Cos'è?



venerdì 18 giugno 2010

A Fuga de Pulcinella


por: Gianni Rodari ("Fábulas Ao Telefone")
tradução: Bruna Galvão

Pulcinella era a marionete mais inquieta de todo o velho teatro. Tinha sempre que protestar, seja porque no momento do espetáculo preferira passear, seja porque seu manipulador concedera-lhe uma parte cômica, enquanto ele preferira uma dramática.
-Qualquer dia destes- dizia em segredo a Arlecchino- corto a corda*! E assim fez, mas não durante o dia. Uma noite, ao conseguir tomar posse de uma tesoura esquecida pelo manipulador das marionetes, cortou de um topo ao outro os fios que lhe prendiam a cabeça, as mãos e os pés e propôs a Arlecchino:
-Vem comigo.
Só que Arlecchino não queria saber de separar-se de Colombina e nem Pulcinella tinha a intenção de ir atrás daquela manhosa, que no teatro, tinha-lhe pregado cem mil peças.
–Irei sozinho! - decidiu. Lançou-se corajosamente rua a fora e pernas para que te quero!
“Que beleza -pensava ao correr- não sentir mais os puxões daqueles malditos fios em lugar nenhum. Que beleza meter o pé bem aonde se deseja”.
O mundo, para uma marionete solitária, é grande e terrível e habitado (especialmente à noite) por gatos ferozes, prontos a se confundirem com qualquer coisa que fuja como um rato, a qual se dá a caça. Pulcinella conseguiu convencer os gatos- que se metiam com um bom artista- e lorota após lorota, refugiou-se em um jardim, encostou-se em um pequeno muro e ali adormeceu.
Acordou com o nascer do sol e tinha fome. Porém, ao seu redor, até onde a vista alcançava, não havia mais do que cravos, tulipas, zínias e hortênsias.
-Paciência- falava para si Pulcinella e ao colher um cravo, começou a mastigar-lhe as pétalas com uma certa indiferença. Não era como comer uma bisteca grelhada ou um filé de peixe pérsico: as flores têm muito perfume e pouco sabor. Entretanto, para Pulcinella aquilo parecia o sabor da liberdade e, na segunda bocada, estava seguro de nunca ter provado comida mais deliciosa. Decidiu permanecer para sempre naquele jardim e assim o fez. Dormia sob uma grande magnólia, cujas duras folhas não temiam nem mesmo às fortes chuvas, e se nutria das flores: hoje um cravo, amanhã uma rosa. Pulcinella sonhava com montanhas de espaguetes e planícies de muçarelas, mas não se rendia. Tornava-se seco, seco, mas tão perfumado, que a todo instante abelhas pousavam em seu corpo para sugar-lhe o néctar e logo afastavam-se frustradas, pois não conseguiam afundar o ferrão na sua cabeça de madeira.
Veio o inverno. O jardim, agora sem flores, esperava a primeira nevasca e a pobre marionete não tinha mais nada para comer. Sem dedos que pudessem recomeçar a viagem: as suas pobres pernas de madeira não suportariam levá-lo para longe.
“Paciência,- falava para si Pulcinella- morrerei aqui. Não é um lugar feio para se morrer. Além do mais, morrerei livre: ninguém poderá prender um fio à minha cabeça, para me fazer dizer sim ou não.”
A primeira nevasca o sepultou abaixo de uma mórbida coberta branca.
Na primavera, naquele exato lugar, nasceu um cravo. Soterrado, calmo e feliz, Pulcinella pensava: “ Eis que acima da minha cabeça cresceu uma flor. Existe alguém mais feliz do que eu?”.
Porém, não estava morto, porque as marionetes de madeira não podem morrer. Ainda continua soterrado, só que ninguém sabe disto. Se vocês pretendem encontrá-lo, não amarrem nenhum fio em sua cabeça: aos reis e rainhas do teatro, este fio não incomoda, mas a ele, pode fazê-lo sofrer.


*cortar a corda: 'tagliare la corda'(no original) é uma expressão idiomática que significa “ir-se embora”. No texto é utilizada em forma de trocadilho, devido ao fato de Pulcinella ser uma marionete (consequentemente, presa por cordas).

