Cos'è?



mercoledì 6 gennaio 2010

A guerra das Cores


Há muitos anos (na verdade, não tantos assim), quando eu era apenas uma criança que brincava de sonhar, contaram-me uma história que me fez aproximar-me ainda mais dos meus cadernos e dos meus lápis de colorir. A história era mais ou menos assim:

Aconteceu neste mesmo planeta em que moramos, mas em um tempo tão remoto, que nem os dinossauros seriam capazes de imaginar tão longínqua época! Tudo se passou em um período onde só havia três países no mundo: o país Vermelho, o país Amarelo e o país Azul. A paz reinava absoluta em toda a Terra, porque estes três territórios nunca tinham tido nenhum tipo de acordo político, econômico, social ou cultural uns com os outros. Não havia nenhum tipo de encontro internacional: nenhuma convenção, seminário, congresso ou apresentação. Nenhum de seus habitantes viajava para o exterior- muitos, nem sabiam da existência dos outros dois países. Resolviam seus problemas internos como bem entendiam e nada e nem ninguém jamais ousava romper isto.
Apesar de nunca terem contatos entre si, os governos de cada um dos países sabiam da existência um dos outros e um ponto importante a se destacar é que o modo de vida em cada um deles era muito semelhante. Eram monarquias absolutas, que prezavam seus costumes e valores e onde todos idolatravam suas respectivas realezas.
No país Vermelho, tudo era vermelho: as pessoas e suas roupas; as cidades e suas casas; os carros e suas estradas; os animais e seus habitats; a comida, a bebida, os eletrodomésticos, os documentos e até mesmo, as imagens da televisão e da fotografia eram vermelhas. As pessoas do país Vermelho tinham personalidade forte: eram ousadas, determinadas e, um pouco orgulhosas também. Em qualquer briguinha entre vizinhos, ficavam ainda mais vermelhas de raiva! Seus governantes, o rei Red e a rainha Rouge eram muito amados pelo povo. Moravam em um lindo castelo no topo da mais alta colina e ambos gostavam de exibir para a população, aos domingos, suas lindas e felpudas capas vermelhas amarradas ao pescoço. Domingo era o dia em que anunciavam os planos da semana e também, comentavam o sucesso daqueles já executados. O país Vermelho fervilhava, sempre!
No país Amarelo, tudo era amarelo: pessoas, animais, lojas, prédios, vassouras, papéis, canetas, tinteiros e computadores. Até mesmo as letras das palavras nos jornais eram amarelas! Ser médico não era uma boa carreira a se seguir neste lugar, pois seus habitantes eram pessoas sadias e raramente adoeciam. E quando ficavam doentes, qualquer um podia dar o diagnóstico: febre amarela! A família real do país Amarelo também era muito querida pela população: o rei chamava-se Yellow e em seu castelo, sua linda filha, a princesa Gialla, gostava de passar horas penteando seus longos cabelos dourados... Pai e filha gostavam muito de oferecer festas em seu palácio e, quando isto acontecia, as preciosas coroas de ouro caíam-lhes perfeitamente sobre as suas cabeças...
Já no país Azul, tudo era azul: as águas, as árvores, as flores, as pessoas, os bichos e também, os filhos de todos estes seres. No país Azul, tudo era tão harmônico, em tão perfeita sintonia, que em todos os lugares aonde se ia, podia-se ouvir alguém cantando alguma canção. Em qualquer beco, travessa ou esquina, sempre se encontraria letras de músicas chamadas: “Azul da cor do mar”; “Moody Blue” ou simplesmente “Azul”. É claro que o único estilo de toda e qualquer música era em Blues. A rainha Blau era uma mulher muito bonita, com grandes e brilhantes olhos azuis-claros. Sua cor preferida era o azul-turqueza, assim, exigia de seus súditos que todo e qualquer material que lhe fosse entregue, fosse dessa cor. A rainha Blau não era do tipo que aparecia muito em público; era discreta, mas cumpria seu reinado com grande afinco. Assim, os nativos azuis não tinham do que reclamar.
Tudo ia bem na Terra até que um dia, uma ilha desconhecida e, portanto, sem cor, foi descoberta quase que instantaneamente por navegadores dos três países. O mundo não era muito grande naquela época, o que sempre fazia com que marinheiros das diversas nacionalidades e cores se encontrassem em alto-mar (o mar era de tonalidade neutra, até então). O capitão do país Azul foi o primeiro a avistar a ilha, porém, o capitão do país Vermelho foi o mais rápido em alcançá-la. Por sua vez, o do país Amarelo, resolveu não desembarcar na ilha e sim, voltar para a sua terra e avisar o governo de sua existência.
Enquanto os capitães vermelho e azul discutiam incansavelmente na ilha sobre a sua posse, o rei Yellow caminhava de um lado para outro em uma das salas de seu castelo, enquanto ouvia seus conselheiros. Após alguns instantes, convocou a população local para um importante anúncio. De coroa dourada na cabeça e ao lado de sua filha, disse:
-Uma nova ilha foi descoberta por nossa marinha! O país Amarelo estende suas terras, sua cultura e sua cor! Amanhã mesmo, um novo território amarelo será apossado!!!
Ainda no mesmo dia, os capitães dos outros dois países argumentaram entre si até não haver mais palavras. Mesmo assim, não deixaram a ilha por um segundo sequer. Por outro lado, enviaram mensageiros aos seus países avisando sobre a nova descoberta.
Algumas horas depois, a rainha Blau convocou seu povo e em voz baixa, mas firme, anunciou:
-Hoje é um dia de grande felicidade para a nossa nação! Nossa querida marinha ao percorrer mares distantes, fez a descoberta de uma ilha inabitada. O país Azul estender-se-á, minha gente!
No país Vermelho, a população estava em polvorosa com a notícia, espalhada por fofoqueiros em uma velocidade altíssima! Em seus pronunciamentos, o rei Red e a rainha Rouge, apenas precisaram dizer:
- Viva o país Vermelho!!! Viva a nossa terra e a nossa gente!!! Viva a nossa nova conquista!!!
E assim, em comemoração à nova descoberta, os vermelhos cantaram, dançaram e beberam por toda a noite.
No dia seguinte bem cedo, tropas dos três países zarparam de suas terras em destino à nova ilha incolor. Devido à posse, os governos das três nações estavam a bordo nos navios com toda a pompa que lhes cabiam. O mar estava calmo, as ondas ajudavam a conduzir os navegantes e por pura coincidência, chegaram ao lugar no mesmo minuto e no mesmo segundo.
- Mas o que fazem aqui os governantes do país Amarelo e do país Azul?, berrou o rei Red. Não vieram para a nossa posse, vieram?
- Não, vim para a MINHA posse, disse o rei Yellow. Eu que me pergunto o que o senhor, a sua senhora e toda esta gente vermelha fazem na minha ilha.
- Cavalheiros, por favor. A ilha é de minha propriedade, da posse do meu governo. Foi o meu capitão quem a avistou primeiro, portanto, ela me pertence, falou a rainha Blau educadamente. Por gentileza, queiram se retirar, continuou, ao mesmo tempo em que mostrava o mar, como se este fosse uma porta de entrada e de saída.
Os outros dois governantes apenas se olharam e muito mais vermelha do que de costume, foi a vez da rainha Rouge em explodir:
-Se retirar? De minha terra? A senhora só pode estar brincando. Saiam a sua majestade e a sua tropa e agora!!! Aproveitem e levem estas caras amarelas convosco, também.
Foi então que a princesa Gialla reclamou:
-Papai, eles estão nos expulsando de nossa ilha! Nosso povo espera por esta posse e não podemos desapontá-los!!! Vamos, papai, faça alguma coisa!
-Amarelos!, gritou o rei. Em nome de nosso país proponho que os senhores mandem embora imediatamente, eu disse imediatamente, todas estas pessoas que não são de nossa cor. Façam por bem ou por mal, mas façam!!!
-Pois eu proponho o mesmo à minha tropa!, gritou ainda mais alto o rei Red. Então, ergueu o braço e em um urro, exclamou: com o nosso sangue vermelho quero que expulsem estes invasores, vermelhos!!! Já!!!!!!!
A rainha Blau mantivera-se quieta em seu canto, até então. Estava de braços cruzados, mas de cabeça erguida e com esta posição, chamou seus oficiais em um canto e sussurrou:
-Não podemos perder esta batalha, azuis. Está claro que a ilha é nossa, mas como eles insistem em nos enfrentar, vamos ter algo inédito em nossa defesa militar: teremos que enfrentar uma guerra! Convoquem o exército e a aeronáutica se for preciso, mas tirem-os daqui o quanto antes.
E assim, teve início à Guerra das Cores. Militares das mais diversas áreas, cargos e cores estavam a postos na ilha incolor. Em pouco tempo, uma enorme rajada de munições vermelhas, amarelas e azuis começou a manchá-la. Elas partiam de todos os lados, vinham com as mais diversas intensidades e atingiam os mais variados alvos. Porém, algo inusitado começou a ocorrer no local. As balas, bombas e rajadas não apenas produziam uma grande coloração na ilha, mas também, formavam novas cores. Se o amarelo atingisse o azul, por exemplo, formava-se uma tonalidade que mais tarde se denominaria verde. O vermelho com o amarelo geravam o laranja e, já o azul com o vermelho originavam o roxo. Estas cores secundárias por sua vez, em uma série infinita de contatos criavam cada vez mais e mais cores, até que chegou um momento que nenhum dos três governos não aguentava mais lutar.
-Não estamos tendo nenhum resultado com esta batalha, meus caros, falou o rei Yellow. Estamos criando, sim, novas categorias de cidadãos que ainda poderão se unir contra nossos países!
- Concordo, respondeu prontamente a rainha Blau. Por isto, se todos concordarem em retirar suas tropas, eu também retirarei as minhas.
Em seguida, foi a vez da rainha Rouge se posicionar:
-Obviamente meu país retirará as tropas se vossas majestades retirarem as suas. Esta guerra não precisava ter acontecido se desde o início, vossas tropas tivessem ido embora e permitido a posse do país Vermelho sobre a ilha.
O rei Red prontamente balançou a cabeça concordando.
O rei Yellow e a sua filha Gialla trocaram olhares com a rainha Blau, que se manifestou:
-Não temos mais uma guerra entre três países. Temos, sim, a descoberta de uma nova terra e a formação de novas etnias, de novos povos e por que não, de novas nações? Nossa guerra trouxe não apenas uma guerra de territórios, mas também, uma guerra de cores. E se não nos entendermos aqui, agora, esta guerra de cores será infinita e suas consequências também!
A representante suprema do país Azul tinha toda a razão em seu breve discurso. Esta era a primeira batalha da Guerra das Cores; uma guerra que nunca deixou de existir, por mais que se passassem os anos. Independente de sua origem e cor, os muitos países que surgiram continuam a brigar pelos mesmos motivos e isto parece nunca ter fim.

