 14 ottobre 2013

Escritor ateu redefine a morte em releitura da Bíblia

Por meio do anjo Uriel, autor questiona "justiça" divina sobre quem vive e morre


As injustiças mundanas, aquelas que terminam em morte, como o assassinato de um inocente, a fome de uma pessoa ou a doença de uma criança são questionadas no livro A terra por onde caminho (Editora Schoba) de Mário Bentes. Afinal, quem é a morte e como ela escolhe a quem levar? Existem parâmetros para continuar vivo?

A obra é composta por 40 contos e quase todos são baseados em relatos bíblicos. Bentes, que já foi cristão e hoje é ateu, mescla o antagonismo destas duas orientações para mostrar em suas histórias que se há forças opostas na morte, seja ela violenta ou branda, em velhos ou em jovens, ela não é boa nem má, mas somente um fato que deve acontecer. Apesar desse fator natural, o ceticismo do autor é reforçado por meio de um personagem religioso, Uriel, o anjo da morte.

É Uriel o narrador de cada uma das histórias fúnebres. Ele, que possui olhos vazios e asas negras, canta para aqueles de bom coração, o que abranda a passagem destas pessoas para o mundo dos mortos, ainda que seus corpos sofram. Já os perversos se assustam com sua presença ao se depararem com o abismo de seus olhos. No entanto, o anjo da morte não é o culpado por nenhum falecimento: ele somente obedece a Deus, o Único acima.

Mas era chegada a hora de meu Pai acabar com aquilo e meu coração, reconheço, ardia em brasas pelo desejo de levar aquele Baal em forma humana.
E foi quando uma folha seca de um carvalho caiu suavemente sobre uma poça de sangue inocente que encharcava o solo virgem, que ouvi o chamado familiar, a voz do infinito rasgando a imensidão do espaço-profundo das estrelas mais distantes e mais acima da Terra, ordenando-me ser o elo entre a vida e a morte. Como sou e sempre serei. (Trecho do livro)

Eis a nova perspectiva pela qual Bentes retoma o tema da morte, tão debatido por outros autores. Ele coloca em cheque a imensa bondade e compaixão que a religião reforça em caracterizar a Deus: onde está Sua misericórdia ao deixar que um urso devore crianças? Como permitir com que haja assassinos (obrigando Uriel a cantar o seu lamento)? Onde está o seu amor ao permitir com que uma mãe chore por cima do corpo sem vida do filho? Mas como explica Uriel, em um relato simplista, o qual, ao mesmo tempo em que conforta muitos cristãos, também reforça o lado misterioso da morte:

(...) seus desígnios [de Deus] pelo homem são desconhecidos, e cujo significado jamais será compreendido nem por toda a sabedoria humana, nem por suas ciências ocultas, nem por magia ou feitiçaria.

A terra por onde caminho é o livro de estreia de Mário Bentes, que já participou de antologias pela Editora Andross.

Confira a entrevista feita com o autor:

1-No livro, Uriel, o anjo da morte, é o narrador de cada uma das histórias. De onde surgiu a ideia de dar voz à morte, de personifica-la?

Vem de muito tempo. Desde a infância, para ser mais específico. Na verdade, sempre imaginei uma figura fúnebre e imortal, que testemunhava os acontecimentos mais bizarros da história humana. É provável que tenha começado – ou sido influenciado – por “Eu nasci há dez mil anos atrás”, de Raul Seixas. A letra dessa música é forte, e sempre ouvi interpretações variadas dela, como se quem testemunhasse tudo aquilo fosse ninguém menos que o diabo. Resolvi, por fim, colocar no papel o personagem que passou boa parte da minha vida sussurrando na minha cabeça, mas finalmente dando um nome a ele – e a uma pequena saga.

2-A obra tem forte referência bíblica ao retomar histórias do Velho Testamento. Você, como ateu, de que forma conseguiu inserir esta não-crença nos relatos?

Não foi difícil porque nada do que vi nas três vezes em que li a Bíblia, em toda a minha vida, se perdeu. Independente de crer ou não naqueles acontecimentos, são relatos curiosos, com ares mitológicos. E toda mitologia tem aspectos fantásticos. A literatura fantástica tem os dois pés na mitologia. Desconheço quem não goste de ler sobre mitologia grega, por exemplo. Você não acredita em Zeus ou nas farras de Baco, mas acha relatos interessantes e estimulantes. O mesmo acontece comigo com a Bíblia.

3-Uriel, o anjo da morte, é melancólico e romântico, o que mostra que o ato de morrer, ainda que de forma violenta, pode ser abrandado com sua presença. A morte pode ser bela como a vida?

A morte é tabu para muitos, mas há muitas formas de enxergá-la: uma passagem para outro plano, uma parada antes de voltar à Terra novamente, o fim... ou recomeço. Depende das crenças e da falta delas. Até pelo aspecto científico, pragmático, a morte pode ter um aspecto belo. Se partirmos, por exemplo, do princípio da conservação da matéria de Lavoisier, podemos chegar à conclusão de que a morte do corpo não é o fim pelo simples fato de que a matéria que compôs você não deixa de existir. Ela simplesmente não se perde, mas se transforma. Então você, como ser pensante, pode até deixar de existir. Mas aquilo que foi você, fisicamente, voltará para, literalmente, ao “pó da terra”. Há muita beleza entre ser feito de poeira de estrelas e descansar no pó da terra.

4 -No prefácio, você comenta um pouco sobre o contexto em que vivia (como o curso universitário em Jornalismo, a mudança de residência de Manaus para Brasília, etc) quando teve a ideia de escrever “A terra por onde caminho”. Você acredita que isto pode trazer algum tipo de identificação com o leitor ao trazer tantos detalhes de sua vida? De que forma?