Gianni Rodari, "Favole al telefono",Einaudi, 1962

venerdì 16 aprile 2010

A árvore de corações



Ainda era muito cedo no topo da mais distante colina quando o Homem-Azul levantou-se. Lavou o rosto, tomou uma xícara de chá de folhas de violetas e saiu a arrastar os pés para fora de sua moradia. Há mais de 3000 anos era assim: sua primeira atividade do dia era regar a árvore-de-corações. O regador já cheio desde a última noite fazia escorrer a água que dava vitalidade à árvore mais importante do mundo.
E como ele se satisfazia em ser o seu guardião! Cada gota que caía sobre as grossas raízes da árvore-de-corações era por ele admiradas! O Homem-Azul aspirava o perfume que saía daquela terra molhada e imaginava o trabalho de sugar aquele líquido que a sua linda árvore começava a fazer e que passava pelo caule, pelos galhos, pelos ramos, pelas folhas até chegar aos corações. Estes palpitavam com a água recebida e se avermelhavam ainda mais. Então, as folhas balançavam e sacudiam o vento e os cabelos do Homem-Azul, que sentia uma enorme felicidade.
Era de seu agrado sentar-se debaixo daquela sombra e escutar os corações da árvore que ainda batiam com a água. Eles faziam um tum-tum-tum suave e confortador, que não significava nada mais do que vida. Outras vezes, o Homem-Azul varria todas as pequenas folhas para longe das raízes, também afastando os corações que tinham parado de bater e que agora jaziam murchos no chão.
Um dia, estava o guardião da árvore-de-corações a tirar um cochilo, quando foi despertado por um forte aroma. Abriu primeiro um olho, depois o outro, as narinas a se dilatarem cada vez mais. “Conheço este cheiro”, pensava ele e se ergueu. Passou a vista ao redor, deu alguns passos, o cheiro a ficar cada vez mais forte e por trás de uma moita encontra um pequeno garotinho mortal.
-Quem é você? O que faz aqui? Não sabe que é proibido e perigoso vir aqui? Não sabe o que eu posso fazer com quem se aventura a vir espiar a árvore?- dizia furiosamente o Homem-Azul.
O garotinho o olhava com olhos arregalados e cílios trêmulos. Sua altura estava longe de atingir os joelhos do grande Homem-Azul, que de seus muitos centímetros acima o observava.
-Quantas perguntas juntas!- balbuciou o menino- Assim não saberei responder nenhuma delas.
O Homem-Azul pareceu irritar-se ainda mais. Agachou o quanto pode, tentando se equiparar ao tamanho do garoto e abriu bem a boca para falar:
-Quem é... você?!
-Sou uma criança- respondeu o garotinho.
-E o que uma criança faz?
-Brinca e também aprende.
Então, o Homem-Azul portou-se novamente em pé e não se dando muito por satisfeito, ainda perguntou:
-Só isto?
-Penso que sim- falou a criança.
-E o que significa brincar e aprender?
O pequeno menino, ainda muito assustado, contorceu um pouco os lábios e dentro de sua pequena sabedoria tentou explicar:
-Brincar significa explorar e aprender significa perguntar. Todas as crianças brincam e aprendem.
Muitas reflexões tomaram conta da mente do Homem-Azul. Ele se debruçou sobre o rastelo que usava para separar as folhas e os corações secos e seu olhar parou por alguns instantes. Subitamente, voltou a fitar o menino e a indagar:
-Se você é uma criança que brinca e aprende, como posso eu também aprender, se não sou uma criança, mas sim, um guardião da árvore-de-corações?
-Devem existir crianças grandes no mundo e você deve ser uma delas- disse prontamente o garotinho.
A partir daí, a criança explicou ao Homem-Azul que brincava de explorar o riacho perto de sua casa quando um som estranho chegou aos seus ouvidos e o levou a acompanhá-lo. A melodia ainda estava em sua cabeça e era como uma música leve e doce, que o embalou totalmente.
-Eu apenas segui o tum-tum-tum que o vento trazia e nada mais- disse ele.
O Homem-Azul não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Era difícil para ele aceitar que as palpitações dos corações de sua árvore, no topo de tão alta colina, tão distante da vida mortal lá embaixo, pudessem ter chegado a algum lugar. A árvore-de-corações era o maior segredo de toda a humanidade e ele, o Homem-Azul, era o seu protetor. Era seu dever cuidar da mais perfeita planta da Terra e de preservar a sua essência.