domenica 3 gennaio 2010

O poeta da era do ar condicionado




A impressão que se tem é que ele está sempre com a inspiração a lhe acompanhar lado-a-lado. Em diversos momentos, compartilhados por simples e-mails, cada palavra parece ter sido escolhida cuidadosamente, como flores para um arranjo; e no meio deste seu contar, surgem expressões um tanto quanto diferentes, quando o que se espera, é apenas uma simples conversa informal: “um beijo azul”, despede-se ele; ou então, falando sobre o desafio de sua vida, explica que busca o “equilíbrio entre o dionisíaco e o apolínio”.
Assim se expressa o poeta mineiro Jovino Machado. Graduado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele possui uma grande bagagem em termos de carreira: são 11 livros publicados (o último “Cor de Cadáver” em 2009), participações em antologias nacionais e internacionais e publicações em veículos consagrados da literatura (como o Rascunho de Curitiba e o Suplemento Literário de Minas Gerais). Só que Jovino também trás em seu currículo atuações como jornalista, capoeirista, figurações em cinema e em recitais. Como se ainda não bastasse, administra três restaurantes em Belo Horizonte, onde vive atualmente.
A seguir, a definição da “Felicidade”* para o poeta:

O céu está azul
O mar está calmo
O campo está florido

A meleca do meu nariz secou

*(Machado, Jovino. Cor de Cadáver. Belo Horizonte: Anome Livros, 2009, pg, 16).

