Cos'è?



venerdì 1 ottobre 2010

A Transição da Loucura


Estepe, como bem explicam os geógrafos, é um tipo de vegetação rasteira, com uma coloração entre o verde-claro e o amarelo, onde não se encontram árvores e cujo clima é frio e seco. Assim como em todos os outros lugares da Terra, este tipo de paisagem também tem animais e homens entre os seus habitantes, como os “homens-homens”, os “lobos-animais”, os “homens-animais” e os “homens-lobos”. Uma gama de espécies, variações de estilos, limitações de apenas existir; um espaço de transição entre a savana e o deserto.
É comum observar que o ‘interespaço’ de lugares e de situações normalmente são deixados de lado em muitas análises. Tende-se sempre a realçar o fato de forma geral, o que pode dar a ele uma caracterização por vezes enfadonha; as citações e enumerações de seus elementos também são maneiras clássicas de abordagem do objeto. Com tais atitudes, encerra-se uma respeitosa pesquisa de algo, em que apenas mencionam-se o passado, o presente e o futuro. Já as entrelinhas, como de costume, são deixadas de lado, mais uma vez.
Mas com toda a certeza, esta não é a opinião do escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962) e do seu clássico e mais consagrado livro “O Lobo da Estepe*”, escrito em 1927. É na transição de um clima- que aí, não se refere apenas ao geográfico, mas também às situações, principalmente às de humor- que o autor desenha seu personagem. Harry Haller é o nome dele, um alemão em torno dos 50 anos, com boa aparência, boa cultura e o que mais se pode chamar de “bom” perante à pequena e grande burguesias, mas de hábitos internos condenáveis. Um ser que desdenha muitas coisas (a começar pela própria burguesia), um total anti-social, um aquariano não lunático, um rebelde em opiniões, um agressor de simpatias. Afinal, o que mais esperar de alguém que abriga um dos lobos da estepe em seu próprio interior? Corpo de homem, alma de lobo, melhor dizendo.
O livro possui duas partes bem curiosas: o prefácio e o posfácio. O primeiro não foi escrito por algum tradutor que leu Hesse, mas sim, pelo próprio. Ou melhor, por um personagem. É uma visão de alguém que conviveu de perto com o Lobo da Estepe, conhecedor de muitos de seus hábitos (reservados, diga-se de passagem), de sua personalidade introvertida. O sobrinho da dona da pensão onde Haller mora tece comentários pertinentes sobre ele: indaga seu comportamento por vezes arredio, aponta detalhes de sua aparência, e por fim, mostra-se simpático por este ex-inquilino da pensão.
Já no posfácio, o próprio Hesse ele mesmo é quem aborda, de fato, o seu próprio livro. Há sinais de indignação em suas frases ali escritas. Não se trata, com toda a certeza, de uma indignação contra ele mesmo ou contra algum de seus personagens, mas sim, contra alguns que leram a obra. Nesta parte, ele tenta melhor explicar sua história, apontar interpretações. Tamanha é a paixão dos leitores pelo homem-lobo (há os que digam terem um lobo da estepe morando dentro de si também), que muitos se esquecem de outros temas abordados na obra, como a questão do contexto de um mundo pós-Primeira Guerra (1914-1918)- em que todos os alemães sentem-se frustrados por a terem perdido, com exceção de Harry Haller-, além dos hábitos da vida burguesa e dos medos e anseios que envolvem qualquer ser humano. Obviamente o autor não condena por todo o seu público, já que a interpretação é algo muito pessoal de cada um. Porém, esta sua pequena “queixa” faz repassar e reforçar pela mente muitas das situações vividas pelo personagem.
O Teatro Mágico: quem não gostaria de ir a um, onde portas são constantemente abertas e um profundo mundo de fantasias é colocado à disposição? Só que para frequentar este lugar é preciso antes de tudo, ser ‘raro’, ou melhor, ser ‘louco’. A inscrição no papel do homem que caminha por sobre as poças de água é clara: “Teatro Mágico- só para raros, só para loucos”. Um lugar perfeito para testar a “insanidade” do Lobo da Estepe. Seus amigos Hermínia, Paulo e Maria também se encontram por lá. A cada porta aberta, uma enorme surpresa paira em frente aos olhos do homem-lobo, do lobo-homem. Homem e seu lobo encontram-se livres, soltos a percorrem as mais estranhas experiências. São milhares de Harrys com seus lobos a correrem pelo lugar, são antigas paixões a serem vivenciadas novamente, são momentos de tensão e crueldade, onde apenas a sobrevivência importa. “Só para l-o-u-c-o-s”, de fato.
Hermínia, Paulo e Maria são fabulosos em suas personalidades, completamente opostas a do Lobo da Estepe. E é justamente quando Hesse confronta este modo de agir e de pensar de suas criaturas que o livro adquire a “hiper-interpretação” dos leitores por Harry Haller. É evidente o choque que este frente-a-frente de posturas crie uma atmosfera de cumplicidade pelo Lobo da Estepe. Talvez este seja o ponto crucial não notado pelo escritor em seu posfácio.
Um livro diferente em termos de enredo e cativante em termos literários, mas que não foi escrito para qualquer leitor. Tal como o Teatro Mágico, foi feito “só para raros, só para loucos.” Só sendo realmente “louco” para compreendê-lo em sua totalidade.

*Tradução de: Barroso, Ivo. Record. São Paulo. 2000.