-Agora que você está aqui, me diga, o que quer?
O menino já estava bem menos assustado com o Homem-Azul e sua voz infantil formou as seguintes palavras:
-Por que você só me pergunta? Aprender é divertido, mas brincar também é. Quero fazer isto, agora.
-Não sei como brincam as crianças mortais do lugar de onde você veio. Só sei que você não poderá explorar a árvore-de-corações. Esta é a minha tarefa!- respondeu o Homem-Azul e começou a varrer mais algumas folhas e a amontoar alguns corações.
O garotinho olhava o aspecto de cada coração caído ali no chão. Notou que eram em sua maioria bem pequenos, tão minúsculos quanto a palma de sua mão. Também observou a vivacidade dos que ainda se prendiam à árvore e de como batiam na mesma frequência. Uma forte vontade de subir por aqueles galhos tomou-lhe conta da mente. Devia ser muito bom poder apanhar um coração vermelho tal como ele fazia com as maçãs vermelhas do jardim de sua casa e tê-lo entre os dedos para depois prová-lo. Também devia ser bom se ali tivesse algum balanço, porque só assim ele poderia continuar ouvindo aquela melodia ao mesmo tempo em que voasse alto, alto.
As folhas da árvore-de-corações iam e vinham com o sopro da brisa. O Homem-Azul já não se importava tanto com a presença da criança e por isto, resolveu explicar-lhe:
-Cada um dos corações que estão nesta árvore refere-se a algum habitante do planeta. Os corações maiores são dos mais novos, que ainda têm a pureza em sua alma, enquanto que os menores são dos que viveram um pouco mais e que portanto, já tiveram a sua essência contaminada por mal-dizeres. Os corações no chão estão tão secos e sem vida quanto os velhos seus portadores: muito já viveram e muito já bateram e, de tanto viver e bater, se tornaram viciados em suas próprias atitudes, esquecendo-se de quão grandes e perfeitos um dia foram. A fraqueza e o cansaço tomaram conta deles. Assim acontecerá também com os corações agarrados aos galhos.
-No final, todos vão mesmo parar de bater e vão ao chão?- custava a acreditar o menino.
-Sim, este é o ciclo da árvore. Sem árvore não há corações e sem corações não há vida em outros lugares.
Pegou um coração morto e deu ao garoto. Este ficou a imaginar que estivesse segurando o seu próprio coração em um futuro muito distante. Era triste saber que lá de onde vinha, não havia sequer nenhuma árvore-de-corações. Por um instante pensou em um jardim de tais árvores e em quão maravilhosa música soaria dos tum-tum-tums de seus frutos. Apertou levemente o pobre coração sem vida e o guardou no bolso da calça.
O Homem-Azul o observava e também se entristeceu por só ele, o Homem-Azul, poder contemplar tão perfeita formosura em longuíssimos anos.
-Só um coração grande e forte pode bater por um velho. Talvez seja tempo de se dar uma nova chance aos antigos. Quem sabe não haverá um recomeço? Quem sabe não se possa ser criança e brincar e aprender?
Foi então que o menininho sentiu uma pontada no peito, uma dorzinha no seu grande coração. Eram saudades de sua casa, de seus pais e amigos, de seu riacho e de suas flores e animais. Uma canção distante e triste começou a soar de repente e estava longe, longe. Era um novo tum-tum-tum, só que desta vez, vindo de corações mais profundos e distantes. Decidiu que era hora de ir embora e despediu-se do Homem-Azul. Olhou a árvore-de-corações pela última vez e começou a seguir o novo som que o atraía. O Homem-Azul, ainda com o rastelo nas mãos, via aquele pequeno ser ir sumindo no horizonte, até desaparecer por completo. Ficou esperançoso que o menino jogasse o velho coração dentro de um amontoado de terra e o regasse com carinho, para que, quem sabe, uma nova árvore pudesse surgir e novos corações pudessem vibrar. Só assim, a batida que o garoto escutava, pararia.