No meio de todo um correio eletrônico surge a seguinte entrevista:


Bruna: Quem nasceu primeiro: o poeta ou o Jovino?

Jovino: Quando nasci, minha mãe me disse: "Vai, Jovino ser gauche na vida”.

B: Como foi a sua infância?

J: A minha infância foi maravilhosa. Fui menino criado no interior com muita fruta no quintal. Tinha também galinheiro e passarinhos. Morei em muitas cidades de Minas. Em todas elas sempre tinha um campinho de futebol perto de minha casa. Meu pai comprava jornais, revistas e livros. Minha mãe comprava enciclopédias. Eu gostava muito de desenhar e aos domingos sempre ia ao cinema assistir filmes de bandido e mocinho e também dos Trapalhões.

B: No seu livro "Fratura Exposta", você fala em uma "máquina de pensar". Quais são as ferramentas que movem esta máquina?

J: A ferramenta maior é o grande desejo de construir uma obra poética.

B:Como a sua poesia amadurece?

J: Na falta, na dor, na tristeza e na morte.

B: Qual a diferença entre o poeta Jovino em seu primeiro poema e o poeta Jovino em seu último poema?

J: A diferença é a ingenuidade que não existe mais. Quando eu escrevi meu primeiro poema eu achava que a vida era só alegria. Hoje vejo que tristeza não tem fim, felicidade, sim. O meu "último poema" fala da dor que estou sentindo como a morte de meus amigos Lúcio Tadeu, Alécio Cunha e Fernando Machado.

B: O que tem no estado de Minas Gerais que faz muito de seus "filhos" serem escritores?

J: Tem Drummond, Rosa e Darcy Ribeiro que são grandes influências e no outono tem uma luz cinematográfica.

B: Você nasceu na época certa?

J: Sim, adoro avião e ar-condicionado.

B: Qual a melhor época para se nascer?

J: Não sei, mas acho que teria sido maravilhoso ser pintor na Paris de Lautrec e Modigliani.

B: Como é administrar três restaurantes? É difícil? O tempero na comida e nos poemas é o mesmo?

J: É muito difícil.Tenho que matar um leão por dia. Sou sócio de meus irmãos e isso ajuda muito. Eu tenho a sorte de ter cozinheiras maravilhosas. O tempero é o desejo de sempre fazer o melhor na comida e na poesia. É preciso ter delicadeza, paciência, coragem, sorte e determinação.

B: Quais são seus hobbies?

J: Andar de bicicleta, ler jornal e tomar cerveja assistindo a tarde cair.

B: A poesia tem sexo? Teria também forma, cor, nome e sobrenome?

J: A poesia é do sexo feminino, tem a forma das belas pernas da musa, usa roupas pretas e bebe uísque com os poetas.

B: Vejo que você tem um grande interesse pela astrologia. Mas o que você realmente pensa sobre ela? De qual signo o leonino Jovino não seria de jeito nenhum?

J: O interesse é apenas poético. Amei virginianas, librianas e arianas.Eu jamais seria geminiano, mas seria do signo de escorpião que é puro sexo.

B: Quais são seus ídolos?

J: Drummond,Glauber Rocha,Baudelaire, Xico Sá, Clarice Lispector, James Joyce, João Gilberto, Hilda Hilst, Chico Buarque, Pasoline, Monteiro Lobato, minha mãe, Sônia Braga, meu pai, Darcy Ribeiro, Chet Baker, Nelson Cavaquinho, Picasso, Frida Kahlo, Ella Fitzgerald, Balzac, Marcel Proust, Torquato Neto, Charlie Parker,Godard,Almodóvar,
Woody Allen, Swann e Odete, Rimbaud, Fernando Pessoa, Ricardo Piglia, Manuel
Bandeira, Cartola, Mário de Andrade, Pagu, Sartre, Simone de Beauvoir, Miró, Auguste Rodin, Camille Claudel, Sá Carneiro, Rê Bordosa e etc...

B: Se você pudesse viver em um livro e vivenciar toda a sua história,em qual seria? Gostaria de ser algum personagem em especial? Ou seria o Jovino mesmo?

J: Eu seria o Ulisses da Ilíada e da Odisséia. Não é fácil estar dentro de meus sapatos. Quando eu crescer quero ser o Tom Jobim.

B: Fernando Pessoa diz: "Sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura". Até onde você enxerga?

J: Sou do tamanho do que sinto e tenho 1 e 78 de altura como Stephen Dedalus do romance Retrato do artista quando jovem de James Joyce

B: Do que você tem medo?

J: Tenho medo da dor, do sofrimento e da morte das pessoas que eu amo.

B: O que você ainda busca?

J: Sou como Balzac.Somente duas coisas me interessam: o amor e a glória.

B: A poesia é a melhor arte?

J: A poesia é o patinho feio das artes. Na minha imodesta opinião é superior à música, ao cinema e pintura.

B: Conte-me um segredo.

