Cos'è?



lunedì 5 novembre 2012

Estórias de perna curta e de uma perna só


Se mentiras têm perna curta, estórias podem ter uma perna só. Principalmente se são escritas com “e”, com suas traquinagens e invenções. No dicionário Michaelis, a explicação para a palavra é adequadamente popular: “Estória: narrativa de lendas, contos tradicionais de ficção; ‘causo’; ‘Ouviram atentos aquelas estórias de mentira, da mula sem cabeça, do saci, do curupira. Mais tarde tiveram que mergulhar fundo nas histórias de verdade, para saber como foi construído o Brasil’ (Francisco Marins)”.

Tanto “estórias de mentira” quanto “histórias de verdade” encontram-se dissolvidas no livro “Estórias de Uma Perna Só” (R9 Artes Gráficas, 1º edição, 2010) de Ditão Virgílio. A obra retrata de maneira única, um Brasil extenso e antigo, que luta para preservar muitos de seus costumes interioranos, os quais, gradativamente, vêm sendo contaminados pelos grandes centros urbanos e por tecnologias. Mesmo com o exagero de Jô Amado ao dizer no prefácio do livro que este “discute toda a cultura de um povo” (pelo fato da palavra “toda” ser muito abrangente quando se trata da riqueza da cultura popular brasileira em seus cinco séculos de desenvolvimento), é fato que uma boa dose da base dessa cultura está contida nas 158 páginas da obra.

Lançado durante a oitava edição da já tradicional Festa do Saci na cidade paulista de
São Luiz do Paraitinga, “Estórias de Uma Perna Só” traz vinte capítulos escritos em versos que retratam a simplicidade do falar caipira e o modo de viver no campo, tendo sempre o saci- um dos mais fortes personagens mitológicos brasileiros, com data comemorativa em 31 de outubro- como protagonista das histórias. Originalmente lançados em forma de cordéis, os versos de Ditão tornam-se ainda mais mágicos com as ilustrações de Geraldo Tartaruga no início de cada capítulo.

O saci e o caipira encontram-se logo no primeiro verso do primeiro capítulo e o encontro, só podia ser fruto de molecagem do saci:
O caipira acordô di noite
C’os cachorro latino
Um sobio ardido
Ele tava ovino
O tropé dum cavalo
O saci tava vino
Pegá fumo no fogão
Aonde ele fica bulino

Mas como é sabido, existe amizade entre o saci e o caipira, que compartilham a realidade do ambiente rural, por mais que o último, muitas vezes, tente pegar aquele por meio de armadilhas. Porém, o saci alerta:
Se quisé me caçá
É só usa a penera
Mai tome muito cuidado
Num cometa essa bestera
Purque se eu iscapá
Eu tento a vida intera



A opção de um “falar caipira” nos versos é justificada na orelha do livro como uma maneira de “facilitar a compreensão e transmissão oral desse saber”. Reforça-se a ideia com um brevíssimo comentário sobre o surgimento desse falar, originário da união entre o português e o “nheengatu”, uma mistura de português e espanhol falado pelos indígenas no início da colonização do continente.

Assim, no ritmo sossegado do linguajar caipira (“nheengatu” significa “língua fácil”), as páginas também falam de outros encontros com personagens em sua maioria folclóricos, como “O Saci e a Iara”, “O Saci e a Caipora”, “O Desafio do Saci e a Mula Sem Cabeça”, “O Saci e o Lobisomem”, sem se esquecer do curupira e do boitatá em seus versos. É um resgate intenso do que há de mais conhecido no folclore brasileiro, através de anedotas repletas de informações tradicionalistas sobre tais personagens.
Im seguida eu notei
I bem longe avistei
Vino da banda di lá
Uma luiz iguar lamparina
Bem no morro lá im cima
Era o tar di Boitatá


Abordar um Brasil interiorano é também abordar a sua fauna e flora e citar representantes como a onça pintada, o bem-te-vi, a cotia, a sucupira e a embaúba. Ao mesmo tempo em que Ditão descreve a beleza e a riqueza das matas brasileiras, ele também fala de seus problemas recorrentes, como as queimadas. Impossível não se emocionar com o modo como ele descreve o alastramento do fogo e o consequente desespero dos animais e (por que não) das plantas.
Di repenti o pica-pau
Grita pra alertá (...)
Pusero fogo no mato
Temo que i apagá
(...)
O inxame di abeias
C’a rainha debandô
Só se ovia o istrondo
Do bambu que istorô
A fumaça foi demai
Que inté a árve chorô


Por sorte, no mundo folclórico, os problemas se resolvem por magia, e o saci, como defensor da mata, traz a chuva que apaga o incêndio.
Fiz magia veio a chuva
I o incêndio se apagô
Um rastro di destruição
Pela froresta ficô
Tentano apagá o fogo
Minha perna se queimô


Além da natureza, quem conhece ou vive no interior do país sabe da importância das
festas populares (de cunho religioso) nessas regiões. No livro, apesar de existirem passagens que exemplificam vários tipos de cultos e tradições, o destaque fica com a Festa do Divino, muito celebrada em diversos Estados, e que ganha uma “estória” completa em um capítulo. Quanto à culinária caipira, paçoca, pamonha, arroz doce, doce de abóbora, doce de leite, canjica e afogado de carne ajudam a recender as páginas com a ajuda do fogão a lenha.
As foia é preparada
Di uma em uma é lavada
Pra fazê o copinho
Minina segura a caneca
Pamonha vira boneca
Da cintura marradinha


Ao contextualizar o mundo rural com suas crenças, hábitos e situação socioeconômica, as estórias traçam paralelos com a situação do mundo moderno, seja por meio de catástrofes naturais (como as temidas “ondas gigantes”), seja por meio da migração do homem rural para a cidade ou ainda, dos aparatos tecnológicos que inundam os campos.
O caipira ino embora
Vai cabá sua curtura
Num sô contra calipio
Mai sim a monocurtura
Num comemo celulose
Nem essa madera dura
É cum sede di dinhero
Que cometem essa locura