Quando criança, imaginava os escritores como seres de outro mundo, iluminados e especiais, que criaram suas histórias com os pés fora da realidade. No entanto, descobri, com o tempo, que escrever é passar para o papel aquilo que você é ou parte daquilo que você viu, ouviu e se influenciou. E que todo escritor é um ser humano como eu e você. Saramago dizia que todos somos escritores, só que alguns escrevem e outros não. Então eu, como pessoa comum, resolvi escrever tudo aquilo que imaginava enquanto vivia o cotidianismo das pessoas comuns.

Não relatei aqueles detalhes da minha vida na apresentação com uma finalidade especial, mas apenas dar um contexto da minha vida pessoal pelo qual passou o livro. Se o leitor vai se identificar com isso, fico feliz. Eu mesmo gostei de me identificar com o contexto em que [Gabriel] García Márquez escrevia “Cem anos de solidão”, enquanto ele lidava com as contas que se acumulavam. E também gosto da simplicidade espontânea de Neil Gaiman, como quando, nos agradecimentos de “O oceano no fim do caminho”, começou com algo como “O livro já acabou. De agora em diante, só vou agradecer a algumas pessoas. Você não precisa ler se não quiser”. É importante deixar claro que autores de realismo mágico e literatura fantástica estão, como qualquer um, com os dois pezinhos plantados no chão.




mercoledì 27 marzo 2013

Outros tempos, mesmo circo


Na semana do circo, o gigantesco baú de sua história foi aberto e remexido (na vida, sempre há aqueles momentos em que caixas velhas, antigos baús e gavetas emperradas são revirados). Dentro dele, além de figurinos de grandes artistas, de trapos de lonas e de um coelho que fugiu da cartola de algum mágico, também foi achado um dos primeiros filmes sobre o tema: “O Circo”, de Charles Chaplin (1889-1977), o Carlitos.

Lançado em 1928, época em que o cinema era mudo, em que a Europa ainda se recuperava dos estragos da Primeira Guerra (1914-1918) e em que os Estados Unidos (e muitos países) estavam prestes a viver o período da Grande Depressão (com início em 1929), Chaplin, que por meio de seu personagem, o vagabundo, sempre achava um jeito de rir de seu tempo, também satirizou o mundo circense.

A trama dessa obra se inicia com a melancolia típica de seus filmes, que depois, passa a se dissolver no enredo humorístico: Merna, a enteada do dono de um circo e responsável pelas apresentações com cavalos, encontra-se triste e solitária a balançar-se em um dos equipamentos no alto da lona. A música que a embala, “Swing Little Girl”, composta pelo próprio Chaplin, ilustra a atmosfera hipocôndrica que muitos dos artistas de circo vivem, surgidas a partir de dificuldades a serem superadas no meio.

“Balance, garotinha,/ Balance, alto, para o céu,/ E nunca olhe para o chão/ Se você procura o arco-íris,/ Olhe para cima, para o céu/ Você nunca achará arco-íris,/ Se você estiver olhando para baixo/ A vida talvez seja monótona,/ Mas nunca é igual/ Um dia, é de sol,/ Outro dia, é de chuva”, diz o diretor, ator e compositor.

O circo de Merna passa por maus bocados: a moça erra sempre os passes de seu número, os palhaços não são mais engraçados e o público vaia as más atuações. O autoritário padrasto da artista cobra dela e dos demais os bons resultados: mas Merna é sempre a que mais sofre, por apanhar do dono do circo e por não ganhar, muitas vezes, comida como punição.

É neste cenário que surge o vagabundo: ao ser envolvido em um furto de uma carteira, no meio da fuga atrapalhada com a polícia e com o verdadeiro ladrão, Carlitos acaba por invadir o picadeiro do circo em pleno espetáculo; eis que seu jeito cômico traz de volta as gargalhadas do público, o qual acredita que aquela cena entre o policial e o vagabundo, seja parte da apresentação. E quando o inconfundível homenzinho de cartola e bengala consegue se livrar do policial e sair do picadeiro, a plateia chama por ele: “queremos o homem engraçado!”.

Com a naturalidade e a inocência de um bom palhaço, Chaplin supera em graça, a trupe de palhaços do circo (que até aí, só oferecia à plateia números desgastados e repetitivos). Ele é a inovação; ele é a luz das estrelas de um circo, ao atrair e divertir um público também sofrido com as mazelas socioeconômicas daquele período, sendo somente um personagem: ele mesmo.

As cadeiras do circo voltam a encher, as gargalhadas são gerais e constantes e a estrela, que até então, não sabia que era uma estrela, se aproxima cada vez mais da tristonha Merna. Esta, que um dia, se apaixona por um belo equilibrista, parte o coração do vagabundo, que ao continuar a ser ele mesmo, não pode mais ser cômico, por estar triste. Um novo período de declínio começa no circo.

São nesses altos e baixos que o diretor mostra os bastidores a que artistas e demais funcionários circenses estão submetidos em muitos casos: os problemas financeiros, a manutenção do circo (como limpeza do local e trato com animais), a falta de incentivos para a renovação dos números, os dramas pessoais. A ironia de Chaplin é profunda ao tocar na ferida da alegria: a lona de um circo abrange muito mais do que risos e luzes: são pequenos universos pertencentes a grandes seres humanos, os artistas.

Ao final, quando tudo parece estar resolvido, o circo parte e leva consigo todo este mundo de risos e soluços para algum novo lugar. A marca de sua lona permanece no chão e com ela, o vagabundo segue o seu caminho com seus passos desajeitados.