Cos'è?



venerdì 17 dicembre 2010

Vento traz Érico Veríssimo à noite de hoje


Diz-se por aí, que quando o vento sopra forte à noite, é porque os mortos estão em visita à Terra. Nesta noite, Érico Veríssimo (1905-1975) deve vir com o vento à percorrer lugares distantes de uma vida acabada. O escritor, morto há 35 anos, vem redescobrir o mundo nos 105 anos de seu nascimento.
A ideia de se receber tais almas, pode ser resumida na frase "noites de vento, noite dos mortos", pertencente à trilogia "O Tempo e o Vento", uma de suas maiores obras.
Érico, que transpassa sentimentos, contextos e lugares, é um dos destaques da Literatura Brasileira. Sua obra é extensa e abrange romances, contos, novelas, ensaios, além de textos voltados ao público infanto-juvenil e de inúmeras traduções. Gaúcho de Cruz Alta, tem seu Estado natal como palco de muitas de suas histórias.
"É preciso agarrar o touro com as duas mãos", diz um de seus personagens ao aconselhar outro, aspirante a escritor. Este "outro", Floriano Cambará, componente dos últimos tomos de "O Tempo e o Vento", nada mais é que o alter-ego de Érico: tímido, fechado em pensamentos, sensato, completamente avesso à violência e apaixonado por palavras.
Homem de seu tempo, o autor reflete sobre a 2° Guerra Mundial (1939-1945), a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e o "Stalinismo" (1924-1953). Também presenciou o Estado Novo (1937-1945) e outras tantas situações conturbadas no Brasil e no mundo. Alguns de seus livros, como "México" (1957), "O Senhor Embaixador" (1965), "O Prisioneiro" (1967), isto sem falar no já citado "O Tempo e o Vento" (1949-1962), abordam marcos históricos e paradigmas, mesclando, em alguns casos, ficção com realidade. É a maneira de Érico registrar sua visão dos fatos, colocando em personagens suas dualidades internas.
Pela importância de seus escritos e por seu talento, ganhou muitos prêmios no cenário literário, dentre eles "Prêmio Machado de Assis" (1934, 1954), "Prêmio Jabuti" (1965) e "Prêmio Intelectual do Ano" (1968). Seus textos não ficaram apenas trancafiados em livros, já que muitos foram adaptados ao cinema e à televisão.
Vítima de um infarto fulminante, Érico deixou dentre seus órfãos, seu filho e também escritor, Luís Fernando Veríssimo, seus leitores e apreciadores, suas criações, textos inacabados (a segunda parte de sua autobiografia e esboços do livro "A Hora do Sétimo Anjo"), além de incontáveis ideias.

O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) homenageia Érico após sua morte:

A falta de Erico Verissimo*

Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta.

*extraído do site www.releituras.com.br

martedì 30 novembre 2010

O encontro dos eus- 75 anos da morte de Fernando Pessoa


"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus."
Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Poemas Inconjuntos; Escrito entre 1913-15; Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925.