É deste Brasil interiorano e folclórico que vem o autor, Ditão Virgílio. Nascido em São Luiz do Paraitinga em 1949, Ditão é agricultor e “poeta caipira”, como bem define Jô Amado. Além disso, na ocasião do lançamento de “Estórias de Uma Perna Só” em 2010, o escritor mostrou-se um “especialista em sacis”, ao esmiuçar as diferenças entre os “tipos” de saci e afirmar que os vê desde a infância. No entanto, deixou claro que saci “não aparece para todo mundo”. No livro, o saci avisa:
Quano tá na luiz do dia
Tem gente que faiz gozação
Dizeno que nun existo
Que é mentira ou invenção
Mai no escuro i sozinho,
Quano faço a aparição
Grita pur tudo os santo
Chora e pede perdão


Para entrar em contato com os editores da obra, escreva para re9artesgraficas@hotmail.com .



Originalmente publicado em Panis & Circus

lunedì 29 ottobre 2012

Uma estrela caiu na minha coca-cola



Foi com um grito contido que anunciei ao mundo que uma estrela caíra no meu copo de coca-cola.

Era um final de tarde, desses de horário de verão, em que às 7h da noite, ainda é possível ver a cara do sol. Lá estava eu em um parque, sentado em um banco em pleno gramado, a contemplar um lago verde-musgo a minha frente. O copo de coca-cola gelava os meus dedos (que deliciosa sensação!) e no meio de um suspiro, ao me lembrar que uma segunda-feira me esperava em poucas horas, olhei para o céu, que ainda estava claro, e lá no alto, vi uma pequena estrela, a única a brilhar sobre o parque naquele instante. Voltei meu olhar para o lago verde-musgo e de repente, ploft!: algo caiu no meu copo de coca-cola. Por sorte, ele não estava completamente cheio, e por isto, as gotas que pularam, não me molharam. Para a minha surpresa, encontrei na minha bebida não um besouro, nem uma mosca ou pernilongo, mas sim, uma estrela.

Foi neste momento que o meu grito forte e mudo explodiu dentro de mim e seus estilhaços se espalharam pelo parque, sem que nenhum dos presentes desse atenção a mim e ao fato. Olhei para o céu e vi que faltava a estrela que havia visto há poucos segundos. Ela desgrudara-se do céu e caíra no meu copo. Mas como? Sempre pensei que estrelas fossem esferas de gás, cuja luz viaja milhões de quilômetros para chegar à Terra. Além disto, se as vemos pequeninas, é porque na realidade, são gigantescas bolas de calor e luz que se encontram muito distantes de nós. No entanto, o que vi em meu copo foi uma minúscula estrela de cinco pontas, tão pontiaguda quanto os espinhos de uma roseira e tão brilhante como os olhos de um esperançoso. Repousava com calma no fundo do copo, como se ali pertencesse, e da mesma forma que as estrelas-do-mar, balançava-se suavemente com as ondas criadas por mim ao sacudir o copo.

Como perdi a vontade de beber a minha coca-cola, fui para a casa, a fim de avaliar melhor a estrela em meu copo- que por sinal, estava pesadíssimo. A noite chegou e com ela, as demais estrelas. Entretanto, o lugar onde eu vira a estrelinha ainda no céu azul, estava vazio e silencioso: uma estrela calara-se ali. Sei que as estrelas morrem, mas daí, a tentar suicídio em meu copo de coca-cola, é uma ousadia um tanto quanto bizarra! Quando cheguei em casa, ela se mantinha quieta no fundo do copo, sem me parecer morta.

Com uma pinça, pesquei a estrelinha do fundo de meu copo e para aumentar a minha surpresa, vi que ela era transparente como um cristal. Coloquei-a na palma da mão e mais uma vez constatei que não era leve: pesava como um pedaço de ferro. Suas pontas feriram-me a mão, mas seu brilho reluzente encantou-me os olhos.

Então me lembrei do poder da coca-cola como adstringente. Na minha juventude, minha mãe sempre me dizia "cuidado, menino, com a coca-cola! ela faz mal ao estômago" e pegava minhas garrafas e latinhas de coca na geladeira para esvaziá-las em alguma pia ou privadas entupidas. Se a coca-cola chegou mesmo a desentupir a privada ou a pia, eu não sei; mas cheguei a pensar, que talvez, os componentes da coca tenham derretido a estrela, a ponto de reduzi-la ao tamanho de um grão de arroz.

O problema é que não sou cientista, mas contador e, portanto, não entendo nada de estrelas, galáxias e planetas. Também não conheço nenhum estudioso da área e caso levasse a estrela a alguma autoridade, poderiam tomar-me como lelé.

Nas semanas que se passaram desde então, conservo a estrela em um cinzeiro. Apesar de não mais fumar, o cinzeiro manteve-se na minha mesa da sala e agora, creio ter encontrado uma nova finalidade para ele. Todos os dias, quando chego do trabalho, vejo o raio de luz que sai da estrela e que se reflete no forro, sem perfurá-lo. Um pequeno ponto de luz forma-se no forro, como se ali houvesse um novo céu. É quando afrouxo o nó da gravata e corro a encher um copo com coca-cola, para em seguida, sentar-me no sofá e apreciar a estrela e o seu “céu”. Penso em infinitos e em insignificâncias. Penso no universo e no meu lar. Minha sala se enche de luz e minha vida solitária, também. Dou um gole em minha coca-cola.

Confesso que fiquei traumatizado com o tombo da estrela em meu copo de coca-cola. Imaginem se ela me cai na cabeça, o galo que formaria? E se me cai no olho, enquanto estivesse a observá-la no céu? Esmagar-me-ia a retina! Assim, com tamanho medo de que alguma outra estrela me atinja, passei a andar pelas ruas com um capacete de pedreiro e também com um guarda-chuva revestido a couro. Obviamente, chamo a atenção das pessoas com o meu novo look e no trabalho, já me apelidaram de "prevenção", ainda que não saibam do quê me previno. Eu não ligo; afinal, nunca se sabe quando uma estrela pode cair.

