Cos'è?



sabato 11 settembre 2010

Os pássaros de Maciel



“Quem eu me vejo no espelho?”, pergunta uma voz saída das páginas de “Retornar Com Os Pássaros” (Ed. Leya, 72 páginas, 2010), novo romance de Pedro Maciel. “(...) Às vezes, penso que sou o máximo de mim quando sou você”, comenta a voz, para em seguida, indagar mais uma vez: “Você me entende?”.
Para compreender esta obra é necessário que o leitor venha munido basicamente de duas coisas: um baú e um espelho. O primeiro, para retirar lembranças, livros, anotações, fotografias e sensações dadas por perdidas e colocá-las todas em cima da cama, fazendo com que revivam por alguns segundos, para depois substituí-las no baú por objetos e momentos presentes. O segundo, para contemplar-se com o narrador. Juntos, suas imagens refletem detalhes, imperfeições e um “eu” que não necessariamente corresponde a eles próprios: “Quem eu me olho no espelho?” é o questionamento feito o tempo todo e de todas as formas.
Aliás, a palavra ‘tempo’ é uma das mais frisadas pelo autor. Em “Como Deixei de Ser Deus” (Topbooks, 2009), o narrador situa-se em um tempo de todos os tempos, em que os anos são relativos e as datas sem cronologia. Na obra atual, o contexto segue novamente a linha de uma universalidade atemporal, porém mais situacional, porque Maciel relembra à personagem do início da formação do Universo, da Terra, do Sol e das estrelas, abordando conceitos de áreas como Física, Religião e Biologia, sem se esquecer da própria História e Filosofia. Isto cria uma atmosfera de climas diversos, em que o leitor, ao divagar por cada uma delas, depara-se com a base de um conhecimento em eterna construção.
O narrador é somente um elemento entre todos os habitantes do planeta. Sua singularidade não permite com que seja o representante ideal da espécie humana (haverá um representante ideal?), mas sua pluralidade de “eus” faz com que pertença a este grupo. “Mudam-se os personagens, mas não a trama que tece a história. A História vem sendo reescrita a ponto de tornar-se paródia”, comenta aquele que narra. Fruto de histórias de tempos passados e futuros (“Um dia vou retornar com os pássaros”), de fatos e causos, de ciência e de mitos, de verdades e de mentiras, o narrador-ser humano também é o narrador-autor. Maciel confirma sua presença atrás da personagem, quando justifica a sua obra: “Eu me propus a escrever um livro enciclopédico, mitológico e cosmogônico. Um romance do Universo, escrito por alguém que não é astrofísico. (...) O que narro encontra-se entre o que poderia ter sido dito e não foi, entre o que é dito e o que não é dito”.
Essa presença inesperada do escritor-ele mesmo, para em seguida prosseguir o relato da personagem remete a um tipo de paradoxo irreverente na literatura: até que ponto a história fictícia é real?; até que ponto o narrador fala por si mesmo? Exemplos não faltam de obras em que alguma personagem é o alterego de quem a escreve (como é caso da personagem Henry Chinaski, criada pelo escritor americano Charles Bukowski (1920-1994)) e Maciel reforça esta ideia ao questionar momentos que podem ter sido seus. Encontra-se aí a maneira mais simples de cumplicidade entre quem escreve e quem lê: compartilhar indiretamente o que se é; aceitar o que se recebe e incorporar um pouco daquilo a si próprio.
Há também a quebra de parâmetros ao se escrever um romance de 72 páginas, em que apenas as folhas do lado direito são preenchidas por textos. Estes, por sua vez, contém toda a profundidade necessárias para alguém que tece comentários sobre a sua espécie, seu mundo e sua vida. Os títulos de cada capítulo são frases retiradas do capítulo anterior, como se cada pequeno texto ali presente fosse uma parte de um todo universal e que precisasse ser costurado um a um para estar completo. Maciel, mais uma vez justifica-se: “(...) é bom ressaltar que a minha ideia é instaurar inovações formais para questionar a estrutura do romance. (...) Penso que não por casualidade a nossa época é a do conto, do romance breve, do testemunho autobiográfico (...).”
Talvez, este seja o livro das antíteses, onde frases e palavras opoem-se naturalmente umas às outras. Porém, há harmonia em suas negações afirmativas e a conclusão nunca é antagônica. A voz que pergunta, afirma e nega é a que sai de um narrador que nem sempre está ali. Estar e não estar presente. Pertencer e não pertencer. ‘Ser ou não ser, eis a questão’, diz o Hamlet de Shakespeare, título de um dos capítulos.