venerdì 9 aprile 2010

Canção Outonal


Canção Outonal

Federico García Lorca


Hoje sinto no coração

um vago tremor de estrelas,

mas minha senda se perde

na alma da névoa.

A luz me quebra as asas

e a dor de minha tristeza

vai molhando as recordações

na fonte da ideia.

Todas as rosas são brancas,

tão brancas como minha pena,

e não são as rosas brancas

porque nevou sobre elas.

Antes tiveram o íris.

Também sobre a alma neva.

A neve da alma tem

copos de beijos e cenas

que se fundiram na sombra

ou na luz de quem as pensa.

A neve cai das rosas,

mas a da alma fica,

e a garra dos anos

faz um sudário com elas.

Desfazer-se-á a neve

quando a morte nos levar?

Ou depois haverá outra neve

e outras rosas mais perfeitas?

Haverá paz entre nós

como Cristo nos ensina?

Ou nunca será possível

a solução do problema?

E se o amor nos engana?

Quem a vida nos alenta

se o crepúsculo nos funde

na verdadeira ciência

do Bem que quiçá não exista,

e do mal que palpita perto?

Se a esperança se apaga

e a Babel começa,

que tocha iluminará

os caminhos da Terra?

Se o azul é um sonho,

que será da inocência?

Que será do coração

se o amor não tem flechas?

Se a morte é a morte,

que será dos poetas

e das coisas adormecidas

que já ninguém delas se recorda?

Oh! sol das esperanças!

Água clara! Lua nova!

Corações dos meninos!

Almas rudes das pedras!

Hoje sinto no coração um vago tremor de estrelas

e todas as coisas são

tão brancas como minha pena.



Passo a vida a perguntar. Pergunto aos outros, pergunto a mim, pergunto à noite. No final, nem sempre tenho todas as respostas que queria. Penso que nem todas as coisas têm suas respostas, assim como nem todas têm suas perguntas. O mistério existe e existirá. Resta a mim, mesmo assim, continuar indagando e refletindo; buscar outros caminhos que me levem a novos questionamentos. Ainda bem que existe a poesia. Ainda bem que existe o outono. Minha alma consegue sossego perante tais detalhes da vida.