A morte é igual para todos. Em um dia como outro qualquer, tal como qualquer ser humano que chega ao fim, morria Fernando Pessoa, um dos maiores nomes da literatura portuguesa e mundial. O poeta e escritor português Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) não resistiu a uma cirrose hepática.
Até então, Pessoa não passava de "gente comum" no mundo em que vivia. Sua obra bilíngue (português e inglês) não tinha destaques significativos dentro do cenário literário. O tempo passou, porém, os escritos de Pessoa ficaram e a partir de 1940 o público passou a apreciar sua maneira poética.
Com 1,73m e dotado de uma personalidade excêntrica, Pessoa transpunha um pouco do seu "eu" múltiplo em seus poemas. Gostava de escrever por pseudônimos e de dar-lhes características próprias. Assim, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos são três homens em um só. Como em um jogo de palavras, suas condutas se interpõem e se complementam em interconexões; seus pseudônimos revelam-se aos poucos: “Eu.../ Imperfeito? Incógnito? Divino?/ Não sei.../ Eu...” (Álvaro de Campos, em “Eu, Eu Mesmo”); “E menos ao instante/ Choro, que a mim futuro,/Súbdito ausente e nulo/Do universal destino” (Ricardo Reis, em “Olho”); Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... / Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,/ Mas porque a amo, e amo-a por isso, (...)/Amar é a eterna inocência,/E a única inocência não pensar...” (Alberto Caeiro, em “II-O Meu Olhar”).
Místico por natureza, Pessoa faltou a um encontro com a poeta brasileira Cecília Meirelles, que visitava Portugal e ansiava muito por conhecê-lo. Mais uma vez o tempo age e Cecília o espera por cerca de duas horas. Ao retornar ao hotel, qual a sua surpresa ao deparar-se com um livro e um bilhete enviados por Pessoa? Ele escrevera que os astros não permitiam tal encontro aquele dia. E assim, Cecília conheceu de outra forma o seu poeta.
Criado na África do Sul, a língua inglesa foi muito utilizada por Pessoa na composição de sua obra. A multiplicidade também ronda o poeta em seu modo de viver, pois entre suas atuações estão o jornalismo, a crítica, a tradução, a edição e a publicidade.
A profundidade de seu ser é esmiuçada em cada frase por ele criada. O famoso poema “Tabacaria” expressa bem esta sua complexidade interior: “Não sou nada./Nunca serei nada./Não posso querer ser nada./À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.
E os sonhos de Pessoa não terminaram com sua morte. Em seus últimos instantes, ele disse: “I don’t know what tomorrow will bring...” (“Eu não sei o que o amanhã trará...”)

sabato 27 novembre 2010

Hoje o sol nasceu branco...


Hoje o sol nasceu branco e o dia ficou sem cor.
Hoje o sol nasceu branco e a vida se ofuscou.
O sol branco simplesmente paira no céu. É um grande círculo luminoso, tal qual uma coroa em chamas e irradia preocupação.
Teria a chuva lavado o ouro de seu dia? Teria a chuva lavado o vermelho-tijolo de sua tarde? Ou teria o próprio sol secado as suas cores?
O sol branco brilha nos olhos de quem o vê, infiltrando-se nas mais profundas pupilas. É o sol dos cegos, o sol dos loucos, o sol dos desesperados.Também
é o sol dos esperançosos e fanáticos que rezam por um novo amanhecer.
Hoje o sol está branco, o céu está parado e a vida dorme.
Hoje o sol está branco e não queima, congela. Congela almas que vagam pelos umbrais, corpos perdidos em abismos, pessoas no meio da multidão. Seus raios rasgam a pele e perfuram a carne em maldição.
Hoje o sol está branco e suas sombras são invisíveis; sombras pálidas de um não-amanhecer, sombras que deslizam sem pressa entre os mortais, agarrando-lhes as pernas, apertando-lhes as mãos.São sombras da noite em pleno dia.
Hoje o sol nasceu branco e não haverá anoitecer. Seu crepúsculo será tal como anjos da morte que sobem ao céu em busca de piedade, flutuando em um não-tempo que não tem fim. Não haverá badalos de sino às seis da tarde, nem tímidas estrelas, nem pressa, nem nada. Quem olha o sol branco ouve frias melodias e sente brisas de calor; transpira por compaixão e suspira pela vida.
Hoje o sol nasceu branco e eu nada sou além de um seu observador.