Minha consciência segue tranquila, pois aquele dia, avisei a todos com meu grito lá no parque do que acontecera. Mas as pessoas não me deram atenção: elas nunca ligam para coisas importantes, ainda que sejam anunciadas a gritos mudos. Uma estrela caiu no meu copo de coca-cola e o quê importa? Se nem todos observam as estrelas, como poderiam sentir a falta de uma? Aposto que se uma coca-cola atingisse uma estrela, todos falariam. “O poder da coca (não necessariamente o de desentupir privadas e afins) conquistou as estrelas”, diriam. Mas uma coca-cola ser conquistada por uma estrela? Nunca! Dessa forma, continuo a me prevenir. Até porque, por que se importariam se uma nova estrela caísse sobre mim?

giovedì 13 settembre 2012

Os 70 anos do intenso Zorba

Anthony Quinn e Alan Bates interpretam Zorba e o escritor no filme homônimo de Michael Cacoyannis, de 1964



Quando o cardápio é a literatura, é fato que existem livros para serem degustados e outros para serem devorados. No caso de “Zorba, o Grego”, uma degustação para os que têm um paladar delicado cairia muito bem, já que a obra é repleta de pequenas grandes frases. Por outro lado, o livro é um prato-cheio para os que têm uma imensa fome por páginas intensas, onde o sabor varia de doce a ácido com rapidez. Um bom vinho acompanha bem a ambas as leituras, pois assim, pode-se sentir com maior prazer o gosto encantador da Grécia.

Lançado em 1942, esta é a obra mais conhecida do escritor grego Nikos Kazantzakis (1885-1957). É com o fervor de quem lutava pela vida após descobrir-se com leucemia que Kazantzakis escreve. Assim, fala sobre a sua Creta, sobre guerras em seu país, sobre lugares distantes, sobre pessoas e suas vidas. Segundo o posfácio de uma edição de 1973, pela Editora Círculo do Livro (ao longo dos anos, “Zorba, o Grego” foi editado várias vezes no Brasil), talvez, esta seja uma das épocas mais produtivas do autor: como se “a pressa o impelisse a escrever mais e mais”.

Mas nem as guerras, nem os lugares, nem todas as pessoas são o tema central da história, que aborda algo muito mais belo e humano: a amizade. É a amizade entre Zorba, um sessentão rústico em educação (escolar), mas com uma sensibilidade incrível pela vida e um jovem escritor, com uma grande sensibilidade pelas letras, mas rústico pela vida que move a história desses dois homens, desses dois mundos. A dualidade transpassa ao leitor (que deve se sentir mais na pele do escritor do que na de Zorba) um sentido cru da vida. É a inteligência, o bom humor, a habilidade para produzir e sair de problemas (“a vida é encrenca, só a morte é sossego”), além das tristezas do grego Zorba que conduzem o leitor ao estado bruto de uma massa aparentemente sem sentido, que como uma pedra, só deixa a sua condição vazia de pedra ao ser observada com cuidado e ter uma utilidade.

Para se compreender o estado de hilaridade e de multiplicidade facetada do personagem, é melhor deixá-lo se apresentar sozinho: “Alexis Zorba. Me chamam ‘Pá de Forno’, de brincadeira, porque sou magro e de cabeça comprida. Mas podem falar! Me chamam ainda de ‘Passatempo’, pois durante algum tempo vendi caroços de abóbora torrados. E também de Míldio, por toda parte onde estive, pois parece que faço muitos estragos. Tenho ainda outros apelidos, mas isso fica para outra vez...”.

Esta personalidade divertida do personagem foi inspirada a partir de um outro Zorba, tão real e inesquecível para Kazantzakis: Georges Zorba. Conta-se que Kazantzakis conheceu Georges Zorba por acaso, em 1917, e que um dia, tentou explorar com este, uma mina de linhita: eis a base do enredo da obra, que faz do personagem-escritor um patrão (não no sentido estrito da palavra) do personagem-Zorba. O detalhe é que tanto no livro, quanto na realidade, a exploração da mina foi um completo desastre do ponto de vista econômico, porém riquíssima em termos de experiência de vida para os dois “escritores”.

Ao retratar um pouco da vida do povo de Creta nas primeiras décadas do século XX, Kazantzakis põe em evidência alguns dos fantasmas de outros séculos (trazidos principalmente devido a guerras) que assombraram muitos de seus moradores. A população, fechada em seus costumes e tradições, é representada por personagens como Mavrandoni, tio Anagnosti, além da cobiçada viúva: nenhum deles, em momento algum, abre mão de seus princípios, sejam estes a recepção de visitantes, a busca (ainda que violenta) por justiça ou o distanciamento do que é repugnante. O contraste com o modo de vida tradicional cretense fica por conta da francesa Madame Hortense, também intensa e apaixonada pela vida, e que na juventude, percorreu meio mundo através dos bordéis em que trabalhava, antes de passar a velhice em Creta e tornar-se dona de um hotel (e interessar-se por Zorba, que não sabia dizer “não” a ninguém da “espécie fêmea”).

A atmosfera da história é completada com o santuri, um instrumento de cordas, que nas palavras de Zorba, possui alma própria. Sua música ecoa pelo mar e pelas colinas, até chegar aos ouvidos do leitor, que neste momento, já está totalmente absorvido pela vida na ilha e digere com afinco seus frutos (independente se é do tipo “degustador” ou “devorador”). Na confusão de sons, o aventureiro Zorba (que por ser uma figueira, não consegue dar cerejas) diz: “Ou a Terra tem que diminuir, ou eu tenho que aumentar”.