lunedì 1 marzo 2010

O dia seguinte ao fim do mundo


Anunciaram o fim do mundo. Em todas as capas de jornais vê-se escrito: “Mundo acaba” (Le Monde), “Destruição no planeta é a maior de todos os tempos” (Folha de S.Paulo), “Planeta Terra chega ao fim” (O Estado de S.Paulo), “Os maias estavam certos” (The New York Times). Na televisão são constantes as imagens de crateras gigantes, de entulhos de tamanhos monstruosos, além de pilhas e pilhas de corpos humanos e animais... Nada de plantas, nada de rios, nada de nada. Na Internet, a notícia também é a mesma: “Destruição causada pelo fim do mundo deixa o planeta sem vida” ou ainda “É incontável o número de mortos com o fim da Terra”.
E assim, a cada minuto que passa, este é o único assunto a ser divulgado; afinal, perdeu-se o sentido de se tratar do “caso Arruda”, da candidatura da Dilma à presidência, de vitórias do Corinthians ou de lançamentos de filmes, livros e cd’s. Obviamente que este é um tema a ser esgotado pelos veículos de comunicação, como todos nós sabemos. É de se esperar que em grandes catástrofes, em grandes escândalos ou em qualquer outra coisa que renda ‘pano para manga’, como diziam muitas das vovós, a mídia aborde, mostre, comente e até aumente muitos dos fatos. Com a morte do Michael Jackson foi assim; com os terremotos no Haiti e no Chile também (isto, sem contar as enchentes no começo do ano de 2010), com a vitória de Obama nas eleições americanas e de Lula no Brasil há uns anos, idem, e assim por diante... Subitamente surge uma quantidade enorme de repórteres com suas câmeras de vídeo ou de fotografia, com seus microfones e gravadores, com seus papéis e canetas. Estão todos a rodear o fato e dispostos até mesmo a devorá-lo se for possível, para em seguida, vomitá-lo em longos jatos de informações agressivas . O fim do mundo é que não podia ficar de fora de tamanha pauta!
Aliás, muito antes de se pensar na criação da imprensa, do jornalismo e seus veículos, e nas agências de notícias, um povo habitante da América Central já previa destruições (há os que digam apenas “fortes mudanças”) no planeta: eram os maias. O tão esperado “fim do mundo” previsto para o ano de 2012 e que fora antecipado por eles, realmente aconteceu. Mesmo não sendo na data e no ano alertados e nem sabendo se foi o sol que recebeu uma forte luz da galáxia, provocando mudanças magnéticas (como eles justificavam ser um dos motivos), o mundo acabou e pronto! As evidências já vinham há muito tempo: um tsumani aqui, um terremoto ali, outro lá, uma forte nevasca nos países do norte, uma tempestade devastadora em ilhas ou em países tropicais, longas secas, muitas enchentes. Eram tantos os sinais da natureza que de repente, parece que todos se acostumaram com isto: “O quê? Terremoto no Chile?”, “Mas outro dia não teve no Haiti?”, “Terremoto de novo? Já me cansei deste assunto” e assim, viraram a página ou mudaram de canal -até porque, desta vez os estragos nem foram tão grandes assim...
Leio em meus jornais a respeito da “maior catástrofe que já pairou sobre a Terra”, como anunciam as mídias sensacionalistas. Noto que querem achar os culpados -sempre tem que haver um nome para se acusar- e desta maneira, os primeiros a entrarem na lista são a civilização maia. E haja contestações em cima dos pobres habitantes indígenas centro-americanos! O problema é que, como eles constituíam uma pequena população em países como México, Honduras, Guatemala e El Salvador até a poucos instantes do mundo ir para os ares, não há mais como colher suas versões do fato (lembrando que um dos princípios básicos do jornalismo é sempre “ouvir o outro lado”). Se resolverem culpar de ira qualquer deus em qualquer religião, também cairão no mesmo entrave dos maias; se jogarem a culpa no “aquecimento global” (qualquer mudança mínima na natureza era culpa do tal do aquecimento global- o El Niño perdera seu posto faz tempo!) também não terão quem responda por ele. Talvez, o Chávez, o governo da Coréia do Norte ou ainda o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, sejam boas saídas para o caso: quem sabe, eles não sobreviveram à catástrofe? -afinal, se o Bin Laden deu um “jeitinho” de se “esconder” dos Estados Unidos, eles também podem ter dado um jeito de continuar vivendo- como por exemplo, proibindo o fim do mundo em seus respectivos países.
Ainda não sei onde vão dar as apurações da imprensa. Porém sei que ainda verei paisagens totalmente destruídas por um bom tempo. Também terei que andar pelas ruas no meio de tamanho caos e certamente, irei me deparar com algum jornalista pronto a apanhar meu depoimento sobre o caso. Mas um detalhe me consola e me faz lamentar ao mesmo tempo: o fato de que quando o mundo renascer, as notícias não serão maçantes, pois dificilmente um fato positivo vira notícia. Em uma probabilidade remota lerei nas manchetes de qualquer jornal: “Início do mundo é marcado por crescimentos em todo o planeta”.

mercoledì 3 febbraio 2010

Maçã do Amor

A noite pesa sobre a cidade que adormece há muito tempo. No vigésimo terceiro andar de um prédio na Rua das Azaléias, uma luz amarelada emoldura a janela de um dos cômodos de um apartamento. Visto de longe, o lugar parece um pequeno vaga-lume a se destacar na escuridão. Lá dentro está Lia, vestida com calças de moletom, blusa apertada sem mangas e com um grande e fofo chinelo nos pés. Está a pensar em sua vida: em como era antes de Otávio e em como é agora, depois dele. De súbito, Lia acha que deve analisá-la em três partes completas: no antes, no durante e no depois.
Mas aonde a garota quer chegar com isto? Ela sabe que independentemente de sua conclusão, o que de fato valerá é que nada disto mudará em nenhum detalhe a sua vida. Otávio se foi. Antes dele, Augusto se foi também, assim como Márcio, Pedro, Luís e Cláudio se foram por sua vez. Cada qual a sua maneira deixou em Lia, marcas. Algumas destas são lembranças, outras são feridas e outras, nada mais do que palavras. Ah, mas o Otávio...
Otávio, o último namorado de sua vida até então. O último a quem Lia amou, mas o primeiro a que lhe vem à cabeça, agora. Otávio está a roubar-lhe os pensamentos, está tirando-lhe o sono, o sossego, a paz. Otávio, Otávio. Lia revira-se no sofá, abraça a almofada, suspira, fecha os olhos. “O que é mais importante: o primeiro amor, que fez nossos sentimentos brotarem ou o último amor, que ainda brota em nós, sentimentos?”. O último amor, sempre...
É por ele que Lia se debate, é por ele que seu coração se contorce. Otávio se foi e com ele, foram-se também os sonhos, os planos e a paixão. Não importa se depois dele virão o Antônio, o Júlio ou o Fábio... Lia sequer pensa nisto. O presente dói, o passado é mágico e o futuro é duvidoso. Em cima da mesa da cozinha, uma maçã mordida: vermelha e viva como a paixão. Uma maçã do amor. Otávio arrancou-lhe um pedaço com os dentes. Mordeu, mastigou e engoliu aquela pequena parte. Depois, abriu a porta da sala e saiu...sem mais voltar. Lia ficou naquele instante sozinha, desamparada, as lágrimas a molharem seus poros da face. Otávio, sem piedade, triturou em pedacinhos aquele amor. Agora, a marca de sua mordida estava ali, a amarelar-se com o passar do tempo. Ficará tão velha e murcha como as outras antigas lembranças. A maçã do amor foi atacada e minuto a minuto vai desbotando a sua cor. Nela, Lia ainda vê a sua parte em tonalidades fortes e brilhantes. De Otávio sobrou apenas a marca de sua boca, a saliva de seu beijo, o sabor de seu desamor.

