Cos'è?



martedì 22 dicembre 2009

O presidente que quebrou dois dentes

A época do ano é o começo de inverno, no mês de dezembro em uma tarde de domingo. Logo pela manhã daquele mesmo dia, o então Senhor Presidente é lembrado por um de seus assessores­­- sim, aquele que nunca se esquece de nenhum dos afazeres de Vossa Excelência- sobre o comício de seu partido no horário vespertino. O Presidente faz cara de tédio para o Assessor, que apenas olha para o chão, sem nada dizer. “E que culpa tenho eu se ele é um homem público e se o partido precisa do apoio dele? Precisa me olhar deste jeito?”, pensa o Assessor, que tenta conter uma pequena lágrima a saltar do olho esquerdo, mas como não consegue, decide então, se retirar de corpo inteiro.
Rapidamente, a manhã passa no Palácio Presidencial. Como é domingo, dia santo para quase todos os mortais cristãos, o Presidente decide passar àquelas poucas horas privadas na sala de estar do Palácio, a arrumar soldadinho por soldadinho da sua coleção de miniaturas. Os pequenos homenzinhos são colocados estrategicamente na maquete que ocupa quase toda uma mesa grande, ao mesmo tempo em que vão formando uma enorme frente de batalha.
- Atacar!!!, grita o Presidente, que tem entre os dedos o homenzinho general, situado à frente de toda a tropa.
A Primeira Dama, que está na sala ao lado, observa o corpo do marido pendurado por sobre a mesa, a brincar com seus bonecos. É claro que ela acha toda aquela coleção uma grande baboseira, mas pelo menos ali é onde o seu esposo pode esquecer por alguns instantes toda a pressão sofrida diariamente pela imprensa, pelos inimigos políticos e pelo povo. Resolve voltar sua atenção para a revista de moda, em que há uma reportagem sobre ela elogiando sua elegância em saber combinar na medida certa o sapato com a bolsa. O Presidente, que em momento algum percebeu o olhar da mulher, termina de posicionar todos os homenzinhos (inclusive os inimigos) e fica satisfeito com o resultado. Dá uma olhada ao redor da sala e lembra-se que a coleção de astronautas e alienígenas também está precisando entrar em ordem, mas já não há mais tempo para isto. Entra o Assessor que conteve as lágrimas e anuncia o almoço.
Agora, o Presidente e a sua comitiva estão a caminho da Praça Central, onde se realizará o comício. Na verdade, o comício já se tinha iniciado há pouco mais de uma hora, mas como a Primeira Dama não entrava em acordo direto com a sua personal stylist a respeito do casaco adequado para a ocasião, o atraso do principal membro do partido era evidente. “Você é o presidente, você pode se atrasar”, sempre dizia ela ao marido em situações semelhantes. Porém o Assessor, que nunca se esquecia de nada relacionado ao presidente, achava que tal comentário minimizava sua função. “Se é assim, por que estou a servir este memorável homem? Ora esta, se sou eu que o lembro de cada açãozinha dele durante o dia...”, pensava ele enquanto mais uma vez, a lágrima (desta vez do lado direito do olho) tentava saltar-lhe às vistas.
O carro principal estaciona no lugar indicado e, subitamente, vários homens vestidos de preto cercam ainda mais o Presidente: são seus seguranças. Ele caminha com dificuldade por entre aquela multidão: homens, mulheres, crianças, jovens e velhos, além de jornalistas e policiais. Como sempre, ele, o Presidente, o homem mais importante de todo o Estado, o representante-mor do país, o político com o cargo mais alto, o colecionador de miniaturas é o centro de toda a atenção.
A multidão se agita ainda mais com a sua presença; o zum-zum-zum de vozes aumenta gradualmente, a movimentação de corpos torna-se mais intensa, os flashs das câmeras são muito mais constantes e rápidos... Querem tocá-lo, vê-lo, fazerem perguntas, fotografá-lo, filmá-lo, aplaudi-lo e ... agredi-lo! Um objeto é lançado contra o Presidente, atingindo-o no rosto, tingindo-lhe a face, partindo-lhe a boca, arrancando-lhe dois dentes.
