Cos'è?



sabato 16 gennaio 2010

A era dos deuses (?) - resenha sobre o livro "Como deixei de ser Deus"


A impressão que se tem é que ele, o narrador, apontou o dedo para Deus e o chamou para uma conversa; uma conversa de ‘deuses’. Arrumou as almofadas no sofá da sala, preparou o café e a prosa começou: deus, tempo, pensamento, moralidade, palavras são alguns dos ‘assuntos’ discutidos. Uma discussão que começa com a arrogância de um ‘deus’e termina com a humildade de um ‘homem’- mais precisamente no ano de 2046, com a morte do narrador- “O mundo já está descoberto; esse mundo parece-me não ser meu mundo”, diz ele.
“Como deixei de ser Deus” (Topbooks, Rio de Janeiro, 150 páginas, 2009), do escritor Pedro Maciel, conta antes de tudo, a história de um ser humano, que no caso, pode ser o narrador, eu, você, o vizinho ou o autor. É uma mescla dos mais diversos pensamentos já ditos, dos mais diversos anseios e reflexões sobre a vida (incluindo a própria). No meio dos debates, grandes mestres vão ‘surgindo’ a partir de referências ideológicas e, assim, Nietzsche, Marcel Proust, Dostoievski, Virgínia Woolf, Guimarães Rosa, Machado de Assis entre outros, ficam cara-a-cara na sala do narrador. Este, com toda a sua maleabilidade em argumentar, pensa que a máxima de Sócrates “Só sei que nada sei” já não é tão verdadeira: “Desaprender: ensinar a si mesmo. Quem acredita que nada podemos saber não sabe sequer se sabemos o suficiente para afirmar que nada sabemos.” É filosofia, é religião, é sociologia e antropologia, é psicologia, é literatura...
A originalidade caminha em todas as páginas do livro, que apresenta na capa uma sala de decoração vermelha, convidando a pessoa que lê a acomodar-se por ali e aguardar o diálogo que em instantes irá começar. Mas o leitor, recém chegado ao lugar, nem imagina em quão estranho mundo está prestes a observar. É o mundo do narrador e seus convidados, um planeta desabitado por criaturas de senso-comum; uma região azulada, repleta de crateras e com uma fotografia logo na página 12.
Passar para a folha seguinte é ainda mais intrigante: espera-se por um romance, palavra anunciada na capa, e, quando se fala em romance, pensa-se em histórias povoadas de personagens, situações e conflitos. E é exatamente isto o que “Como deixei de ser Deus” traz (porém, de uma maneira um tanto quanto diferente). O livro é composto por fragmentos enumerados, pequenas frases soltas interligadas por entrelinhas. A sequência dos números não é sempre perfeita (do 151 passa-se para o 158, por exemplo) e nem mesmo a estrutura dos pequenos períodos gramaticais segue uma ‘lógica’ (uma máxima pode iniciar-se com reticências ou terminar com elas; pode ainda, ter dois pontos, como em uma citação). Enquanto o lado esquerdo do livro é toda uma página em branco, o outro lado mostra a união das palavras em trechos. Porém, a ordem destes não é tão importante; pode-se começar a ler o livro em qualquer página, em qualquer fragmento, de trás para frente ou até mesmo, de cabeça para baixo (no caso dos mais habilidosos). Um grande romance com textos ocultos; apenas algumas frases à mostra e em destaque (deveria o leitor preencher toda a narrativa?).
Sim, talvez esta seja mesmo a ideia de seu autor. Em determinado momento, o excerto 1321 diz: “Quantos de meus leitores percebem que estes escritos podem ser entendidos da forma que se desejar? A minha ambição é dizer em dez frases o que qualquer outro diz em um livro- o que qualquer outro ‘não’ diz em um livro”. A imaginação percorre a cabeça de quem acompanha os ‘diálogos’. Pode-se querer saber quem era aquele irmão que “se matou para tornar-se Deus.” Também pode haver reflexões em frases como “Por que tanto esforço em ser como eles? Um dia serei eu o outro.”
Em meio a tantos questionamentos, o livro, lançado no segundo semestre de 2009, tem como seus ‘leitores-indagadores’ pessoas ilustres da literatura nacional, como Luís Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar e Antonio Cícero. Pessoas nada comuns em seus dizeres e que portanto, sentem-se em casa quando se sentam no sofá vermelho da capa.
As páginas viram, o tempo passa (mas o que é o tempo?, está o leitor a estas alturas a se perguntar) e de repente, chega-se ao ano de 2046. “Cada tempo é uma história. Todo fim é uma imensidão”, encontrou-se lá atrás, na ‘sequência’ 1265. No final de tudo, todo o debate transformou aquele triste mundo em um planeta pintado de vermelho, repleto de números, relógios, riscos e dimensões. Tudo se modificou: o ambiente, o tempo, o pensamento e até mesmo, o leitor. Este deixa a sala avermelhada e agora caminha com expectativas, sentimentos e ambições modificados. Está a refletir, apesar de já ter fechado o livro. Porém, continua a ler entrelinhas, a preencher folhas em branco e a notar que em um mundo onde ‘mandam’ os deuses, um dia, estes também perderão os seus reinados.