J: Só posso contar bem baixinho no seu ouvido!!!

martedì 22 dicembre 2009

O presidente que quebrou dois dentes

A época do ano é o começo de inverno, no mês de dezembro em uma tarde de domingo. Logo pela manhã daquele mesmo dia, o então Senhor Presidente é lembrado por um de seus assessores­­- sim, aquele que nunca se esquece de nenhum dos afazeres de Vossa Excelência- sobre o comício de seu partido no horário vespertino. O Presidente faz cara de tédio para o Assessor, que apenas olha para o chão, sem nada dizer. “E que culpa tenho eu se ele é um homem público e se o partido precisa do apoio dele? Precisa me olhar deste jeito?”, pensa o Assessor, que tenta conter uma pequena lágrima a saltar do olho esquerdo, mas como não consegue, decide então, se retirar de corpo inteiro.
Rapidamente, a manhã passa no Palácio Presidencial. Como é domingo, dia santo para quase todos os mortais cristãos, o Presidente decide passar àquelas poucas horas privadas na sala de estar do Palácio, a arrumar soldadinho por soldadinho da sua coleção de miniaturas. Os pequenos homenzinhos são colocados estrategicamente na maquete que ocupa quase toda uma mesa grande, ao mesmo tempo em que vão formando uma enorme frente de batalha.
- Atacar!!!, grita o Presidente, que tem entre os dedos o homenzinho general, situado à frente de toda a tropa.
A Primeira Dama, que está na sala ao lado, observa o corpo do marido pendurado por sobre a mesa, a brincar com seus bonecos. É claro que ela acha toda aquela coleção uma grande baboseira, mas pelo menos ali é onde o seu esposo pode esquecer por alguns instantes toda a pressão sofrida diariamente pela imprensa, pelos inimigos políticos e pelo povo. Resolve voltar sua atenção para a revista de moda, em que há uma reportagem sobre ela elogiando sua elegância em saber combinar na medida certa o sapato com a bolsa. O Presidente, que em momento algum percebeu o olhar da mulher, termina de posicionar todos os homenzinhos (inclusive os inimigos) e fica satisfeito com o resultado. Dá uma olhada ao redor da sala e lembra-se que a coleção de astronautas e alienígenas também está precisando entrar em ordem, mas já não há mais tempo para isto. Entra o Assessor que conteve as lágrimas e anuncia o almoço.
Agora, o Presidente e a sua comitiva estão a caminho da Praça Central, onde se realizará o comício. Na verdade, o comício já se tinha iniciado há pouco mais de uma hora, mas como a Primeira Dama não entrava em acordo direto com a sua personal stylist a respeito do casaco adequado para a ocasião, o atraso do principal membro do partido era evidente. “Você é o presidente, você pode se atrasar”, sempre dizia ela ao marido em situações semelhantes. Porém o Assessor, que nunca se esquecia de nada relacionado ao presidente, achava que tal comentário minimizava sua função. “Se é assim, por que estou a servir este memorável homem? Ora esta, se sou eu que o lembro de cada açãozinha dele durante o dia...”, pensava ele enquanto mais uma vez, a lágrima (desta vez do lado direito do olho) tentava saltar-lhe às vistas.
O carro principal estaciona no lugar indicado e, subitamente, vários homens vestidos de preto cercam ainda mais o Presidente: são seus seguranças. Ele caminha com dificuldade por entre aquela multidão: homens, mulheres, crianças, jovens e velhos, além de jornalistas e policiais. Como sempre, ele, o Presidente, o homem mais importante de todo o Estado, o representante-mor do país, o político com o cargo mais alto, o colecionador de miniaturas é o centro de toda a atenção.
A multidão se agita ainda mais com a sua presença; o zum-zum-zum de vozes aumenta gradualmente, a movimentação de corpos torna-se mais intensa, os flashs das câmeras são muito mais constantes e rápidos... Querem tocá-lo, vê-lo, fazerem perguntas, fotografá-lo, filmá-lo, aplaudi-lo e ... agredi-lo! Um objeto é lançado contra o Presidente, atingindo-o no rosto, tingindo-lhe a face, partindo-lhe a boca, arrancando-lhe dois dentes.
Tudo é muito rápido e apenas os que estão mais próximos da Comitiva Presidencial notam com extrema rapidez, o que acabara de acontecer. Obviamente, inclui-se aí os jornalistas, sempre atentos à qualquer movimento do Presidente da República (o que causa certos ciúmes no Assessor que nunca se esquece de nada quando o assunto é o Presidente) e suas câmeras e microfones flagram e narram tudo o que houve. Os homens de negro investem rapidamente para o homem mais importante do Estado e o cobrem momentaneamente com seus corpos negros, tal como urubus na carniça, ao mesmo tempo em que policiais tentam encontrar o agressor no meio da multidão.
De volta ao carro, o Assessor que antes tentava conter lágrimas em seus próprios olhos, agora as deixa rolarem livremente. Está em prantos no banco da frente enquanto a Primeira Dama, que segue no carro de trás, já pensa nos comentários que acabaram de surgir no rádio e na internet e que irão surgir brevemente nas outras mídias. “Mais um escândalo!” é a frase que lhe passa pela cabeça naquele momento e que ali continua até chegarem ao hospital.
A quantidade de sangue que escorre da boca do Presidente e as lágrimas que saem dos olhos do Assessor é a mesma: enorme! O Presidente é levado imediatamente para um atendimento preferencial e exclusivo. Já o seu Assessor, como não o deixam passar da sala de visitas, fica aos soluços a reclamar para todas às enfermeiras que passam:
- Eu sou o principal assessor dele, estão me ouvindo? Eu nunca me esqueço de nenhum afazer do Presidente, entenderam?
-Meu senhor, o Senhor Presidente está a tirar radiografias e a fazer curativos e outros exames e ninguém pode acompanhá-lo, ou você acha que também não tive que impedir uma cambada de repórteres e curiosos a entrarem aqui?, responde uma das enfermeiras.
-Mas eu sou o assessor dele, A-S-S-E-S-S-O-R, está me entendendo? Eu nunca me esqueço de nada relativo a ele e se eu não puder acompanhá-lo, como poderei preparar as atividades para a próxima agenda?, continua a gritar o Assessor, mas a enfermeira já vai bem longe pelo corredor.
À noite em todos os noticiários nacionais e pela manhã em todos os outros países que não tem o mesmo fuso-horário, a manchete em letras garrafais é:
“Presidente quebra dois dentes”.
Nada que alarmasse a população, é claro, já que havia tempos que nos países considerados democráticos, poucos idolatravam fanaticamente o chefe de Estado. Desta forma, o seu estado de saúde causa apenas curiosidade na grande maioria, que prefere preocupar-se com suas ações diretas na política e na economia, além de também lhes interessar o último resultado do placar dos esportes.
-Dois dentes?, dizem uns, Pois olha que eu já vi gente que quebrou a dentadura inteira em comícios, quando tentava fazer alguma manifestação pública e foi atingido por socos, chutes e objetos e que nem por isto, virou notícia mundial.
- Dois dentes!, resmunga a Primeira Dama, ao comentar o acontecido com a sua personal stylist. Se com toda aquela proteção conseguem arrancar dois dentes do meu marido, com certeza podem conseguir arrancá-lo do poder! Temos que tomar cuidado...
-Dois dentes, dois dentes!!!!, insiste em berrar a plenos pulmões o Assessor que nunca se esquecia de nada. Sua indignação é grande, sua dor, maior ainda. Está a anotar freneticamente em um pedaço de papel todos os próximos passos do Presidente e a reorganizar os que já estavam prontos. Dois dentes, dois dentes...
O Presidente deixa o hospital apenas dois dias depois, quando se encaminha para a sua residência. Seu rosto está repleto de curativos, mas no lugar onde faltaram dois dentes, nada mais falta. “É isto o que ocorre quando se quer apoiar os colegas de partido e se misturar à massa... Me destroçam dois dentes!”, pensa o presidente que quebrou dois dentes e que está novamente a debruçar-se sobre uma das mesas da sala de estar para pôr em ordem a sua coleção de miniaturas espaciais.

