Cos'è?



lunedì 23 maggio 2011

Venceslau com V


Meu amigo Venceslau é o que se diz de alguém “politicamente correto”, a começar pelo o seu nome: Venceslau com v, como se escreve no tradicional português (meu amigo nasceu muitos anos antes da recente reforma ortográfica, que aceita “w” e tudo mais).

Dono de uma mercearia, ele paga seus impostos e nunca acende uma luz quando se pode aproveitar a luz natural. Também vai ao médico e dentista religiosamente no tempo sugerido pelos especialistas e sempre separa o lixo para a reciclagem (por mais que não haja coleta seletiva por parte da prefeitura de nossa cidade). Venceslau, quando sai de casa para ir a sua mercearia, faz questão de atravessar na faixa de pedestres: caminha os 23 passos (ele já contou) que separam a sua casa da faixa e retorna nos mesmos 23, já que a mercearia é exatamente em frente a sua residência.

Certa vez, fui testemunha de uma cena que me deixou irrequieto. Venceslau, sempre muito correto com seus clientes, devolveu de troco o um centavo de uma consumidora.

-O senhor está me achando com cara de pobre, de munheca ou o quê?- disse a mulher, indignada.

Venceslau não sabia o que fazer: se pedia desculpas e pegava a moedinha de volta, se explicava que estava apenas retornando o troco ou se saía correndo e chorava. Escolheu a última opção.

Correu o quanto pode e quando chegou à faixa de pedestres, por sorte o sinal estava fechado para os carros e ele atravessou a faixa e continuou a correr por mais duas esquinas, até que se sentou no meio fio de uma velha calçada e chorou. Chorou por ser “certinho” demais e ser apelidado de “bocó” pelos amigos do futebol; chorou por levantar cedo em dias de eleição para ir votar, mesmo não gostando de nenhum candidato, enquanto outros, justificavam o voto meses depois a hora que bem queriam; chorou pelos gatos de rua que alimentava e que quando estavam de barriga cheia, nem um miado de retribuição lhe davam; chorou por não dizer palavrão, apesar das “más” palavras que lhe engasgavam na garganta; chorou por nunca rir de uma piada de humor negro, mesmo achando graça em algumas; chorou por estar com câncer, apesar de ir ao médico; chorou por nunca ser reconhecido por nada que fazia.

-Venceslau, não fique assim- eu lhe disse.

Ele nada respondeu, somente fungava. Mas eu sabia de seus pensamentos, sabia de sua raiva, sabia do quão revoltado ele estava por se sentir assim: afinal, o que ele fizera de errado?

Leis dizem o que devemos fazer, humanos criam constantemente outras infindáveis regras sociais que devem ser seguidas. Venceslau segue todas à risca. Muitos, que não necessariamente têm o nome de Venceslau com v, também; já outros, nem tanto. Há ainda os que não seguem quase nunca nada. E daí, eu pergunto: quem ganha nesta história?

Com certeza, Venceslau acha que não são os de seu tipo, que sempre são os “chatos” do pedaço. Confesso que me incluo no grupo dos que seguem as regras com certa maleabilidade, que não são nem corretos, nem incorretos, nem politicamente nada- ou tudo!

Não sou do tipo que se sinta ofendido por receber um centavo de troco, assim como raramente brigo pela devolução da mesma moeda (só quando o caixa é do tipo grosseiro). Assim como Venceslau, tenho direitos e deveres, que sigo de acordo com a “demanda”, mas colocando uma pitada de meu eu- um eu menos preocupado. Pessoas como Venceslau sempre são vistas com maus olhos e muitas vezes, são consideradas malucas. Tenho dó de meu amigo, porém, entendo as suas atitudes.

Ser radical é difícil, ser diferente é cansativo, aceitar tudo é chato (e por vezes, burro). Como mudar isto? Venceslau continuou a chorar por muito tempo, tal como uma criancinha perdida. Provavelmente é mesmo um perdido neste mundo onde só faz obedecer e tentar ser normal. Seríamos eu e a cliente que não aceitou a moeda, os anormais? Seria, você, que está lendo isto o extravagante? Ou você é um Venceslau com v?

Só sei, que quando as lágrimas secaram, Venceslau se lembrou que não era muito adequado continuar sentado em plena calçada (as pessoas poderiam falar). Além do mais, já era tarde e ele precisava colocar o óleo das batatas que fritou dentro de uma garrafa pet, pois a estas alturas, o óleo da frigideira já havia esfriado.