Tudo é muito rápido e apenas os que estão mais próximos da Comitiva Presidencial notam com extrema rapidez, o que acabara de acontecer. Obviamente, inclui-se aí os jornalistas, sempre atentos à qualquer movimento do Presidente da República (o que causa certos ciúmes no Assessor que nunca se esquece de nada quando o assunto é o Presidente) e suas câmeras e microfones flagram e narram tudo o que houve. Os homens de negro investem rapidamente para o homem mais importante do Estado e o cobrem momentaneamente com seus corpos negros, tal como urubus na carniça, ao mesmo tempo em que policiais tentam encontrar o agressor no meio da multidão.
De volta ao carro, o Assessor que antes tentava conter lágrimas em seus próprios olhos, agora as deixa rolarem livremente. Está em prantos no banco da frente enquanto a Primeira Dama, que segue no carro de trás, já pensa nos comentários que acabaram de surgir no rádio e na internet e que irão surgir brevemente nas outras mídias. “Mais um escândalo!” é a frase que lhe passa pela cabeça naquele momento e que ali continua até chegarem ao hospital.
A quantidade de sangue que escorre da boca do Presidente e as lágrimas que saem dos olhos do Assessor é a mesma: enorme! O Presidente é levado imediatamente para um atendimento preferencial e exclusivo. Já o seu Assessor, como não o deixam passar da sala de visitas, fica aos soluços a reclamar para todas às enfermeiras que passam:
- Eu sou o principal assessor dele, estão me ouvindo? Eu nunca me esqueço de nenhum afazer do Presidente, entenderam?
-Meu senhor, o Senhor Presidente está a tirar radiografias e a fazer curativos e outros exames e ninguém pode acompanhá-lo, ou você acha que também não tive que impedir uma cambada de repórteres e curiosos a entrarem aqui?, responde uma das enfermeiras.
-Mas eu sou o assessor dele, A-S-S-E-S-S-O-R, está me entendendo? Eu nunca me esqueço de nada relativo a ele e se eu não puder acompanhá-lo, como poderei preparar as atividades para a próxima agenda?, continua a gritar o Assessor, mas a enfermeira já vai bem longe pelo corredor.
À noite em todos os noticiários nacionais e pela manhã em todos os outros países que não tem o mesmo fuso-horário, a manchete em letras garrafais é:
“Presidente quebra dois dentes”.
Nada que alarmasse a população, é claro, já que havia tempos que nos países considerados democráticos, poucos idolatravam fanaticamente o chefe de Estado. Desta forma, o seu estado de saúde causa apenas curiosidade na grande maioria, que prefere preocupar-se com suas ações diretas na política e na economia, além de também lhes interessar o último resultado do placar dos esportes.
-Dois dentes?, dizem uns, Pois olha que eu já vi gente que quebrou a dentadura inteira em comícios, quando tentava fazer alguma manifestação pública e foi atingido por socos, chutes e objetos e que nem por isto, virou notícia mundial.
- Dois dentes!, resmunga a Primeira Dama, ao comentar o acontecido com a sua personal stylist. Se com toda aquela proteção conseguem arrancar dois dentes do meu marido, com certeza podem conseguir arrancá-lo do poder! Temos que tomar cuidado...
-Dois dentes, dois dentes!!!!, insiste em berrar a plenos pulmões o Assessor que nunca se esquecia de nada. Sua indignação é grande, sua dor, maior ainda. Está a anotar freneticamente em um pedaço de papel todos os próximos passos do Presidente e a reorganizar os que já estavam prontos. Dois dentes, dois dentes...
O Presidente deixa o hospital apenas dois dias depois, quando se encaminha para a sua residência. Seu rosto está repleto de curativos, mas no lugar onde faltaram dois dentes, nada mais falta. “É isto o que ocorre quando se quer apoiar os colegas de partido e se misturar à massa... Me destroçam dois dentes!”, pensa o presidente que quebrou dois dentes e que está novamente a debruçar-se sobre uma das mesas da sala de estar para pôr em ordem a sua coleção de miniaturas espaciais.