domenica 17 gennaio 2010

O homem de outros mundos- entrevista com o escritor Pedro Maciel


“Eu não sou deste mundo. (...): no mundo é preciso viver com o mundo”.(pág. 41)


O escritor Pedro Maciel tem um velho conhecido há anos; uma amizade que surgiu no dia de seu nascimento e que vem fortalecendo-se com o passar do tempo. Mas, quem seria tal companheiro? Nada mais, nada menos do que ele mesmo! Se Pedro Maciel apresentou-se para si mesmo alguma vez, isto não importa. O que importa é que ele se torna conhecido de seus leitores a partir de suas obras. Seus personagens, além de narrarem toda uma história, também dão pistas da personalidade de seu criador. São indicações de pensamentos, ideias, condutas, leituras e gostos (que também devem ser lidos nas entrelinhas). Assim, o autor dos livros “A hora dos náufragos” (2006) e “Como deixei de ser Deus” (2009) diz, em outros momentos, que não gosta muito de comentar sobre si. Também não vê necessidades em se produzir biografias: “(...) acho as autobiografias uma bobagem. Afinal, pode-se ler sobre a vida do escritor através das suas criações”. Discreto, ex-jornalista e hoje, totalmente ligado à literatura, Maciel fala um pouco sobre o seu mais recente livro, “Como deixei de ser Deus*”.
*Maciel, Pedro. Topbooks. Rio de Janeiro, 2009.

BRUNA-Baseando-se em seu último trabalho “Como deixei de ser Deus”, como surgiu a ideia de contar uma história em fragmentos? Por que não fazer como ‘todo mundo’ e abordar o tema em um grande texto corrido?

PEDRO-Ciência é antítese e arte é síntese. Os fragmentos me ajudaram a encontrar a forma mais sintética e contemporânea de contar uma história já contada há milênios. Muda-se a maneira de se contar a história mas os episódios se repetem ao longo da existência.

B- Você fala tantas vezes no pensamento e na ação de pensar. Que pensamentos lhe passavam pela cabeça enquanto escrevia o livro?

P-Pensar exige muito da memória. Escrevo para esquecer.

B - O narrador de seu último livro deixa de ser “Deus” ao fazer diversos tipos de reflexões. O que é Deus para você? Religião e fé podem andar juntas?

P-O ser humano já é naturalmente religioso. Ele está religado a outros tempos e espaços desde o surgimento do Universo. Religião é uma redundância da vida sobrenatural. Pode-se dizer que “Deus é a alma dos brutos”.

B -Dar margem para a múltipla interpretação é uma marca de seu livro. Porém, quando se permite multi-interpretar, pode-se perder o foco inicial. Você não teve ou tem nenhum receio quanto a isto?

P-Não tenho receio sobre as interpretações do meu livro, já que considero todo leitor mais inteligente do que o não-leitor. O meu livro é o que o leitor quiser que ele seja. Cada leitor vai interpretar o meu mundo conforme a sua cultura. Aliás, o leitor é mais importante do que o autor.