domenica 6 dicembre 2009

O castelo de Rodiv

Era um lugar muito bonito formado por longas e verdes planícies. Verde que variava em muitas intensidades: claro, escuro, musgo, oliva, lima e outras mais. Mas naquele local havia também folhagens e flores em vermelho, combinadas com azuis, rosas, amarelos, marrons, brancos e lilases. Uma parte do bosque era constituída de um imenso fundo negro, devido à proximidade das árvores e arbustos. Apenas em raros momentos, a negritude era quebrada com fios de luzes vindas do céu. Este, na maior parte do ano era cinza, mas não de um cinza que anuncia tempestades. Era um cinza sutil, quase apagado, que de longe, lembrava apenas um dia triste e nada mais. Sorria apenas no auge da primavera, quando mostrava um pouco do seu sol.
E nesta terra de bosques escuros e vegetações coloridas, havia as ruínas de um castelo. Apenas uma parte de toda a muralha que o cercava ainda estava de pé. Por sorte, o pesado portão com grossas correntes de ferro ainda compunha o ambiente, o que levava muitos viajantes a acharem que a construção estava intacta em sua totalidade. Mas nada lembrava o que o local fora em outros tantos séculos atrás: propriedade de nobres, que por gerações, ofereciam banquetes e bailes à outros tão nobres quanto eles, e que eram protegidos por um batalhão de soldados.
Esta longa linhagem da nobreza assinava como último nome Rodiv. Por quase 300 anos, este foi um sobrenome temido na região, principalmente pelas classes baixas. Por todo este tempo, nunca se ouviu falar de um Rodiv que não tenha humilhado e castigado quem ousasse não lhes seguir as ordens; nunca se ouviu falar de um Rodiv que não tenha morrido de forma trágica. Mas a partir de meados do século XVIII isto mudou. O casamento entre Phillip Rodiv e Rutsy Borsosy permitiu com que os próximos descendentes tivessem muitas das boas características dos Borsosy (e também, da boa sorte) e nenhuma outra tragédia jamais voltou a acontecer.
O ano agora era o de 1899. As muitas batalhas na região pela demarcação de fronteiras havia expulsado não só a população local, como também, muitos dos Rodiv que habitavam o castelo. Agora que a construção demonstrava sinais de derrota e das lutas que houve ali em outros tempos, apenas um Rodiv- o último da linhagem- insistia em tomar aquele castelo como moradia. Seu nome era Nikolas e até o momento, contava com 67 anos. Casou-se apenas uma vez, sem nunca ter tido filhos. Seu casamento fora um fracasso, pois a sua esposa o abandonou dois anos depois, ao fugir com um marinheiro russo. Isto o fez buscar refúgio e abrigo definitivo no antigo castelo, que fora abandonado por seus pais, anos antes. Desde então, Nikolas Rodiv era o único morador e proprietário do castelo.
Por todos aqueles anos, Nikolas Rodiv nunca mais foi visto a vagar solitário por nenhuma rua da cidade mais próxima, como costumava fazer em seus tempos de solteiro e nem em nenhum outro lugar público. Dia a dia, mês a mês, ano a ano, ele passou apenas a vagar pelos quartos e salas do castelo, sem nunca ir além de onde se encontrava o pesado portão. A vida passou a ser vivida dentro daquele oco e sombrio espaço demarcado por grandes e cinzas tijolos. Nikolas Rodiv apenas passava a maioria de seu tempo em frente a alguma tela e seus pincéis. Ali pintava paisagens, vilas e mulheres. Mulheres.... Como Nikolas Rodiv as adorava! Fazia seus traços e curvas com perfeição, sem nunca exagerar em nenhum detalhe. Dava-lhes mistério, ousadia, paixão. As mulheres de suas telas nunca tinham nada menos do que isto.
Seu criado, Leonnard, aos 60 anos, era a única pessoa que se dispunha a servir Nikolas Rodiv, no castelo. Mas por ordens de seu patrão, ele ia ao local a cada dois dias, quando trazia mantimentos, telas em branco, tintas e o que mais lhe tivesse sido pedido. A cozinha, a sala que servia de ateliê, o quarto de Nikolas Rodiv, além de um dos quartos de hóspedes (o maior) eram as únicas exigências para que fosse feita a limpeza. Nos exatos 35 anos em que Leonnard servia Nikolas Rodiv, ele sempre achou perigosa a ideia do patrão em aceitar certos viajantes para uma estada. Porém, em sua humilde aceitação de criado que apenas serve o seu senhor, nunca se ousou fazer qualquer tipo de comentário a respeito.
Por um longo tempo, nunca chegou ao conhecimento de Leonnard nenhum comentário a respeito de qualquer hóspede de Nikolas Rodiv. Nos dias de faxina, Leonnard até já chegara a ver alguns: homens jovens ou velhos, acompanhados de suas senhoras e filhas- estas últimas, sempre no auge da juventude. Alguns se demoravam por ali, apenas por uns dias; outros, por semanas.
A situação era a seguinte: seja em dias de sol ou em dias de chuva, os viajantes costumavam parar no castelo ou para pedir abrigo ou para pedir um pouco de água. É claro que a curiosidade em entrar naquele lugar também os excitava. Nikolas Rodiv, que normalmente se encontrava em seu ateliê, na torre esquerda mais alta, apenas observava de longe quem por ali se aventurasse a procurá-lo. Mas apenas dava abrigo àqueles que realmente lhe despertasse algum tipo de curiosidade ou interesse.
Jovens moças com grande beleza era o que fazia Nikolas Rodiv a receber em seu castelo os viajantes. Os olhos cinza-esverdeados de Nikolas Rodiv, juntamente com o seu cabelo branco e ralo, davam-lhe um aspecto de inocência em seu rosto de bochechas avermelhadas. As famílias que por ali passavam costumavam lamentar o fato de um senhor de tão grande bondade, simpatia e refinamento, ter que viver seus últimos anos à mercê de um castelo abandonado. Mas Nikolas Rodiv apenas se ria disto e oferecia aos seus convidados o seu vinho e a sua comida. Mostrava-lhes os quadros de paisagens e vilas, ouvia com entusiasmo as suas músicas e por fim, mostrava-lhes o aposento de dormir.