As páginas passam, as estações mudam, o escritor aprende a dançar com Zorba, estes se separam, os anos correm e Zorba, um dia, morre. Seu animal selvagem (ou o seu santuri) é deixado de herança ao escritor, que relata em um papel as conversas, os gestos, os risos, as lágrimas e as danças de Alexis Zorba (ou se deve dizer aqui Georges Zorba?). “[Deus] deve olhar para mim das alturas e se torcer de rir”, comenta Zorba (e já pouco importa qual deles) sobre a sua vida.




martedì 28 agosto 2012

As coisas que fazemos no computador


Provavelmente, os primeiros a usarem o telefone gritavam nele como se ele fosse um autofalante (alguns dos meus conhecidos ainda o fazem). Até que seus usuários entenderam que o novo meio impunha novas regras: não se podia telefonar às quatro da manhã e, além disto, não se devia nunca, em nenhum caso, ligar para alguém e dizer: "Quem?".
O correio eletrônico atravessou a mesma fase pioneira, mas talvez ainda precise de regras. Eis, então, algumas delas, fruto de um certo uso (e alguns abusos):

-Não é necessário enviar a mensagem em cinco cópias. Uma basta.
-Não é preciso telefonar para saber se a mensagem chegou.
-Evite mensagens longas. Três parágrafos é o máximo admitido (se é uma declaração de amor, dois bastam).
-Evite mensagens cerimoniosas por demais. "Prezado Prof. Me.", "Exmo Sr. Dr." já fazem rir em uma carta. No correio eletrônico, tornam-se grotescos.
-Evite mensagens muito informais. Se for escrever ao Umberto Eco, não comece com "E aí, Betão!".
-Responder é cortês, mas não é obrigatório.
-Acima de tudo, evite mandar desenhos, músicas, foto do gato, a menos que tenha intimidade com o destinatário (ou não queira puni-lo).
-Não se preocupe demais com a sintaxe ou com a ortografia. Mas um pouco, sim. Releia a mensagem ao menos uma vez. Evite escrever: "Querido Teresa, você devesa ber qeu chegei tarde ontem a noite e não foi posivel te ligr. Naõ some. Tchau, Monica". Em uma mensagem, um erro, fruto da pressa, é perdoável, mas quinze, jamais!
-Escreva somente se tiver algo para dizer!



Adaptado do "Manuale Dell'Uomo Domestico" de Beppe Severgnini- citado em "Nuovo
Progetto Italiano"

Traduzido e adaptado por Bruna G.

mercoledì 15 agosto 2012

O jeito burro de ser besouro


Não sei por que, mas aonde vou, encontro aquelas criaturinhas negras e de patas pegajosas, os besouros. Apesar de gostar de observá-los, confesso que há algo neles que me incomoda: como são idiotas! É óbvio que se fossem mais inteligentes, talvez não fossem besouros, mas quem sabe, cachorros, cavalos ou até burros. Eis aí outra coisa que me incomoda: se alguém tem pouca inteligência, é burro. Se faz algo estúpido, é burro. Se não entende a piada, é burro com certeza. No entanto, se o besouro é muito mais burro que o burro, por que não chamar os seres burros de besouros? Por que não dizer “como é besouro!”, ao invés de “como é burro!”?

É certo que o burro carrega cargas muito maiores do que pode suportar e nunca reclama de nada. Mas, quem é que quando cai fica com as perninhas para cima a se chacoalhar infinitamente? Quem é que segue em linha reta, somente pelo fato de ir, sem nem saber para onde vai? Quem é que se agarra ao primeiro objeto a sua frente, seja ele uma folha ou um palito de fósforos, sem imaginar para onde será levado?

Não que eu seja uma defensora dos burros (não faço parte de ONG alguma), mas o comportamento dos besouros é algo deplorável! Quantas vezes tentei salvá-los de um perigo, quando um de seus representantes caminhava a passinhos rápidos e sem rumo no meio da sala de estar? E o que eles fizeram (coloco no plural, pois todos têm a mesma atitude)? Ignoraram o apoio que tentei lhes dar! Preferiram continuar a caminhar sem rumo e correr o risco de serem esmagados por um gigantesco sapato, quando poderiam ser levados em segurança para os gerânios na jardineira! Isto sem contar quando tentei tirá-los da situação constrangedora de permanecer com as seis patas para cima em movimento. "Como se o mundo estivesse de cabeça para baixo", eles poderiam se justificar, ao tentarem uma desculpa esfarrapada para a situação. Mas não, são muito burros, digo, besouros para isto... Preferem continuar com as perninhas para o ar enquanto tentam desvirar o corpo sozinhos, a aceitar a minha mão amiga. Como são orgulhosos os besouros!

Por tudo isso, sou a favor de substituir o termo "orelhas de burro" por "cascas de besouro". Nos meus tempos de menina, quando as escolas tinham maneiras rígidas de ensinar e, até mesmo, de educar os alunos (estou informada de que hoje as escolas ensinam e os pais educam, conforme li em alguma rede social), ai daquele que não respondesse corretamente a tabuada ou que não tivesse feito o dever de casa! Era orelha de burro na certa! O coitadinho era obrigado a usar um cone na cabeça, que representava as orelhas do burro, e assim ficava até o término da lição (por sorte, nunca passei por isto, aluna aplicada que era). Enfatizo que uma casquinha de besouro seria muito mais apropriada para a situação: ao contrário de se imaginar com rabo e com grandes orelhas a percorrer uma estradinha, o aluno indisciplinar poderia imaginar a si próprio com cascas e antenas, a tentar desvirar o próprio corpo, enquanto pedalaria uma bicicleta imaginária para cima.