venerdì 5 novembre 2010

O jardim do telhado


O jardim do telhado nasceu das correntes do vento e das enchentes da chuva. É por isto, puro e belo e suas flores embalam sonhos, pensamentos e poesias.
O jardim do telhado olha a cidade lá embaixo e suspira por estar tão só.
As flores do jardim do telhado beijam o céu, sentem as nuvens e levam o seu perfume até o olfato das brilhantes estrelas. Também trocam segredos de ouvido com a lua, causando inveja no grande sol.
O jardim do telhado brinca de voar pelo mundo, quando suas pétalas esgorregam pelas telhas e voam pela primeira vez por outros mundos.
O jardim do telhado pensa que é o horizonte: sempre deitado, é sempre apreciado e sua beleza é o limite de tudo.
As flores do jardim do telhado choram orvalhos de silêncio, caladas na altitude não almejada.
As flores do jardim do telhado amam secretamente. Amam as borboletas e joaninhas que visitam suas folhas e poléns. Amam os gatos que miam em seu telhado durante à noite, sem se importar com elas.
Mas o jardim do telhado é amado por uma menina, que contempla suas flores e sua simplicidade por horas a fio. Ela quer a sua beleza, ela quer a sua pureza, ela quer a amizade com os seres do céu. A menina quer simplesmente virar uma flor.

martedì 5 ottobre 2010

Auto-Retrato


Olho o meu retrato. Como pode uma máquina me retratar assim? Não são meus estes cabelos brancos e finos; não são minhas estas rugas que sugam a minha juventude. Também não possuo estes olhos sem brilho e nem esta boca murcha.
Olho o meu retrato. Quem me deu este ar de doente e acabada? Quem fez com que minhas mãos se tornassem frias e sem vida? O xale que me envolve cobre a nudez acabada de meu colo. Como que esta pode ser eu?
Olho o meu retrato mais uma vez. Um choro silencioso lava o meu ser. Quem sabe lavando-me e mandando para bem distante esses detalhes que me cobrem, eu torne a me reconhecer?
Onde ficou a minha juventude? Onde está o brilho que iluminava a minha pele e os meus olhos? Onde está a maciez de minhas mãos e a frescura do meu corpo? Onde está?
Reviro outros álbuns fotográficos e neles encontro o que queria. Esta sim, sou eu, linda e jovem. Perfeitamente perfeita.
Olho o meu retrato uma, duas, três vezes e me reconheço. Como pode uma máquina me retratar assim?

venerdì 1 ottobre 2010

Tremo e T'Amo


O sopro cruel do destino levou para longe cada um daqueles dois corações. Era uma noite escura e fria e sem estrelas, que dava espaço apenas para as nuvens no céu. Nuvens carregadas de tempestade. Ele, ainda com o chapéu em uma das mãos, saiu sem nada dizer e nem mesmo olhou para trás. Ela, com grossas lágrimas no olhar, sufocava-se em soluços. Não quis observá-lo partir pela última vez.

Foi em uma tarde quente de fevereiro que aquela carta chegou. Escrita com letras grandes e trêmulas e lida com olhos arregalados e hipnóticos, ficou manchada com a tinta borradeira da caneta e com o choro que caia no papel. Quem a escreveu, lembrou-se somente da amada no momento do fuzilamento. Quem a leu, morreu de desgosto oito meses depois.

As horas insistiam em passar e ela não chegava. Seu companheiro, um rapaz de 22 anos, chacoalhava a perna direita de ansiedade, sentado em uma cadeira na confeitaria. Namoravam há quase dois anos e fazia dez dias que não a via, devido a uma curta viagem que ela fazia. Ela é linda, inteligente e sexy, dizia ele ao amigo mais chegado. Ele tem bom papo, um bom carro e será engenheiro em breve, contava ela às amigas. Naquele dia ela não apareceu. E nem no outro. O rapaz nunca mais a viu. Soube, anos mais tarde, que ela casara-se com um outro rapaz que conheceu durante aquela viagem.

O casamento durou exatamente 48 anos, 7 meses, 3 semanas e 4 dias. Foram muitas as horas felizes, foram muitos os segundos de satisfação. Mas agora, como em um passe de mágica, tudo acabara. Ele jazia em seu caixão preto e florido, as mãos cruzadas, a pele pálida e serena. Ela o contemplava como quem contempla uma flor: os olhos parados, meigos e transbordantes. Como seria acordar sem tê-lo ao lado? Como seria respirar sem a sua companhia? Como seria caminhar na praia sozinha? E à noite, quando as estrelas saíssem, como seria olhar para aquele céu sem que ele dissesse que ela era a estrela mais brilhante? Como seria?