O que os hóspedes não sabiam, é que grande parte da sonolência que sentiam era devido a um sonífero que Nikolas Rodiv havia colocado, ora em seus vinhos, ora em suas comidas. A noite já ia alta quando o dono do castelo destrancava a porta do quarto onde repousava a família e ali entrava a passos lentos. Nas mãos, apenas uma vela e uma pequena faca. Olhava rosto por rosto, aparência por aparência e quando seus ouvidos já tivessem acostumados com o ressonar das respirações, Nikolas Rodiv arrastava seu magro corpo idoso até a bela jovem que repousava tranquilamente.
Por poucos minutos, Nikolas Rodiv primeiro apenas a observava. Punha seus olhos sobre os longos cabelos, que já tinham variado de loiros, castanhos, negros ou ruivos. E os tocava, como se toca um tecido de seda... Seus olhos e mãos também passavam por sobre o rosto, os braços e as mãos, até chegarem aos seios. De súbito, Nikolas Rodiv soltava os cordões do espartilho e então, seu olhar e sua mão tinham apenas um único interesse: o seio esquerdo! Devia haver ali, entre todos aqueles seios esquerdos que ele já havia visto, uma marca de nascença. Uma marca que imitasse uma meia-lua. Como não havia ainda encontrado, Nikolas Rodiv, com a pequena faca nas mãos, deixava ali a sua marca. Não suportava a ideia de nada ter encontrado e em um acesso de fúria e de vingança, fazia ele próprio a meia-lua em todos aqueles seios esquerdos. A lâmina da faca corria rápida, fria e cruel. O sangue jorrava rápido e quente e então, Nikolas Rodiv o continha entre seus dedos e pintava os lábios daquelas jovens com seus próprios sangues. A porta rangeria atrás de si em seguida, e no dia seguinte, o amável senhor do castelo esperaria seus hóspedes com um café bem quente.
Mas uma noite, apenas em meados de 1899, Nikolas Rodiv pode finalmente encontrar a tão esperada meia-lua. A jovem, Mia Ostrivtchi, sonhava seus sonhos em estado de profunda serenidade. Seu corpo estava levemente inclinado para a esquerda, o que fazia seus seios estufarem por sobre o espartilho; a mão direita a encostar a face e seus cabelos castanho-avermelhados a embaraçarem-se no travesseiro de penas de pato. Desta vez, Nikolas Rodiv apenas observou seus traços e formas por um tempo superior em relação às outras vezes e fugindo ao costume, pegou Mia no colo e a levou para a última torre do castelo.
Como ainda não passavam das onze e meia, Nikolas Rodiv, que havia posto o corpo da jovem em um confortável sofá vermelho repleto de almofadas, preparou tintas e tela e então, começou a esboçar Mia Ostrivtchi. “Minha querida, minha querida”, ele pensava enquanto dava cores e formas ao desenho na tela. E em sua mente, aparecia a imagem de sua jovem esposa e daquela meia-lua em seu seio esquerdo que tanto o cativava. Lembrou-se daqueles dois anos em que ela esteve ao seu lado, e como ela posava para ele em suas pinturas. Nunca se esquecia de pôr à mostra aquela pequena e delicada marca: a sua marca; a marca de todas as mulheres de sua família. E Nikolas Rodiv a pintava, e caprichava no vermelho de sua boca, tão forte quanto sangue... Mas ela o deixou. E ele nunca a esqueceu. E ali, naquele momento, na mesma torre onde os dois jovens recém-casados praticavam escondidos suas orgias, Nikolas Rodiv tinha a sua frente, Mia Ostrivtchi. Nada menos do que a neta de sua amada.
Não precisava conferir a tão conhecida marca para ter a certeza que ele tinha. Como não ser a neta de Isabelle Panchov Rodiv? Ele reconheceria de longe aqueles olhos, nariz e lábios. Como não ser?
Os traços principais de Mia Ostrivtchi ficaram prontos em uma hora e meia. Nikolas Rodiv deslizava o pincel propositadamente bem devagar. Estava eufórico e em breve, seu plano seria concluído. Tudo no castelo já estava preparado há anos. Ansiava-se muito por aquele momento! E então, eis que o suficiente já havia sido feito. Nikolas Rodiv deu mais uma olhadela para a tela em construção e não precisando mais corrigir nenhum detalhe, partiu para o principal. Caminhou até a jovem e lentamente seus dedos contornaram os delicados lábios de Mia. Repetiu o gesto em todo o seu rosto e cabelo, exaustivamente, até que a moça desse sinais de estar voltando a si. Mia Ostrivtchi começou a agitar-se e suas pálpebras de um rosa delicado começaram a tremer. Ela acordaria em poucos segundos.
O momento havia chegado! Nikolas Rodiv partiu para os cordões no espartilho, desatando-os um por um. Mia Ostrivtchi usava um vestido azul-celeste, que havia sido pintado por Nikolas na exata tonalidade. E por debaixo de todo aquele azul, estava a pequena meia-lua. Tão pequena que poderia passar despercebida, não fosse sua cor creme naquela carne branca. A faca começou a riscar com perfeição aquela marca, quando Mia Ostrivtchi acordou. Seus olhos castanho-claros arregalaram-se antes que sua voz pudesse emitir qualquer grito e com isto, Nikolas Rodiv teve tempo para abafar-lhe eventuais pedidos de socorro. A mão que lhe tapa a boca era a mão que estava manchada com o sangue que ainda escorria por entre os seios da moça. “Minha querida, minha querida”, ele apenas dizia, quando subitamente a faca rompeu toda a carne daquele ventre. Os olhos de Mia Ostrivtchi foram fechados pelo senhor do castelo. Agora, ela voltou a repousar naquele sofá com suas fofas almofadas. Sua boca ainda mais vermelha devido ao sangue, competia com a cor do sofá. Mas era indiscutivelmente mais viva.
Nikolas Rodiv, com apenas um puxão em uma corda, fez lançar todas as latas de querosene que estavam escondidas em seu ateliê e que rolaram castelo abaixo. Bastou apenas a queda de uma vela, para que o castelo ardesse em chamas. E na torre mais alta, Nikolas Rodiv contornava com sangue os lábios de sua pintura e fazia a meia-lua no seio-esquerdo. As muitas labaredas que o rodeavam davam destaque à marca nos seios de Mia Ostrivtchi no sofá e na tela.