Sei que posso ter sido cruel com este exemplo, mas justiça seja feita, não é mesmo? Para reforçar o quão injustiçados são os burros em nossa sociedade, cito um novo exemplo, que me veio agora à mente: há alguns dias, estava eu em meu quarto a ler um livro de contos e recordo que me divertia muito com as histórias. Era já noite e nada melhor do que ficar quentinha na cama a devorar um livro. Bem, a certa altura, quando desviei momentaneamente o meu olhar do livro, o que vejo? Um besouro a caminhar pelo forro do teto! O burrinho (me desculpem a força de expressão!) queria chegar perto da luz emitida pela lâmpada, mas para isto, teria que enfrentar a fúria de minúsculos (quase invisíveis) mosquitos que ali estavam. Sei que o nosso inteligente herói andava um longo pedaço em linha reta, até se deparar com os horríveis mosquitinhos, que mostrando suas máscaras negras, o espaventavam. Então, o besouro retornava pela mesma linha reta, até se dar conta de que chegara novamente à parede, o que significava, em seu cérebro de besouro, que deveria retornar à lâmpada.

Eu, que li muitas páginas do livro, perdi a noção do tempo de quantas vezes o besouro foi de lá para cá. Até que, cansada daquela imbecilidade, apaguei a luz e fui dormir. No dia seguinte, não havia besouro e nem mosquitinhos no forro do meu quarto e, quem sabe, o besouro tenha sido devorado pelos mosquitinhos em um ritual sangrento, sem nem ao menos ter se dado conta disto até agora.


Imagem: Judite Pimentel

mercoledì 8 agosto 2012

Os 80 anos da múmia de Karloff


Imagine-se em 1932, época em que as imagens de cinema eram em preto-e-branco e que qualquer sombra mais distorcida fazia medo. Imagine-se agora em uma poltrona, a assistir a história de um morto-vivo, de um monstro, de um homem embalsamado que retorna dos mortos após 3700 anos. Assustador, não? Há oitenta anos, com toda certeza: afinal, era a primeira vez que o público via nas telas o filme “A Múmia” (“Ela vem à vida”, anunciava o cartaz oficial do filme, com a foto da terrível múmia ao lado); mas hoje, definitivamente, não (principalmente com um público acostumado a ver monstros “reais”, criados por meio de computadores, a arrancarem a cabeça dos atores em cena). Desde que a múmia “veio à vida”, este ícone do cinema nunca deixou de povoar o imaginário de cineastas e cinéfilos, servindo de inspiração para outras tantas versões.


Dirigido por Karl Freund, o elenco de “A Múmia” traz atores presentes em filmes de terror da época, como Bóris Karloff, Edward van Sloan e David Manners. O trio repete um pouco o posicionamento de cada um em filmes anteriores, como Karloff na atuação (impecável) da múmia (tendo feito o monstro em “Frankenstein” um ano antes), Sloan sempre na atuação do cientista (bem como em “Frankenstein” e “Drácula”, também de 1931) e Manners no eterno papel de amigo ou namorado da protagonista (“Drácula”). Entretanto, isto não minimiza a importância de seus trabalhos, que foram bem feitos. Pode-se até pensar que esses são os atores perfeitos para eternizar tais papeis- o que é mais evidente em Karloff, com seu porte alto e ossos fortes, além de seu olhar melancólico: teria múmia melhor do que ele?

Se Freund achou que não (e tinha razão), as características físicas da criatura em trapos foram muito bem elaboradas por Jack Pierce, o maquiador. Pierce não teve piedade de Karloff e o envolveu por completo em ataduras, sem nem ao menos pensar nas necessidades físicas do ator durante o dia. Também colou substâncias desagradáveis em seu rosto, que ardiam seus olhos e que eram dolorosíssimas para serem retiradas, tudo para que o ator parecesse um corpo embalsamado e ressequido pelo tempo, cujos trapos que se arrastaram pelo chão após o seu retorno à vida, levaram à loucura o jovem arqueólogo que o ressuscitou (e sabe-se mais, quantas outras pessoas enlouqueceram ao vê-lo!). Karloff, além de bom ator, era também considerado por seus colegas de trabalho um grande cavalheiro e por isto, jamais reclamou das “torturas” diárias que sofreu durante as maquiagens desse e de outros personagens- para ser transformado na múmia de Im-Ho-Tep, gastava-se cerca de oito horas.

Como se não bastasse, as horas de gravação eram longas e exauriam a equipe. No minidocumentário contido nos extras de “A Múmia” da Coleção Monsters (lançado em meados dos anos 2000 pela Universal, responsável por este e outros clássicos), conta-se que na cena em que Im-Ho-Tep (ou Ardath Bey, nome com o qual se apresentou à sociedade egípcia nos anos de 1930) mostra a sua amada, reencarnada no corpo de Helen Grosvenor, quem ela fora em tempos antigos, a atriz húngara Zita Johann, que vivia Helen e Anck-Es-En-Amon (a “amada”), perdeu os sentidos devido ao cansaço e à falta de alimentação após tantas horas de trabalho.

Apesar das dificuldades na produção, o resultado foi satisfatório. O filme, que mescla os gêneros terror e romance, foi um sucesso em seu lançamento. São 73 minutos em que o histórico e o lendário se misturam: múmias existem, mas daí a serem despertadas, ou ainda, a cair em desgraça quem violar suas tumbas é algo que só místicos afirmam- mas que podem virar notícias de jornais se coincidências (?) acontecerem. Além disto, o eterno amor de Im-Ho-Tep por Anck-Es-En-Amon é algo que enche os olhos dos mais sensíveis: um amor que ultrapassou milênios e também, até os mistérios da morte.