A garota de vestido vermelho observava assustadamente o garoto de camisa verde beijar a garota de saia amarela. Pareciam estar felizes e aquele parecia ser o mais doce dos beijos. O sangue fluía quente dentro da garota de vestido vermelho, que tornava-se cada vez mais branca. “Ele não tinha este direito”, seu coração gritava! Chorou em seu quarto por longas semanas, até que um dia, acordou animada e decidiu passear.

Palavras eram digitadas diariamente. Palavras que não tinham fim. Sentimentos que se acoplavam a elas, formando uma delicada corrente de paixão. O computador era o lugar de encontro deles e seu teclado e câmera o meio de expressão. Nunca tinham se visto antes, a não ser por ali. Mares e montanhas separavam seus corpos. Mares e montanhas não impediam aquele amor. Até quando o destino prolongaria aquela esperança de um possível encontro real?

O sangue manchava a neve. O sangue tirava-lhe a vida. Não havia quem pudesse ajudá-lo ali, naquele lugar. Só havia ele, a neve e agora, a escuridão. O inimigo o atingira e vencera. A medida que o sangue ia esvaindo-se, perdia também tudo o que conquistara até aquele momento: sua saúde, sua família e amigos, seus troféus na natação, suas risadas, seus sonhos, seu grande amor. Muitos quilômetros além de onde ele jazia, ela pensava nele. Olhava pela janela a paisagem lá fora com suas pessoas e movimentos, na esperança de que ele pudesse surgir no meio delas.


Tremo e T’Amo(T. Ferro/G. Servillo)

T’amo e tremo
Disse la donna
Al suo soldato
Che non tornava
La sua voce
Nel vento correva
Sopra la neve
Dove lui combatteva

Tremo e t’amo
Disse e piangeva
Nel buio della sala
Qualcuno rideva
Per far torto alla paura
A questo amore che già finiva

Il ricordo tradisce la mente
Il soldato non sente più niente

D’improvviso
Fu preso alle spalle
Dal suo nemico
Che strano parlava
Delle rose, del vino e di cose
Che un’altra vita gli prometteva
Ma quante spose
La guerra taglieva
Dalle braccia della prima sera

Tremo e ho freddo
Disse il soldato
Al suo nemico che lo guardava
La sua voce nel vento restava
Sulla platea che muta ascoltava.