martedì 1 dicembre 2009

O mundo dos bolhas


Imagine se eu vivesse em uma bolha, como seria o mundo para mim? Provavelmente ali seria o meu mundo e nada mais. Ali eu cresceria e amadureceria. Ali dentro eu faria minhas escolhas e descobertas, tomaria decisões, venceria obstáculos e oponentes. Faria também, minhas refeições e acordaria e dormiria e sonharia... Ah... Os sonhos... Se eu vivesse em uma bolha, talvez eu teria mais tempo para sonhar. E imaginar. E inventar. E tudo isto me bastaria.
Se eu vivesse em uma bolha, eu ia querer descobrir o mundo lá fora. A Terra seria outro planeta e nada mais. Dentro da minha bolha eu passaria horas e horas criando expectativas e situações existentes além do meu pequeno espaço. Como seria sentir fora da bolha? Como eu me sentiria? E a mesma pergunta hoje feita pelos terráqueos também seria feita por mim: haverá vida fora da bolha?
Se eu vivesse em uma bolha, provavelmente eu poderia voar livremente por aí. Enquanto uma sôfrega brisa me soprasse suavemente, minha bolha e eu deslizaríamos pelo espaço, a voar, a voar, sem nunca realmente sabermos para onde estaríamos indo. Assim, passaríamos por florestas e oceanos; por bosques e rios; por jardins e lagos. Minha bolha é o meu planeta e ali, não há nada disto.
Mas, se eu vivesse em uma bolha, como seria viver sozinha? Haveria ali lugar para mais alguém? Se houvesse, seria divertido dividir algo tão simplório e especial com esta pessoa. Dividiríamos nossos anseios e planos. Porém, se algo nos desagradasse, como sobreviver a uma discussão? Onde eu poderia me esconder e refletir por uns instantes?
Talvez, por este lado, se eu morasse em uma bolha, o ideal seria que todas as pessoas também morassem em uma. Daí, sim, com certeza, teríamos o mundo ‘dos bolhas’. Ou seriam ‘os bolhas’ do mundo? Porque se cada um tivesse a sua própria bolha para morar e respirar, cada um teria o seu próprio mundo. E o criaria. E o reconstruiria. E o viveria da maneira como bem entendesse.
Se cada um tivesse a sua própria bolha, seriam milhões de bolhas a serem sopradas por aí - e por que não, cada uma com sua própria brisa? Seriam milhões de bolhas a voarem livremente pelo espaço, cruzando lugares fantásticos e também medonhos. Seriam milhões de bolhas a toparem-se por aí. Porventura, bolhas com brisas parecidas poderiam juntar-se para seguirem em frente juntas até formarem um imenso grupo de bolhas.
Porém, com isto, eu estaria voltando ao mundo em que vivo agora. Um planeta formado por grupos soprados pela mesma brisa. Um lugar habitado por inúmeras ‘pessoas-bolhas’, a viverem seus mundinhos e nada mais.

sabato 14 novembre 2009

From... To...