Com os elementos certos, “A Múmia” perambula pelos anos e por mais que hoje não assuste mais ninguém, sua narrativa ainda tem a força dos monstros consagrados. Não é preciso tapar os olhos no momento em que Im-Ho-Tep é despertado de sua morte, mas é preciso acreditar que ali existe uma múmia ressuscitada. Eis a força de “A Múmia” e de todos os clássicos de terror de sua época. Com elegância, fazem de um detalhe (seja ele uma maquiagem, uma música, ou um enquadramento, por exemplo) algo mágico. Como é difícil quebrar um encantamento, este, ao ultrapassar o tempo, produz seus feitiços em quem o olha. Este é o perigo. Esta é a emoção. Este é o verdadeiro susto do filme.

domenica 20 maggio 2012

Poetas também já foram crianças

"fiz 1/tinha 3/ fiz 10/tinha 30/ fiz 30/tinha 90/ hoje tenho 108/ na minha vida 1=3"- poema "Idades" do livro "Cor de Cadáver" de Jovino Machado


A pessoa que aqui escreve já foi criança. Assim como os pilotos de avião, os otorrinolaringologistas, os carteiros, os agricultores, os garis, o criador da “Monalisa” e também os poetas. A alma infantil, que é sempre a mesma em cada um destes e de outros corpos, esvai-se quando se atinge certa idade. O que sobra de sua pureza é somente a sensibilidade para permanecer no universo das pessoas “grandes”.

No ramo da poesia, a sensibilidade exacerbada na maneira de ver o mundo é algo fundamental nas entranhas de um poeta. E como a infância pode ajudar na construção dessa visão? O poeta mineiro Jovino Machado, um adulto de quase cinquenta anos, comenta por e-mail sobre a literatura no mundo infantil e a importância dela na sua formação. Ele, que brincava de ser Robin Hood e que fazia de uma caixa de maçãs uma biblioteca para as suas revistas em quadrinhos, afirma não ter talento para escrever poesias para as crianças. Sua sensibilidade, em livros como “Cor de Cadáver” (Anome Livros, 2008) e ”Fratura Exposta” (Anome Livros, 2005), é forte o bastante para brincar com sentimentos e sensações do mundo adulto. “Robin Hood” tornou-se grande.


O que é mais importante nas histórias infantis: reforçar valores (como a moralidade, o amor, a ética) ou formar leitores?
Jovino Machado Formar leitores. Um autor não tem que pensar em valores na hora de criar. Na hora de criar, ele tem que vender a mãe.

Quando uma criança abre um livro, de que maneira ela pode encontrar a verdadeira poesia naquela obra?
Jovino Machado Ela pode encontrar poesia em qualquer lugar. Quando ela abre um livro, pode encontrar poesia num texto bem feito que possa prender a sua atenção. Um texto feito com talento, originalidade e criatividade seduz o leitor e ele não consegue parar a leitura antes do final. Um bom casamento entre texto e ilustração (como por exemplo, nos livros de Ângela Lago) podem também contribuir muito nesse sentido.

Comente um pouco sobre as suas histórias preferidas e em como tais livros o ajudaram a se tornar poeta.
Jovino Machado Eu sempre tive livros em casa. Até hoje gosto muito das fábulas, mas acho que as histórias em quadrinhos me influenciaram muito. Com nove anos de idade eu já tinha uma pequena biblioteca de revistinhas dentro de uma caixa de maçãs. Eu gostava demais de desenhar na minha infância e era muito bom inventar novas caras para os artistas dos faroestes que eu via no cinema. Os livros que me ajudaram a me tornar poeta foram as obras dos próprios autores de poemas, como [Carlos] Drummond [de Andrade], [Manuel] Bandeira, Cecília [Meirelles], Olavo Bilac (que hoje acho chato, mas adoro a letra do Hino da Bandeira), Castro Alves e outros que conheci no quadro negro dos anos 1970. “Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães, foi o primeiro romance adulto que eu li (tinha doze anos) e fiquei fascinado. Mas as histórias decisivas para a construção de uma obra poética foram as narrativas de Machado de Assis, Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, Balzac, Autran Dourado, Fernando Sabino, Darcy Ribeiro, Proust, Sartre, Virgínia Woolf; o cinema de Nelson Pereira dos Santos, Godard e Glauber Rocha; a música de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Tom Jobim além, é claro, do violão de João Gilberto. Gosto imensamente de pintura e as obras de Picasso, Modigliani, Rodin, Camille Claudel, Salvador Dali , Degas, Monet, Coubert e muitos outros também contribuíram muito na minha formação de artista.

Qual personagem de livro você brincava de ser? Em que sentido ele o instigava?
Jovino Machado Eu brincava de ser o Robin Hood e o Homem Aranha. Eu gostava muito de brincar de índio. Eu tinha “Forte Apache”.

Ainda lê ou relê livros infantis? Por quê?
Jovino Machado Eu leio muito jornal. [Livros] não releio quase. Para mim a leitura é uma coisa tão patológica que eu fico com medo de perder tempo e não conseguir ler todos os livros que me interessam e eles são muitos. Este ano, comecei as leituras de livros no domingo de carnaval e já li quatorze. Em 2013 faço cinquenta anos e quero chegar aos mil livros.

O que pensa da literatura infantil que é escrita hoje?
Jovino Machado Eu gosto muito dos livros da Ângela Lago.

Já pensou em fazer versos para os pequenos?
Jovino Machado Não !!! Não tenho talento para isso.