B -Este é o seu segundo trabalho como escritor e que tem uma boa aceitação pela crítica nacional. Que tipos de ansiedades e aspirações sente um escritor no pré e pós -lançamento?

P-Quando se exerce a autocrítica, a crítica não tem tanta importância. A crítica nunca nos diz nada de novo. Eu não alimento ansiedades, afinal eu me conheço há séculos. Deve ser por isso que não me importo em ser conhecido ou reconhecido.

B-Nomes como Luis Fernando Veríssimo e Moacyr Scliar teceram bons comentários sobre a sua obra. Como é ter um livro criticado por grandes mestres da literatura brasileira contemporânea?

P-Os comentários destes escritores honram qualquer escritor brasileiro. Aliás, os comentários de Veríssimo e Scliar estão estampados em uma das orelhas do meu livro. Apesar de que adoro Van Gogh.

B -Você tem contato direto com eles? Como você recebeu a notícia de que seu trabalho estava em tais mãos?

P-Eu mesmo enviei os originais para estes escritores que admiro para que fizessem breves críticas. Eu só os conheço virtualmente. Desde o lançamento do meu primeiro romance “A Hora dos Náufragos”, ed. Bertrand Brasil, que envio os originais antes para escritores avaliarem. Só após receber os comentários que envio para o editor.

B -A originalidade é uma característica de sua obra. Mas ser original, muitas vezes, é correlacionar ideias anteriores. Por que criar é por vezes, tão difícil?

P-Creio na ‘confluência’ e não na ‘influência’. Busco a originalidade o tempo todo. Alguém já disse que para ser original é preciso voltar-se às origens. Por isso o leitor vai ouvir ecos de vários tempos e culturas em minha literatura. O difícil me estimula.

B -Por que também existe dificuldade em aceitar o novo? Quebrar paradigmas (nos mais diversos setores) é uma saída para o desenvolvimento da criatividade?

P-Às vezes uma obra não é aceita em seu tempo porque a geração não está preparada para entendê-la. Apesar de que certas obras de arte não necessitam de ser entendidas mas apenas de serem sentidas, me disse um leitor. Eu sempre ouço com a maior atenção os comentários dos meus leitores. Eu escrevo para eles. Afinal, não há literatura sem leitores.

B-O Pedro Maciel é rebelde?

P-Às vezes não sei volto ou revolto.

B -Quais são as maiores ilusões de um escritor?

P-Eu já não mais me iludo em plena luz do dia.

B- Muitas de suas resenhas publicadas em jornais como O Globo, JB, Suplemento Literário de Minas Gerais, entre outros, são de livros que você gostaria de ter escrito. Que autor e obra mais te causam “inveja” por não ter sido criação sua?

P-A obra de Shakeaspeare, Proust, Dostóiveski, Beckett, Rimbaud, Drummond, Guimarães Rosa e tantos outros não me causam ‘inveja’ mas me causam ‘emoção’.

B -Sua atuação como jornalista terminou em 2003. Por que o jornalista tem que saber a hora em que deve parar com a profissão para exercer a literatura?

P-Literatura é devaneio com método. Jornalismo é método, método, método.

B-Quais suas evoluções em termos literários e ideológicos com relação à “A hora dos náufragos” e “Como deixei de ser Deus”

P-Os comentários sobre as ‘evoluções’ ou ‘involuções’ da minha literatura deixo aos críticos. Torço para que os críticos herdeiros da crítica impressionista ou os críticos-mandarins não façam comentários acadêmicos ou artificiais sobre a minha sintaxe.

sabato 16 gennaio 2010

A era dos deuses (?) - resenha sobre o livro "Como deixei de ser Deus"