Tudo começou há algum tempo, uns meses, talvez. De um lado, fazia uma tarde quente e ensolarada, pouco típica para aquele meio de outono, de outro, não tão tarde assim, o dia estava ameno para uma primavera. E lá estavam os dois, perdidos em um gigantesco alfabeto de A à Z, uma louca mistura de nomes, uma imensa confusão de intenções e significados. Poucas letras separavam a “JGirl” do “Power” e após uns poucos minutos da entrada da garota no bate-papo virtual, surge um “hi” dele. Como a grande maioria das pessoas na Terra, eles também não pararam para pensar que grandes acontecimentos, pessoas e momentos podem começar com um simples “oi”, independente do idioma em que é dito. Continuaram a conversar, palavra atrás de palavra, frase seguida de frase, expressões que originavam outras, sentimentos que brotavam sem um porquê.
Uma ação tão comum para dois filhos deste início de século XXI - afinal, há alguns anos trocar mensagens instantâneas com pessoas dos mais diversos lugares e nacionalidades tornou-se algo tão tipicamente comum, que quase ninguém mais se surpreende em “teclar” com um macedônio, vietnamita, chileno ou britânico. Tamanha é a força da Internet no cotidiano das pessoas, que até se pode falar em uma imitação da vida real pela virtual. Nesta última, encontros e desencontros também se repetem; a linguagem escrita é bombardeada constantemente em uma tentativa de se dar um tom falado à conversa - e aí entram os “Us” nos lugares de “Os”, símbolos que imitam expressões faciais de alegria ou tristeza e assim por diante; há trocas de sensações, de informações, de conhecimentos...E tudo isto, de uma vez só!
E no meio de tanta tecnologia, entretenimento e inúmeras possibilidades, a moça brasileira e o rapaz americano começam a se conhecer. Obviamente, que ambos dividem, ao mesmo tempo, a atenção com outros seres tão diversamente estrangeiros quanto eles, mas isto não é nada importante perto do que eles ainda tinham para se dizer, pois algo estava ali a brotar. Primeiro timidamente, com suas pequenas raízes a encostarem à pequena casca de sua barreira, até fazer a pressão necessária para rompê-la. Em seguida, com a fixação das raízes, o crescimento daquilo que se pode chamar de amizade foi rápido e saudável. E pensar, que tudo assim, tão de repente...
Desde então, semanas se arrastam sucessivamente até alcançarem um mês. Por sua vez, os meses também seguem a sua lógica de encaminhamento no tempo e, sem nem se darem conta disto por muitas vezes, lá estão “JGirl” e “Power” envolvidos na escrita de suas palavras. São comentários, desabafos, perguntas, respostas, risos e lembranças. Conversas que só interessam a eles, em suas buscas de se apresentarem, de se conhecerem e de se depararem um perante o outro diante de tantas condutas em comum. Um espelho de palavras criou-se entre eles, fazendo com que sorriam um ao outro quando se estão “frente a frente”. Um jogo de sinônimos e antônimos em seus anseios; uma mistura de vocabulários conturbados por vezes; regras que sempre são quebradas.
No meio desta história ainda em construção por seus autores, as entrelinhas nunca são por eles esquecidas. Estão sempre lá, com um detalhe a mais de seus próprios eus; uma maneira de se mostrar que reside justamente na ação de se esconder. Uma forma petulantemente esquisita de falar sem nada falar. Por ora, os dois não acham isto. Por uma série de estranhos motivos - e aí entram os sentimentos - preferem agir assim em certos momentos. A confusão de expectativas, de pensamentos e de sentimentos assola o corpo e a alma destas criaturas. “Strange feelings”, escreve o americano à brasileira. Ele só se esquece de lembrar, que em um mundo onde as proximidades tornaram-se tão redundantemente próximas, “what’s the matter?”.

sabato 7 novembre 2009

Meu céu, meu poder, seus sentidos


Certa vez estava me perguntando se seria possível, um dia, alcançar o céu. Mas não estava me referindo a uma viagem de avião, helicóptero, balão ou foguete; o que eu queria mesmo era erguer meu corpo, até ficar na ponta dos pés e assim, pegá-lo, da mesma forma como sempre peguei qualquer coisa que estivesse acima da minha cabeça.
Quem sabe, o céu seja como um livro no alto de uma prateleira, em que, com apenas um pequeno esforço, eu possa tomá-lo para mim e apalpá-lo, senti-lo em toda a sua aspereza ou maciez até meus dedos se cansarem e eu finalmente poder abri-lo para poder descobrir seus mistérios...
Quem sabe, o céu seja como um belo porta-retrato no alto de uma estante, em que, com apenas um pequeno esforço, eu possa tomá-lo para mim e admirá-lo bem de perto, assim como eu faço com qualquer coisa bela que me atraia. Olhar suas cores, sua tonalidade, sua intensidade e sua vida até fotografar sua imagem com a minha memória...
Quem sabe, o céu seja como um vidro de perfume no alto de uma penteadeira, em que, com apenas um pequeno esforço, eu possa tomá-lo para mim e sentir seu aroma em toda a sua profundidade e embriaguez...
Quem sabe, o céu seja como um disco de música no alto de uma coleção de algum colecionador, em que, com apenas um pequeno esforço, eu possa tomá-lo para mim e com alguma expectativa crescente, pôr a executar toda a sua sonoridade... Um som de paz em um céu azul; um som vibrante em um céu agitado de nuvens cinzentas; um som inspirador em um céu róseo-avermelhado...
Nada é difícil de se alcançar quando se pode erguer-se na ponta dos pés e esticar os braços. Nada é difícil de se alcançar quando se podem imaginar suas sensações. Nem mesmo o céu. Afinal, o horizonte é logo ali.