martedì 8 maggio 2012

De repente se fez amor

De repente se fez amor. Assim, de um dia para o outro, sem que se esperasse, sem aviso, sem bilhete. O coração (aquele órgão que mais apanha do que bate) foi pego novamente de surpresa e agora suspira paixões eternas, palavras tolas, futilidades úteis. Mais uma vez tudo começa: a perfeição do instante, a beleza do azul, o quanto é magnífico viver! Sim, porque a vida sem o maldito amor não é nada além de vazio, de solidão, de frieza. Viver sem amor é igualar-se a um oceano, sempre superficialmente sereno, mas com profundezas escuras e gélidas, onde nem mesmo as mais extravagantes criaturas conseguem viver. O que sabem da vida os mau-amados? Mas para aqueles que amam e que sabem que são amados, o mundo é infinito! E lá está o coração, o símbolo de toda essa maluquice, a expor-se a mais uma prova, a tentar, tentar, tentar. Esforça-se por pouco e luta contra um leão, mesmo sendo do tamanho de uma formosa maçã. Dá vivas, saltos e olés, e quando se sente cansado, recebe uma enxurrada de melopraticidades (o seu combustível) e logo se revigora. Porque o amor que ele contém, é tão mais frágil do que um dente-de-leão: basta um simples sopro para desfazer-se em centenas de pequenas pétalas, que separadas, nada são. Deve-se saber que o amor é hoje, é ontem, mas também é (principalmente) amanhã. É uma construção do tempo, que tem o dever de renovar-se a cada dia, implorando ao coração para suportá-lo. Porém, lá do alto, o cérebro (aquele incansavelmente chato) questiona: "se o coração é uno, por que o amor pode ser multi?". Bem, daí, o coração, que em outras vezes possuiu o amor, recorda-se de todas as suas chegadas e de todas as suas partidas; nem sempre é possível vencer uma luta! Mas bom guerreiro que é, mais uma vez aceita a prova e agarra aquele maleável sentimento. E lá no dicionário, o Michaelis, suas linhas dizem: amor, "sentimento que impele as pessoas para o que se lhes afigura belo, digno ou grandioso". Certamente o amor dos inamorados cerca a grandiosidade do que é dignamente belo, ainda que isto não configure, necessariamente, a realidade aos olhos dos outros. Basta somente existir para sentir e sentir, para ser amor. O que importam as opiniões alheias? A "coisa", amor, é um culto, uma veneração ao seu objeto, e também uma ambição e uma cobiça, como bem ensina o dicionário. Quando de repente tudo se faz amor, o que mais resta ao corpo? E à mente? Tão próximo da ilusão está o amor, que algumas vezes, faz confusões entre os seus significados. Ainda assim, a alegria de portar aos olhos um belo dia cinzento de chuva ou um pôr-do-sol tão diferente dos outros custam muito àquela máquina que caminha e que pensa (e que agora sente). Porque o amor traz necessidades, necessidades antes nunca possuídas e imaginadas. É um mistério, talvez muito maior e mais profundo do que os das pessoas que são como os oceanos, pois não se pode compreender a sua ânsia em ser uma trilha selvagem a cada vez que surge. Esta é a necessidade do amor. E como as trilhas selvagens, surge e ressurge quando bem quiser. Imagem: Paul Cezzane, 1876/77

venerdì 6 gennaio 2012

A Joaninha de Veríssimo

Nestes 600 anos de nascimento da lendária Joana D’Arc (1412-1431), destaco um livro cujo título é simples e direto: “A Vida de Joana D’Arc” (Editora Globo, 1978), de Érico Veríssimo. Conforme anuncia, o livro aborda do nascimento à execução na fogueira daquela que foi considerada heroína de uma guerra (a dos “Cem Anos”- 1337-1453) e séculos depois, elevada à condição de santa (padroeira da França).

Como para falar sobre Joana D’Arc é necessário retornar séculos no tempo, existem várias versões de episódios envolvendo o nome da “Donzela”. Bom, mas se escritores, cineastas e outros interessados na vida de personagens históricos levassem à risca a necessidade de se comprovar todos os detalhes, não teríamos tantas produções sobre Cleópatra (69? a.C- 30 a.C), a rainha do Egito, por exemplo. No caso da figura principal deste texto, Veríssimo explica no prefácio do livro (o prefácio foi escrito em 1960, quase 30 após a publicação da primeira edição):

“Acabei mandando para o diabo todas as limitações [editoriais] e escrevi a história como achei que devia escrevê-la, sem pensar em conveniências tipográficas nem na idade de seus possíveis leitores. O resultado é este livro em que a vida da Donzela aparece romanceada até onde foi possível fazer isso sem trair a verdade histórica”.

Veríssimo, que ainda no prefácio se diz um “fascinado” por Joana D’Arc, apesar de ter realizado uma grande pesquisa histórica sobre a Donzela, realmente romanceou a sua vida até onde foi possível (!). A primeira impressão sobre a “menina Joana” (ou “Joaninha”) é como sendo meiga com seus amiguinhos, doce com os seus animais, plantas e rio, além de muito trabalhadora e religiosa. O autor, que diz dar ao texto “riqueza de cores”, acaba exagerando, muitas vezes, em suas pinceladas, e o resultado é um excesso de cores (principalmente no começo do livro), onde até o burrinho de Joana é repleto da melhor “pureza animal”. Ao destacar as crendices de Domrémy, na Lorena (onde a francesa Joana nasceu) do começo do século XV, como a de fadas que habitam em bosques, pensa-se que durante a infância, Joana estaria apta a protagonizar um conto-de-fadas, onde (quase) tudo era belo e perfeito. Se a guerra contra os ingleses criava rixas entre a população local, isto, a princípio, não interessava tanto à garota, que além de não compreender o que se passava, tinha como principal interesse a devoção por santos.

Como diz a História (neste caso, não necessariamente me refiro ao livro de Veríssimo), Joana D’Arc, que via a imagem espiritual de santos e recebia mensagens destes, tornou-se conhecida graças a estas visões: envolveu-se com a guerra, defendendo o seu povo e conseguindo algumas vitórias (eis a heroína), mas acabou sendo presa, julgada e condenada à morte por heresia. Na história de Veríssimo, os santos foram claros com Joana sobre o fim de sua missão: tomar dos inimigos os lugares citados por eles e entregar a coroa ao rei Carlos VII (como bem dizia a profecia de que uma donzela montada em um cavalo e vestida como homem conseguiria). Mas a Donzela, agora transformada em heroína, não é mais a menina meiga da infância, e Veríssimo retira um pouco de “suas cores”, relembrando ao leitor (finalmente), que aquela história é real. Então, a heroína Joana, que só vê batalhas e conquistas pela frente, só quer lutar e tomar Paris, para também dá-la ao rei. Neste ponto, o biógrafo retrata as batalhas com as “cores certas”, ou seja: sem exceder ou faltar com adjetivos e verbos de ação.