A impressão que se tem é que ele, o narrador, apontou o dedo para Deus e o chamou para uma conversa; uma conversa de ‘deuses’. Arrumou as almofadas no sofá da sala, preparou o café e a prosa começou: deus, tempo, pensamento, moralidade, palavras são alguns dos ‘assuntos’ discutidos. Uma discussão que começa com a arrogância de um ‘deus’e termina com a humildade de um ‘homem’- mais precisamente no ano de 2046, com a morte do narrador- “O mundo já está descoberto; esse mundo parece-me não ser meu mundo”, diz ele.
“Como deixei de ser Deus” (Topbooks, Rio de Janeiro, 150 páginas, 2009), do escritor Pedro Maciel, conta antes de tudo, a história de um ser humano, que no caso, pode ser o narrador, eu, você, o vizinho ou o autor. É uma mescla dos mais diversos pensamentos já ditos, dos mais diversos anseios e reflexões sobre a vida (incluindo a própria). No meio dos debates, grandes mestres vão ‘surgindo’ a partir de referências ideológicas e, assim, Nietzsche, Marcel Proust, Dostoievski, Virgínia Woolf, Guimarães Rosa, Machado de Assis entre outros, ficam cara-a-cara na sala do narrador. Este, com toda a sua maleabilidade em argumentar, pensa que a máxima de Sócrates “Só sei que nada sei” já não é tão verdadeira: “Desaprender: ensinar a si mesmo. Quem acredita que nada podemos saber não sabe sequer se sabemos o suficiente para afirmar que nada sabemos.” É filosofia, é religião, é sociologia e antropologia, é psicologia, é literatura...
A originalidade caminha em todas as páginas do livro, que apresenta na capa uma sala de decoração vermelha, convidando a pessoa que lê a acomodar-se por ali e aguardar o diálogo que em instantes irá começar. Mas o leitor, recém chegado ao lugar, nem imagina em quão estranho mundo está prestes a observar. É o mundo do narrador e seus convidados, um planeta desabitado por criaturas de senso-comum; uma região azulada, repleta de crateras e com uma fotografia logo na página 12.
Passar para a folha seguinte é ainda mais intrigante: espera-se por um romance, palavra anunciada na capa, e, quando se fala em romance, pensa-se em histórias povoadas de personagens, situações e conflitos. E é exatamente isto o que “Como deixei de ser Deus” traz (porém, de uma maneira um tanto quanto diferente). O livro é composto por fragmentos enumerados, pequenas frases soltas interligadas por entrelinhas. A sequência dos números não é sempre perfeita (do 151 passa-se para o 158, por exemplo) e nem mesmo a estrutura dos pequenos períodos gramaticais segue uma ‘lógica’ (uma máxima pode iniciar-se com reticências ou terminar com elas; pode ainda, ter dois pontos, como em uma citação). Enquanto o lado esquerdo do livro é toda uma página em branco, o outro lado mostra a união das palavras em trechos. Porém, a ordem destes não é tão importante; pode-se começar a ler o livro em qualquer página, em qualquer fragmento, de trás para frente ou até mesmo, de cabeça para baixo (no caso dos mais habilidosos). Um grande romance com textos ocultos; apenas algumas frases à mostra e em destaque (deveria o leitor preencher toda a narrativa?).
Sim, talvez esta seja mesmo a ideia de seu autor. Em determinado momento, o excerto 1321 diz: “Quantos de meus leitores percebem que estes escritos podem ser entendidos da forma que se desejar? A minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz em um livro- o que qualquer outro ‘não’ diz em um livro”. A imaginação percorre a cabeça de quem acompanha os ‘diálogos’. Pode-se querer saber quem era aquele irmão que “se matou para tornar-se Deus.” Também pode haver reflexões em frases como “Por que tanto esforço em ser como eles? Um dia serei eu o outro.”
Em meio a tantos questionamentos, o livro, lançado no segundo semestre de 2009, tem como seus ‘leitores-indagadores’ pessoas ilustres da literatura nacional, como Luís Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar e Antonio Cícero. Pessoas nada comuns em seus dizeres e que portanto, sentem-se em casa quando se sentam no sofá vermelho da capa.
As páginas viram, o tempo passa (mas o que é o tempo?, está o leitor a estas alturas a se perguntar) e de repente, chega-se ao ano de 2046. “Cada tempo é uma história. Todo fim é uma imensidão”, encontrou-se lá atrás, na ‘sequência’ 1265. No final de tudo, todo o debate transformou aquele triste mundo em um planeta pintado de vermelho, repleto de números, relógios, riscos e dimensões. Tudo se modificou: o ambiente, o tempo, o pensamento e até mesmo, o leitor. Este deixa a sala avermelhada e agora caminha com expectativas, sentimentos e ambições modificados. Está a refletir, apesar de já ter fechado o livro. Porém, continua a ler entrelinhas, a preencher folhas em branco e a notar que em um mundo onde ‘mandam’ os deuses, um dia, estes também perderão os seus reinados.