A Transição da Loucura


Estepe, como bem explicam os geógrafos, é um tipo de vegetação rasteira, com uma coloração entre o verde-claro e o amarelo, onde não se encontram árvores e cujo clima é frio e seco. Assim como em todos os outros lugares da Terra, este tipo de paisagem também tem animais e homens entre os seus habitantes, como os “homens-homens”, os “lobos-animais”, os “homens-animais” e os “homens-lobos”. Uma gama de espécies, variações de estilos, limitações de apenas existir; um espaço de transição entre a savana e o deserto.
É comum observar que o ‘interespaço’ de lugares e de situações normalmente são deixados de lado em muitas análises. Tende-se sempre a realçar o fato de forma geral, o que pode dar a ele uma caracterização por vezes enfadonha; as citações e enumerações de seus elementos também são maneiras clássicas de abordagem do objeto. Com tais atitudes, encerra-se uma respeitosa pesquisa de algo, em que apenas mencionam-se o passado, o presente e o futuro. Já as entrelinhas, como de costume, são deixadas de lado, mais uma vez.
Mas com toda a certeza, esta não é a opinião do escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962) e do seu clássico e mais consagrado livro “O Lobo da Estepe*”, escrito em 1927. É na transição de um clima- que aí, não se refere apenas ao geográfico, mas também às situações, principalmente às de humor- que o autor desenha seu personagem. Harry Haller é o nome dele, um alemão em torno dos 50 anos, com boa aparência, boa cultura e o que mais se pode chamar de “bom” perante à pequena e grande burguesias, mas de hábitos internos condenáveis. Um ser que desdenha muitas coisas (a começar pela própria burguesia), um total anti-social, um aquariano não lunático, um rebelde em opiniões, um agressor de simpatias. Afinal, o que mais esperar de alguém que abriga um dos lobos da estepe em seu próprio interior? Corpo de homem, alma de lobo, melhor dizendo.
O livro possui duas partes bem curiosas: o prefácio e o posfácio. O primeiro não foi escrito por algum tradutor que leu Hesse, mas sim, pelo próprio. Ou melhor, por um personagem. É uma visão de alguém que conviveu de perto com o Lobo da Estepe, conhecedor de muitos de seus hábitos (reservados, diga-se de passagem), de sua personalidade introvertida. O sobrinho da dona da pensão onde Haller mora tece comentários pertinentes sobre ele: indaga seu comportamento por vezes arredio, aponta detalhes de sua aparência, e por fim, mostra-se simpático por este ex-inquilino da pensão.
Já no posfácio, o próprio Hesse ele mesmo é quem aborda, de fato, o seu próprio livro. Há sinais de indignação em suas frases ali escritas. Não se trata, com toda a certeza, de uma indignação contra ele mesmo ou contra algum de seus personagens, mas sim, contra alguns que leram a obra. Nesta parte, ele tenta melhor explicar sua história, apontar interpretações. Tamanha é a paixão dos leitores pelo homem-lobo (há os que digam terem um lobo da estepe morando dentro de si também), que muitos se esquecem de outros temas abordados na obra, como a questão do contexto de um mundo pós-Primeira Guerra (1914-1918)- em que todos os alemães sentem-se frustrados por a terem perdido, com exceção de Harry Haller-, além dos hábitos da vida burguesa e dos medos e anseios que envolvem qualquer ser humano. Obviamente o autor não condena por todo o seu público, já que a interpretação é algo muito pessoal de cada um. Porém, esta sua pequena “queixa” faz repassar e reforçar pela mente muitas das situações vividas pelo personagem.
O Teatro Mágico: quem não gostaria de ir a um, onde portas são constantemente abertas e um profundo mundo de fantasias é colocado à disposição? Só que para frequentar este lugar é preciso antes de tudo, ser ‘raro’, ou melhor, ser ‘louco’. A inscrição no papel do homem que caminha por sobre as poças de água é clara: “Teatro Mágico- só para raros, só para loucos”. Um lugar perfeito para testar a “insanidade” do Lobo da Estepe. Seus amigos Hermínia, Paulo e Maria também se encontram por lá. A cada porta aberta, uma enorme surpresa paira em frente aos olhos do homem-lobo, do lobo-homem. Homem e seu lobo encontram-se livres, soltos a percorrem as mais estranhas experiências. São milhares de Harrys com seus lobos a correrem pelo lugar, são antigas paixões a serem vivenciadas novamente, são momentos de tensão e crueldade, onde apenas a sobrevivência importa. “Só para l-o-u-c-o-s”, de fato.
Hermínia, Paulo e Maria são fabulosos em suas personalidades, completamente opostas a do Lobo da Estepe. E é justamente quando Hesse confronta este modo de agir e de pensar de suas criaturas que o livro adquire a “hiper-interpretação” dos leitores por Harry Haller. É evidente o choque que este frente-a-frente de posturas crie uma atmosfera de cumplicidade pelo Lobo da Estepe. Talvez este seja o ponto crucial não notado pelo escritor em seu posfácio.
Um livro diferente em termos de enredo e cativante em termos literários, mas que não foi escrito para qualquer leitor. Tal como o Teatro Mágico, foi feito “só para raros, só para loucos.” Só sendo realmente “louco” para compreendê-lo em sua totalidade.

*Tradução de: Barroso, Ivo. Record. São Paulo. 2000.