No livro, as visões de Joana, além de darem ao texto a aura do momento, também trazem um breve retrato histórico da vida de lendárias e santas figuras, como Santa Catarina e Santa Margarida. Como o principal sobre a vida da Santa Joana D’Arc já é supostamente conhecido dos leitores, a associação que se tem com essas páginas é que se houve um grande sofrimento no instante da morte das primeiras santas (e páginas depois, no de Joana), ele será recompensado na passagem para o “reino dos céus”- como se já consolasse o leitor de que aquela terna menina, apesar da morte horrível que a esperava, teria o seu nome gratificado (mas neste caso, como explica Veríssimo no posfácio, o nome de Joana D’Arc só ganhou reconhecimento cinco séculos depois de sua morte).

Independente do fanatismo patriota ou religioso que se apossou da jovem de Domrémy, o fato é que Joana foi capturada e levada a julgamento (o próprio rei, Carlos VII, prefere esquecer aquela que o ajudou e preocupar-se apenas com a sua “vida de rei”, conforme mostra Veríssimo ao narrar os pensamentos de Carlos VII). Os "interrogadores" precisavam punir àquela que saiu de uma aldeia pobre e fez sucesso na França com a sua ousadia nas batalhas e palavras profanas! Que motivo mais óbvio para puni-la senão o seu fanatismo religioso, que agora, crescia em boatos pelas várias cidades francesas (Joana, com suas visões, era tida como milagrosa pela população)? Veríssimo é cauteloso com os detalhes de seus depoimentos, que se não seguem com rigor as palavras realmente ditas pela Donzela, ao menos seguem as palavras cravadas na História e tidas como suas. Assim, a herege, feiticeira e cismática Joana D’Arc foi queimada viva na fogueira aos dezenove anos de idade por não renunciar aos seus princípios (religiosos e de pátria- os "interrogadores" queriam que ela voltasse a se vestir com roupas femininas).

Já no posfácio, Veríssimo, que conversa com “Joaninha”, narra a ela muito do que se passou nos muitos e muitos anos seguintes: outras tantas guerras que vieram e se foram, bem como as invenções tecnológicas até o início do século XX. Mas finaliza, voltando às “cores do começo”, como se todos os burrinhos da Lorena tivessem as mesmas características amáveis daquele da menina Joana.

giovedì 5 gennaio 2012

A jovem e o bem-te-vi


Aos pés de uma colina descansava um vilarejo. Suas casinhas eram simples, mas agradáveis, com flores coloridas pelo chão. Homens e mulheres trabalhavam em suas lavouras, crianças brincavam com seus burricos e uma jovem cosia eternamente um pedaço de tecido. É preciso dizer que esta jovem tinha a pele fresca como as maçãs regadas com o sereno da noite, mas era também frágil como a um beija-flor; a pobrezinha era doente, ou melhor, seu coração era doente. Por isto, a jovem quase nunca saía de casa e passava os dias em seu quarto, a coser, coser, coser...
Só que agora, a jovem arranjara mais uma atividade para acompanhá-la na sua solidão: para a sua surpresa, seu coração, por mais doente que fosse, ainda tinha capacidade para pulsar ardentemente uma paixão; a jovenzinha amava! Amava já há algumas semanas, quando tivera autorização de sua avó (a jovem morava com a avó) para ver a festa dos lavradores que tinham feito uma ótima colheita aquele ano. Era certo que a jovem só podia permanecer no centro da vila por alguns minutos para ver homens, mulheres e crianças cantando, dançando e bebendo, porém, isto fora o suficiente para que ela visse no meio da pequena multidão um rapaz com olhos de oliva e com um sorriso doce como os favos de mel. A partir daquele instante, o coração doente da jovem mostrou-se capaz de também amar.
Desde então, a jovem cosia e amava, cosia e amava, cosia e amava. Também sonhava de vez em quando, e em seus sonhos, o rapaz também a amava e queria casar-se com ela.
Enquanto costurava, a jovem lançava olhares apaixonados e compridos para fora da janela de seu quarto... A agulha perfurava o pano, a linha fazia a sua marca e o tempo passava...
Não muito distante dali, morava um bem-te-vi, que gostava de se esconder nas árvores da colina. Certo dia, o bem-te-vi, sob muita coragem e determinação, resolveu alçar voo e voou lá para os lados do vilarejo. Voou, voou, observando a tudo e a todos, quando notou a presença de uma linda jovem que cosia distraidamente na janela de seu quarto. O coraçãozinho da avezinha vibrou de alegria e ele sacudiu suas peninhas de emoção.
Entretanto, no mesmo instante em que o bem-te-vi observava a jovem, a jovem notou que o rapaz que ela amava estava passando calmamente do lado de fora de sua janela. Trazia uma enxada nos ombros, além de seu sorriso de mel. O bem-te-vi namorava a jovem, que namorava o rapaz, que namorava o horizonte a sua frente. Eis então, que o bem-te-vi, do galho onde havia pousado, não aguentando mais a paixão em seu peito amarelo, explodiu a sua voz:
-Bem-te-vi! Bem-te-vi! Bem-te-vi!
A jovem deu um sobressalto com o que acabara de ouvir.
-Ele me viu?!
O rapaz parou a sua caminhada e buscou quem o havia citado de maneira tão carinhosa.
Porém, a jovem, envergonhada com àquele que havia descoberto o seu segredo, murchou o seu corpo na janela e o rapaz não soube jamais quem o havia visto. O bem-te-vi, por sua vez, voou até a janela da jovem e a encontrou encolhida em sua cadeira. Ele a denunciou:
-Bem, te vi! Bem, te vi!
A jovem, ao ver o real dono daquela voz, ficou furiosa com tamanho atrevimento que decidiu fechar para sempre a sua janela. Ela só não soube que o rapaz continuou a passar por ali e já desconfiava que a dona daquela voz morava atrás daquela janela.


Imagem: Emanuele Luzzati